sábado, 31 de outubro de 2009

Procura-se bloggers para relações sérias

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O DILEMA DO BLOGGER
Postar ou não postar, eis a questão.


Tenho quatro meses acabadinhos de fazer, sou um blog descontraído e open minded, gosto de me divertir mas também de conversas sérias e estou aberto a novas experiências. Tenho muito para dar mas também quero receber.


Aos Sábados este espaço está aberto a contribuições não só dos nossos convidados mas também de quem quiser escrever.

Envie o seu texto (entre 50 e 500 palavras) sobre poliamor para polyportugal@gmail.com.


Aceita-se propostas de bloggers com ou sem experiência poliamorosa.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A pura relação e o poliamor - V

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Poder-se-ia pensar que eu me esqueci da pura relação, e do pobrezinho do Giddens. Mas não.

Da penúltima vez que o tema foi abordado, ficaram duas questões no ar. A mais importante delas: o que representa para o sujeito a pura relação?
Se vimos já que estamos perante a necessidade que o sujeito tem de se afirmar como independente, de se (re-)criar a si mesmo, então percebemos também que a relação codependente que fundamenta o romantismo clássico (oitocentista) funciona ao arrepio desta mesma dinâmica, ao negar o sujeito de um valor total. O sujeito não é completo enquanto não estiver acompanhado.

Pode argumentar-se que o humano é um ser eminentemente social, e que procurar ser-se humano sem se ser social é quimérico e, em última análise, impossível. Sim, é verdade. Mas a questão aqui não é posta em termos de uma solidão absoluta ou de uma presença constante. Já vimos que só nos podemos abrir aos outros se tivermos algo a abrir, se tivermos barreiras.

O problema aqui é o facto de apenas uma determinada e muito estrita forma de ligação inter-humana poder ser o caminho para esta totalidade. Apenas uma determinada e muito estrita forma de exprimir amor, com uma série de condições e de rituais associados, pode ser vista como conducente a esta completude.

Este determinismo normativo pode ser descrito da seguinte forma: necessitamos, todos nós, de uma forma específica de ligação a algo fora de nós mesmos para podermos ser entidades de pleno direito. Estranhamente, esta definição pode encaixar-se tão bem na ideia de que o amor romântico é indispensável, como na ideia de religião. Haverá por aqui uma religião da relação amorosa em vigor? Uma religião que ignore outras formas de estar?

A pura relação, por outro lado, apresenta-se como algo volátil. Instável. E é ambas estas coisas porque aquilo que sustenta a pura relação são os benefícios que cada pessoa envolvida pode daí retirar. Quem não se encontra satisfeito e não consegue sanar a questão termina o seu envolvimento. A presença de alguém não é nunca garantida, e a relação funciona para que cada sujeito possa, de certa forma, cuidar de si. Crescer, melhorar-se como elemento numa relação entre singulares e iguais, ao invés de numa amálgama indistinta de quase-seres.

Índice
A pura relação e o poliamor - I

A pura relação e o poliamor - I
I
A pura relação e o poliamor - III

A pura relação e o poliamor - IV

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Comer o bolo e ficar com ele

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Escrevo este post com uma semana de atraso, e espero não voltar a repetir a gracinha. Têm acontecido muitas coisas, todas boas, mas realmente o tempo não dá para tudo, e ultimamente os dias têm passado com uma velocidade alucinante.
Entre tudo o que poderia comentar, escolho um artigo com que me cruzei numa altura bastante conveniente. É grande e requer uma leitura cuidadosa, com o tempo que agora não tenho. Mas só o tema e uma leitura na diagonal me suscitam de imediato algumas ideias.
O conceito de self-care, que se aplica a toda a gente que tenha mais de uma actividade na vida (trabalho, família, amigos, amores, hobbies, etc.), faz ainda mais sentido quando se trata de gerir uma vida poly. Como diz Meg Barker, a dificuldade está em adaptarmo-nos a novas realidades trazidas por novas relações, em alturas em que temos tão pouco tempo para nós, precisamente devido ao tempo que essas relações nos ocupam.
A ideia é levarmos em conta a nossa relação com nós próprios. Considerá-la, se não como a nossa principal relação, pelo menos como mais uma, com as mesmas necessidades de tempo e dedicação que qualquer outra. Pensarão alguns que uma pessoa poly é alguém que tem muito amor para dar, e capacidade para o receber em igual proporção. Mas capacidade não implica necessidade. E imersos na cultura reinante de que estar sozinho é estar infeliz ou ser incapaz, acabamos por não conseguir explicar a alguém porque é que preterimos um jantar estimulante, seguido de noite escaldante, em favor de um serão em casa, com rolos na cabeça e esponjas entre os dedos dos pés.
Pessoalmente tenho tendência para me esquecer de (quase) tudo o resto quando começo uma nova relação. Deixa de haver tempo para ir ao ginásio, para ler, família e amigos começam a interrogar-se se terei sido atropelada. E dizer “não” começa a ser cada vez mais difícil, gerir todos os horários e sobreposições torna-se um quebra-cabeças, até ao ponto em que só me apetece desaparecer do mapa e não fazer absolutamente nada com absolutamente ninguém.
Fico cansada, durmo pouco, como mal e, basicamente, torno-me uma chata insuportável, susceptível a pequenos conflitos que requerem ainda mais tempo para serem sanados, e mais investimento nas relações para não sofrerem com isso.
Passei os últimos anos a tentar desenvolver esta capacidade de dizer “não” sem culpa, a esquivar-me à chantagem emocional, e a tentar ser clara quanto aos meus desejos. Mas a verdade é que a maior parte das vezes não digo que “não”, porque quero mesmo dizer “sim”. Quero estar com essa pessoa, e com a que me liga a seguir, e com a que já tinha ligado a semana passada, e ao mesmo tempo quero estar no ginásio, e quero ler, e quero dormir, não fazer nada, trabalhar e ir ao cinema.
Resumindo: Está aberta uma vaga para secretári@. Paga-se em tempo e dedicação a quem me conseguir encaixar isto tudo em 24 horas.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

independência emocional

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a lara, a sofia, o daniel e outr@s têm escrito sobre as dificuldades que temos quando nos encantamos por alguém que não é poly, ou pelo menos não é imediatamente poly. por vezes temos desilusões.

tenho conversado bastante com a scarlet choche, nossa blogger convidada de há umas semanas, sobre este tema e as angústias que gera. no caso dela, sentiu-se muito desiludida quando foi "trocada", pelo namorado, por "outra" que só aceitava uma relação monogâmica, ou nada.

questiona-me regularmente sobre como lidar com a sua perda. deve ela procurar outra pessoa já ou deixar passar algum tempo?

o marido, de mais de vinte anos e pai dos seus três filh@s, acha que ela deve procurar outra pessoa imediatamente, isto por estar a vê-la tão infeliz.

é claro para mim que não há soluções mágicas para as perdas amorosas, seja-se poly ou não... é preciso fazer-se o luto. no entanto, acho que cada um@ tem de fazê-lo à sua maneira.

mas importante para o crescimento pessoal é a capacidade de criar uma independência emocional, por forma a não se depender de terceiros para a felicidade. não é fácil atingir-se esse patamar, mas é fundamental para poder participar em relações de forma saudável e igualitária.

se o conseguirmos, podemos sentir tod@s as emoções que a paixão/amor/sexualidade trazem e tirar prazer sem termos de estar preocupad@s com as hipotéticas consequências negativas.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Poliamor lava mais branco

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No ano passado (2008), decidi ir pela primeira vez à Marcha do Orgulho LGBT, em Lisboa. Estava a começar a sentir necessidade de reacordar o meu espírito de activista, desta vez para reforçar o trabalho pioneiro das recém-conhecidas (e agora amigas e cobloguistas) Lara e Antidote na divulgação de uma imagem positiva do poliamor.

Além de colaborar muito ao de leve no panfleto criado especificamente para o efeito, decidi criar uma série de slogans para serem ditos durante a Marcha ou escritos em faixas. Aqui deixo, para me divertir mais tarde, alguns dos que fiz para essa marcha e para as seguintes de Lisboa e Porto. Espero que se divirtam também com alguns deles (outros são coisa mais sisuda e "respeitável").

Se alguém tiver ideias para slogans, venham elas! Para isso é que servem os comentários.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Denunciada pelo rol da lavadeira..

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Há alguns anitos estive deslocada noutra cidade em trabalho. A minha companhia mandou-me numa missão que deveria durar alguns meses. E como qualquer pessoa deslocada em trabalho, trabalhava que nem uma desalmada, e ainda queria aproveitar ao máximo o estar numa cidade nova. Por isso, e por não ter máquina de lavar no meu alojamento temporário, tinha de confiar os meus andrajos a uma lavandaria. E como qualquer pessoa deslocada em trabalho estava longe de quem me quer bem, na altura o meu namorado e a minha namorada. A lavandaria ficava (e ainda fica) num bairro muito popular, e era gerida por uma senhora protótipo desse mesmo bairro, mistura de bom senso, vontade de tratar bem o cliente, mas também de não deixar um comentário ou uma piada por atirar. No fundo todo um "natural cool" que se está a perder, mas que ainda de pode encontrar nalguns recantos da Mouraria em Lisboa, da Ribeira do Porto, etc

Quando era visitada pelos meus dois queridos, costumava pedir que me fossem levantar a roupa à lavandaria, porque esta costumava fechar muito cedo, enquanto eu ainda estava a trabalhar. Repetiu-se muitas vezes que as minhas roupas fossem deixadas por mim de manhã e levantadas por cada um deles no dia seguinte à tarde.

Isto prolongou-se vários meses. Um dia, a minha namorada é brindada com o seguinte comentário "Ai, quer as roupas da menina X? Muito bem, imagine que eu até sei onde elas estão... Imagine que já distingo quando ela tem o namorado ou a namorada cá só pela roupa que ela deixa".
Pensei se haveria de mudar de lavandaria com medo de enfrentar o tigre, mas deixei-me de merdas. Mas fiquei impressionada com a maneira como a minha vida foi posta a nu, eu que achava que era tão discreta. A mim ela nunca me disse nada, mas olhava-me de cima a baixo a medir a oportunidade de o fazer. E não, não lhe dei essa oportunidade.

domingo, 25 de outubro de 2009

Introdução ao Poliamor (III)

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A quantidade de informação disponível na Internet é já mais de 500 exabites (500 mil milhões de gigabites). As empresas que gerem motores de busca (Google, Microsoft, Yahoo, etc) têm vindo a indexar todos estes dados, de modo a facilitar qualquer pesquisa de conteúdos na Web. No entanto, o acesso à informação fidedigna nem sempre é fácil, pelo que a Google criou há dois anos um novo projecto chamado Knol (abreviatura de knowledge, «conhecimento»), onde os artigos são escritos por fontes supostamente credíveis. Ao contrário dessa extraordinária enciclopédia colectiva chamada Wikipédia, o Knol é assim uma espécie de enciclopédia online mais clássica.

Há pouco mais de um ano, um geek interessado no universo do poliamor (mas que aparentemente não é poly), chamado James O'Neill, publicou o knol Polyamory. Tem incorrecções de linguagem (ou, para ser menos politicamente correcto, não está lá muito bem escrito) mas cita muitíssimas fontes e, do ponto de vista do conteúdo, não parece ter grandes problemas.

Já aqui publicámos uma tradução do início das FAQ de Franklin Veaux e outra das FAQ do Loving More. Aqui fica agora um excerto deste knol, traduzido também para português:

O mantra poly
Desde os anos 80, e mais ainda desde os anos 90, a comunidade poly cresceu muitíssimo e tem vindo a partilhar, ao vivo e online, muitas lições aprendidas arduamente por tentativa e erro.
A experiência mostrou que, para perceber o que se passa com as emoções e pensamentos de cada um, é necessário criar o hábito de comunicar com abertura e honestidade; e que, na ausência dessa comunicação num grupo poly, é praticamente garantido que surgirão problemas. Comunicar o mais cedo possível os pensamentos e emoções (tanto positivos como negativos) previne ressentimentos e situações difíceis, ou força-os a serem postos sobre a mesa. Os parceiros não conseguem «ler a mente dos outros» e não têm «obrigação de perceber ou saber»; estes ideais fantasiados são rapidamente postos de lado pelas pessoas poly bem sucedidas. Quando surge um problema, há que ser aberto, honesto, calmo e compreensivo — e tudo poderá assim resolver-se por si. Algumas pessoas e grupos poly têm «reuniões de família» regulares a fim de promover o desanuviamento de problemas ainda em embrião. Quando não se consegue resolver problemas sérios, é possível procurar a ajuda de um conselheiro habituado a lidar com pessoas poly. Os livros Radical Honesty [sem tradução para português], Os Homens são de Marte, as Mulheres de Vénus e Nonviolent Communication [também sem tradução] podem contribuir com ferramentas para uma comunicação eficaz.

sábado, 24 de outubro de 2009

Procura-se bloggers para relações sérias

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O DILEMA DO BLOGGER
Postar ou não postar, eis a questão.


Tenho menos de quatro meses, sou um blog descontraído e open minded, gosto de me divertir mas também de conversas sérias e estou aberto a novas experiências. Tenho muito para dar mas também quero receber.


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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Mundos de ideias

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Vou pegar no post de há uns dias, da antidote, porque me fez lembrar uma coisa muito boa sobre formas não-normativas de pensar relacionamentos.

É verdade que pensar se há mais polys no meio hetero ou no meio LGBT... é um exercício estatístico engraçado. Mas o fundamental, creio, não passa por aí. Passa antes por uma espécie de história das ideias sobre igualdade e luta contra a discriminação.

E identifico no poliamor a inclusão de dois pólos fundamentais: as lutas feministas e as lutas queer. Convenhamos — formas não-normativas de relacionamentos podem ser usadas como ponto de partida (ou podem constituir, inversamente, um ponto de chegada) para o questionamento de outras coisas. Claro que esta não é uma relação de causa-efeito, não é uma relação unívoca. Mas é, creio, um ponto de partida. Porque custa começar a fazer perguntas, mas também custa parar de as fazer.

E o que formas de não-monogamia consentida vieram fazer foi destruir o binarismo/polarismo relacional. O padrão normativo monógamo e o padrão normativo heterossexual têm ambos um grande problema — o binarismo. Ambos supõem dois pólos opostos mas complementares, cuja intersecção não é senão tangencial. Isto facilita papéis de género, isto facilita papéis sexuais, isto facilita papéis de poder. O dominador e a dominada, o ganha-pão e a cuidadora, o poderoso e a submissa.

Como se operacionaliza isso no poliamor? Muitas pessoas, muitas facetas, muita mobilidade. A mobilidade, seja espacial, económica, profissional ou emocional é um espinho muito grande no statu quo. Porque a manutenção do statu quo é a manutenção da imobilidade. Porque é que a mulher não podia viajar livremente sem o marido? Porque é que a sua fuga estava nas cartas, que por ela viajavam? Porém, com tanta mobilidade, torna-se muito difícil amarrar pessoas a sítios, amarrar pessoas a papéis. E se isso serve para mudar a mulher, muda também o homem, sem dúvida. E abre a porta à (con)fusão para os géneros.

Da mesma forma, orientações, comportamentos, desejos e sentimentos (e aqueles a quem estes se dirigem) precisam de ser alvo de questionamento — perigoso será assumir que a pessoa com quem estamos naquele momento deseja apenas alguém do mesmo sexo que eu. Ou presumir que o comportamento sexual e o comportamento emocional têm a mesma orientação. E esse acto, o acto de questionar, o acto de recusar presumir, é o acto que é conquistado, não duvidemos, pelos movimentos feministas e queer. Porque só com o perguntar como hábito é que quebramos a normatividade — que é, por outras palavras, a presunção da irrelevância do acto de questionar.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Malabarismos amorosos

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Há uma dúvida recorrente nas cabeças poly: ao conhecer-se uma nova pessoa, qual é a altura certa para se anunciar que a monogamia não é para nós um dado adquirido? Deve-se dizer o mais rápido possível, quase a seguir ao “muito prazer”? Tipo “Olá, o meu nome é X e sou poly”? Ou na verdade não é da conta de ninguém a não ser que nos envolvamos com a pessoa? E se assim é, em que ponto do envolvimento se torna oportuno / aconselhável falar nisso?
Já tive várias opiniões e respostas a dar a estas perguntas. Ultimamente opto por dizer descontraidamente “o meu namorado” assim que surge a oportunidade. A reacção a isto normalmente determina se desenvolvo a explicação, e muitas vezes determina também o meu interesse na pessoa.
A frontalidade e a honestidade são para mim uma necessidade, ou um luxo a que me dou quando o interlocutor o permite. Mas o que é perturbador é pensar que essa postura, por se furtar à cumplicidade com outras menos abertas, pode convidar à falsidade alheia. Trocando por miúdos: a maior parte das pessoas percebe muito cedo que não me vai conseguir comer se houver outra que não possa saber da minha existência. Nem sequer se só houver dúvidas.
Ontem falei com uma pessoa com quem me envolvi há uns anos e a quem pareceu que a melhor altura para me dizer que tinha namorada seria precisamente meia hora depois me ter comido. Neste caso, teria a fraca desculpa de dizer que eu é que o comi, me abalancei sobre ele, sem lhe dar muito tempo para abrir a boca. Mas antes disso, horas de conversa sobre poliamor já lhe tinham dado essa oportunidade várias vezes.
A conversa de ontem era sobre uma experiência que tinham tido com outro casal. Encurtando o relato: eram grandes amigos e deixaram de o ser. O ciúme atacou forte e feio. Sério?? E isso era portanto uma surpresa para ele.
Se há coisa que aprendi logo nos primeiros namoros de adolescência é que não se mudam as pessoas. Ou se ama alguém por quem a pessoa é, ou mais vale procurar directamente o que nos faz mais felizes. A namorada deste rapaz é claramente monogâmica e até eu, que nunca tive a oportunidade de a conhecer, já o tinha percebido. O que não percebo é esta compulsão de enganar tudo e todos e persistir num auto-engano, insistindo em que se faz as coisas desta maneira por não haver outras opções.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

ele não era um homem infiel

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adoro os anúncios pessoais publicados pela revista maria e outras do tipo.

folheando a dita desta semana, encontrei vários, deliciosos, em que bons rapazes procuram raparigas honestas e trabalhadoras para constituir lar feliz, ou viúvas que querem voltar a encontrar a felicidade e para tal precisam de encontrar um cavalheiro sério.

e viver feliz para sempre também...

mas, continuando revista fora, nas páginas perto do fim, encontrei uma entrevista a leonor xavier. na entrevista, a propósito dos 80 anos de raúl solnado e da enésima edição da biografia que ela escreveu sobre seu namorado, um bocadinho da entrevista despertou-me a atenção.

a dada passagem, xavier é questionada sobre o tipo de relação que mantinha com solnado.

"não era um homem infiel!"... interessante, pensei.

"então como define a relação?", continua a entrevista. leonor xavier começa por dizer que o tinha conhecido em 1987, por ser vizinha da mãe de um dos filhos de solnado e que mal imaginava a ligação tão íntima e forte que viria a ter com ele.

pergunta seguinte: "mas ele era um conquistador?", ao que responde que ele era muito sedutor e que tinha namorado muito na vida... que tinha tido várias paixões, mulheres e aventuras.

prossegue a entrevista, questionando o efeito na sua vida amorosa. "a minha relação com ele nunca foi afectada por isso, porque não era um homem infiel. havia um acordo tácito e implícito entre nós", remata xavier.

ela conclui dizendo que tem muita saudade das conversas que mantinha com o seu companheiro, da sua espontaneidade e capacidade de improvisar.

eu fico contente pela capacidade de amar que estas duas pessoas conseguiram durante vinte anos.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Aulas de Poliamor

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N. dá aulas de Formação Pessoal e Social numa Escola de Educação. Conheceu o conceito de poliamor há pouco tempo mas achou-o logo suficientemente interessante para disso falar nas aulas.

As reacções foram extremas: passava-se rapidamente de um silêncio constrangedor para uma discussão violenta. «Isso é traição!» — reclamaram logo alguns. E N. fazia-lhes ver que não. Nas suas próprias palavras, «reparem que é um contrato, tal como o é o contrato que se faz no casamento». É certo que grande parte dos alunos, candidatos a educadores sociais, vomitava tentativas de argumentação muito básicas, do género das que alguns chegaram a usar quando N., noutra altura, lhes tinha falado de homossexualidade. «Eu não concordo com os homossexuais!». Reacção de N., que é de facto hábil na resposta pronta: «Eu não concordo com a trovoada.» (!)

Não é possível "não concordar" com o facto de que as pessoas têm frequentemente a capacidade de sentir atracção por mais do que uma outra em simultâneo, e de essa atracção poder ser física, emocional ou um misto. Pense-se parceiro + amante, namoro + amizade profunda, ou mesmo, em versão literatura light, "o tipo da redacção que ainda não reparou que eu gosto dele" + "o gajo do ginásio que anda mortinho para me comer mas isto não pode ser assim de repente apesar de ele ter um pacote que até dói só de olhar".

O poliamor é apenas uma das formas de lidar com este facto. É certo que cai como uma trovoada tropical na cabeça de muita gente que é confrontada com o conceito. Mas nunca senti indignação da parte de ninguém depois de eu explicar o que é. Porquê? Não sei. Se calhar, simplesmente porque não é na realidade nada de verdadeiramente revolucionário, se calhar porque se baseia num valor tão consensual como a honestidade.

A trovoada, de resto, é que não é de todo consensual, quanto mais não seja porque mata centenas de pessoas por ano. Eu, afinal, não concordo com a trovoada.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Index: coisas que me irrita ouvir a propósito de poly

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Uma lista de coisas que me irrita ouvir/ler a propósito de poliamor. Este artigo vai ser um WIP (work in progress). Infelizmente há mais, muito mais, simplesmente tenho de me ir lembrando. Ou os queridos leitores podem completar a lista via comentários.

Claro que são frases irritantes, não porque quem as diz tenha má intenção, mas porque reflectem desinformação ou tabula rasa pelo mainstream na nossa sociedade.

Todas as frases acompanhadas dos meus comentários desbragados e nem sempre pacientes. Dêem-me uma abébia com o tom chico-esperto deste post, mas nem sempre consigo fazer profissão de tolerância.

**** "os casais poli" ou os "casais que optam pela filosofia do poliamor" ***
(Antidote dixit: Começa bem, a confusão entre poly e casais. Parece que o único modelo poli possível e existente é o casalinho "normal", paradigmático, com uma relação aberta para dar umas quecas sem ninguém saber, nem sequer o padeiro... há vida inteligente para além do casal, sabiam?)...

**** "há muito mais polys no meio gay/LGBT" ***
(Antidote dixit: depende de que lado da barricada se está e quem se quer demonizar. Há LGBTs que acham o contrário)

**** "há muito mais polis no meio hetero" ***
(poooois... vede a frase acima, acerca do meio queer/LGBT.... e também há mais polis entre os americanos, os zulus, a terceira idade, a juventude, os pizzeiros, as tias de Cascais, os esquimós, os estudantes de filosofia, os arrumadores... principalmente se a gente viver com o nariz enfiado no próprio umbigo e não vir mesmo nada do que se passa nossa volta)

**** "o poliamor é fixe por causa de as pessoas poderem exprimir a sua sexualidade livremente" ***
(Antidote dixit: Claro, está-se mesmo a ver que a sexualidade define uma relação. Há sexo, pode haver relação. Não há sexo, é uma amizade-zinha-zeca... E porque é que se precisa de um enquadramento poli ou não para exprimir a sexualidade, essa chata que se recusa a deixar enquadrar??? Meus senhores, que atados sois!! A sexualidade vive-se e pronto, não é preciso exprimir, espremer, enquadrar, complicar!)

**** "eu acho que sou poli porque me consigo imaginar a ter relações com mais do que uma pessoa" ***
(Antidote dixit: pois, como quase toda a gente. E já agora, consegues imaginar as tuas relações a terem relações com outras pessoas debaixo do teu nariz??? E consegues viver com isso? A tua namorada aos pulos com outro e a gostar enquanto tu tens de te agarrar ao Benfica a levar uma abada duma equipa qualquer da terceira divisão porque não há mais nada na televisão? Vou ser crucificada por isto – venham, venham! - poli é para quem pode, não é para quem quer!)

domingo, 18 de outubro de 2009

Introdução ao Poliamor (II)

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«Isto é preciso, mesmo para quem não está a pensar ir para a universidade?»

Loving More é o nome de uma organização americana que promove conferências e várias actividades relacionadas com não-monogamia responsável. É uma das mais importantes fontes de apoio, informação e difusão do poliamor nos EUA (senão mesmo a nº 1, como afirmam). Os principais meios de divulgação da Loving More são uma revista com o mesmo nome e o site lovemore.com.

Já aqui publicámos uma tradução do início das FAQ de Franklin Veaux. Está na altura de fazer o mesmo com as FAQ do Loving More (saltando desta vez a primeira pergunta, «O que é o poliamor?»):

Qual é a ideia do poliamor? Sexo com uma data de gente?
Não exactamente. A ideia é haver amor, romance, intimidade e afecto com mais do que uma pessoa, abertamente e eticamente, com o acordo de todos os envolvidos. O poliamor tem a ver com sexo na mesma proporção em que uma relação amorosa qualquer tem a ver com sexo. Para alguns, o sexo é um ponto importante das relações. Para outros, o mais importante é uma ligação romântica e emocional ou espiritual. O termo «poliamoroso» quer dizer, de facto, que tudo gira em torno de relações amorosas.

Poliamor é uma palavra cara para traição?
Não. Traição implica deslealdade e violação de um acordo. O poliamor não se baseia no segredo mas sim na abertura, na comunicação, em agir com respeito e integridade, e na partilha do amor.
A maior parte das pessoas poly concorda em definir fronteiras com os seus parceiros — coisas que podem e não podem fazer — e em comunicar honestamente sobre aqueles e aquelas com quem estão envolvidas. Trata-se de honestidade, confiança e respeito.
Quando alguém trai um parceiro numa relação poliamorosa — o que às vezes acontece —, isso implica o mesmo tipo de violações de confiança e de contrato que podem surgir numa relação monogâmica, e as mesmas horríveis consequências.

Qual é a diferença entre poliamor e swinging?
O poliamor gira em torno de relações amorosas, com ênfase na ligação e na construção da relação. O swinging tem mais a ver com sexo como forma de diversão; envolve frequentemente um casal ir a um clube de swing ou a uma festa de swing com o objectivo de se envolverem com terceiros especificamente para relações sexuais.
Alguns swingers, no entanto, acabam por formar relações duradouras com outro casal com quem «swingam», da mesma forma que algumas pessoas poliamorosas gostam de ter sexo ocasional em festas de swing. As culturas poly e swing tendem a ser muito diferentes (e cada uma delas tem os seus próprios estereótipos em relação à outra) mas de facto há uma continuidade no espectro entre uma e outra, e muita gente situa-se alegremente algures pelo meio.

sábado, 17 de outubro de 2009

Procura-se bloggers para relações sérias

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O DILEMA DO BLOGGER
Postar ou não postar, eis a questão.


Tenho menos de quatro meses, sou um blog descontraído e open minded, gosto de me divertir mas também de conversas sérias e estou aberto a novas experiências. Tenho muito para dar mas também quero receber.


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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Poly-simplex

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Eu ouço muitas vezes as pessoas a queixarem-se de uma coisa: da complicação. Ao que parece, é tudo complicado. A vida é complicada, o amor é complicado, o trabalho é complicado. As pessoas também.

Quando falo em poliamor, dizem-me "ai não, isso seria demasiado complicado para mim". E eu até entendo o que é que me querem dizer. Mas, ao mesmo tempo que entendo o que me querem dizer, também acho que é tudo uma questão de perspectiva.

Para mim, também me parece muito complicado o sistema de regras que penetram o mais possível a privacidade, pessoalidade e psique dos indivíduos e que, convenhamos, domina o funcionamento de muita pessoa ciumenta. Para mim, complicado é o conjunto de caixas, caixinhas e caixotes que arranjamos para encaixar (encaixotar) as pessoas num sistema de classificação, como se fôssemos todos adeptos e especialistas da taxonomia.


"Mas porque é que é complicado, para ti, uma classificaçãozinha toda bonita?" - podem perguntar. E eu respondo, calma... Então, é assim: sentimentos, paixões, desejos, seja o que for, operam sob contínuos (muitas vezes, sob vários contínuos ao mesmo tempo). E quando tentamos forçar algo contínuo a encaixar-se em espaços separados deparamo-nos com uma coisa: fendas. Vazios entre essas divisórias, que forçam as linhas contínuas a quebras. A complicações, portanto, especialmente sobre o que fazer com os bocados de linhas que ficam, ali, de fora.

Querem saber o que eu acho simples? Acho simples poder estar com outra(s) pessoa(s) e abraçá-la(s). Beijá-la(s). Fazer amor com ela(s), sem estar preocupado se é um amor-paixão, um amor-amizade, um amor-desejo ou outra coisa qualquer. Ou então simplesmente fazer sexo, porque não?! Acho simples ter a liberdade de navegar pelos meus sentimentos e sentir a paz de comungar com outras pessoas. De ser sincero, honesto, frontal. De deixar tudo em pratos limpos e ser o mais claro possível quanto às minhas certezas e incertezas, ao invés de tentar ler mentes e jogar subentendidos para o ar.

É tão singelo, tão simples, aquele momento em que se partilha o que se sente, sem exigências, sem contrapartidas e jogos de influências. Eu gosto dessa simplicidade, estou apaixonado por essa simplicidade há anos.

Portanto, se desesperam por simplicidade, tenham esperança! Ela não morreu! E cá eu, vou pelo poly-simplex...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Estava mesmo à espera!

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Sou fã desta senhora por várias razões. Cunning Minx tem um podcast semanal sobre poliamor, que mantém desde Abril de 2005, e só isso já é motivo de reverência. Como qualquer um dos colaboradores deste blog concordará, ter o que dizer sobre poliamor uma vez por semana nem sempre é fácil.
Há uns dias pus-me a vasculhar com mais pormenor no site Polyamory Weekly e fui parar ao Slideshare, onde Minx tem algumas das apresentações que faz em conferências e encontros poly.
A que mais me chamou a atenção e me deixou a pensar, foi uma com o título "How to Get Some". Basicamente, o que ali se explica é como uma pessoa se pode organizar para engatar numa dessas conferências. O que implica algum trabalho antes, durante e depois.
Alguém me dizia um dia que, por norma, as mulheres só se envolvem sexualmente com alguém por "descuido". Ou seja, que passam sempre a mensagem "Eu nem queria, mas estávamos bêbados e...". Mesmo quando não têm nenhum compromisso nem explicações a dar a ninguém, parece que as coisas acontecem sempre casualmente, que as apanham de surpresa, como no anúncio do Tide em que o actor lhes entra pela casa adentro e lhes sai aquele "Ah, não estava nada à espera!".
Infelizmente, esta atitude não é um exclusivo feminino. Há toda uma moral reinante de que é politicamente correcto não querer, não esperar, nem fazer nada para conseguir ter sexo com alguém. "As coisas simplesmente acontecem", foi o que nos ensinaram nos filmes e romances. E às vezes é verdade. Mas outras vezes não. Outras vezes a felicidade e uma vida recheada de amor e pessoas bonitas é o resultado de muita pesquisa, procura, disponibilidade e atenção.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

a inspiração segue dentro de momentos...

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estou com uma das minhas dores de cabeça hoje...

por agora fica aqui uma fotografia de que gostei e que me faz lembrar algumas coisas boas da vida...

sinto-me como a lara há umas semanas...

a inspiração segue dentro de momentos.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

«Je bande»

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Na comunidade poliamorosa e nas redes íntimas do poliamor, coabita, no que diz respeito ao sexo, toda uma enorme gama de pessoas e relações: desde a abstinência militante até à apologia da abundância sexual, há de tudo. O que importa não é de facto a quantidade de sexo que cada um tem, ou quer ter, mas sim a ausência de repressão. E um olhar sobre a expressão sexual como algo de fundamentalmente bom e saudável.

Com 50 anos, o grande cantautor Georges Brassens compunha a divertidíssima canção Fernande, que ainda hoje é proibida na rádio francesa. Proibida porquê? Porque o refrão insiste na expressão Je bande, que se poderia traduzir por «Fico com tusa» ou «Dá-me tusa». E porque é um hino à masturbação.

Fernande tem uma mensagem simples, que se resume nas duas últimas linhas do refrão:
La bandaison, papa | Ça n'se commande pas

A tusa, papá | Não se controla
A inteligentíssima Carla Bruni canta uma versão deliciosa desta Fernande, que deixo aqui:


Aqui vai o refrão completo:
Quand je pense à Fernande | Je bande, je bande | Quand j'pense à Félicie | Je bande aussi | Quand j'pense à Léonor | Mon dieu je bande encore | Mais quand j'pense à Lulu | Là je ne bande plus | La bandaison papa | Ça n'se commande pas.

Quando penso na Fernande | Dá-me tusa, dá-me tusa | Quando penso na Félicie | Também me dá tusa | Quando penso na Léonor | Meu Deus, dá-me tusa outra vez | Mas quando penso na Lulu | Aí já não me dá tusa | A tusa, papá | Não se controla.
E a minha pergunta é: mas então quando tanto a Fernande como a Félicie como a Léonor dão tusa, porque é que as pessoas acham que só com uma delas é que está «certo»? Bem, vou para a caminha a pensar na Carla com a Fernande, mais a Félicie e a Léonor. E, com sorte, pode ser que ainda sonhe comigo e com a Lulu. Sim, que os meus gostos são muito pouco mainstream e os mistérios da tusa são insondáveis.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O sexo também se trabalha (continua)

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Este post é um resumo amalgamado de dois textos, cada um deles demasiado longo para caber no polyportugal: Small talk, em que trabalhas, e a má relacao dos trabalhadores do sexo com a polícia


Neste texto, acerca dos trabalhadores do sexo, tal como nos meus textos “normais” sobre poly, vamos reencontrar os temas já velhinhos: liberdade, falsa moral, não conformidade e exercício rabugento de contestação das fronteiras que a sociedade nos impõe, às vezes mais por hábito do que por coerência moral. Espero não apanhar com um "poliamorosos, promíscuos, prostitutas vai tudo dar ao mesmo", mas tal ignorância só fica mal a quem a mostra.

De algum modo, ao escrever e viver poliamor, ganhei consciência de todas as merdas que nos condicionam, os tais regulamentos que a sociedade nos impõe, e que nós seguimos sem saber porquê. Porque é que há coisas que são erradas, porque é que há liberdades que são mais ok do que outras, liberdades que são mais teóricas ou mais concretas do que outras, e outras que são mais possíveis do que outras?

Descobri, dentro dessa categoria, a minha simpatia pelas pessoas so called "
trabalhadore/as na indústria do sexo". Isso, sem saber muito da coisa, sem haver um motivo pessoal, nada. Simplesmente achando que levam com uma reprovação em cima sem limites, e por haver sempre um exército de psicólogos, polícias, padres, agentes sociais diversos dispostos a explicar "como é que eles/elas são e porquê" sem nunca lhes atribuírem uma voz para repor a verdade ou simplesmente se defenderem, e por estarem sempre dispostos a tratá-los de acordo com essa descrição. Um pouco como "as pessoas poliamorosas são-no porque blá blá blá têm medo do compromisso blá blá ou promiscuas blá", ou "os portugueses são todos católicos logo de certeza que lá não há polys". Reconhecem categorização quando a vêem?

Na nossa sociedade é dado assumido uma má relação entre forças que exercem a moral (a polícia, a vizinha cusca do terceiro andar, a claque de futebol, ou simplesmente a nossa consciência porca) e os trabalhadores do sexo. Isto dá pano para as tais tendas multi-familiares, depois das mangas para um regimento de cossacos. Será que toda a sociedade (ou o mainstream dela) tem vontade de reprimir quem se movimenta nas margens, mas ainda legais, da moral aceite? Ou será que há apenas uma enorme vontade de bater em alguém, e simplesmente os trabalhadores do sexo pela sua situação de fragilidade estão ali mesmo a jeito?

Estive numa festa recentemente. A conversa era secante como em qualquer festa antes de haver o clique mágico que ninguém controla e que torna as conversas interessantes. Alguém perguntou por desfastio a alguém em que é que ela trabalhava. E ela respondeu, "sou domina", cheia de naturalidade e autoconfiança e não houve réplicas nem comentários nem tosses repentinas. Ofereci-lhe uma bebida e exprimi-lhe a minha admiração na primeira festa em que a voltei a ver.

Este post não é uma defesa ou um ataque da prostituição e de profissões ligadas ao sexo. É como sempre, a vossa dose de cócegas libertárias semanal.
Agradeço ao blog sexualidade feminina a inspiração para escrever este texto (letters from working girls).
A imagem é um delicioso
paddle da maravilhosa marca Coco de Mer.

domingo, 11 de outubro de 2009

Poliamor na Prova Oral

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Em Julho de 2007, a convite da Antena 3, Alex, Jorge e Lara participaram no programa Prova Oral, com Fernando Alvim e Marisa Jamaica.
Nesse dia, em directo para o país inteiro durante uma hora, o Poliamor teve talvez um dos momentos de maior projecção em Portugal.
No blog da Prova Oral o número de comentários cresceu rapidamente e meses depois ainda se recebiam contactos de pessoas que tinham ouvido o programa.
Aqui fica a gravação:

sábado, 10 de outubro de 2009

Amore interruptus

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Há pouco tempo, a minha vida levou uma sacudidela. Durante dois anos, tinha estado envolvida numa relação semi-poly — «semi» porque, se bem que o meu marido conhecesse e aprovasse a minha relação com o David, nenhum deles tinha qualquer outra relação além de mim. O David, divorciado há pouco tempo, falava muitas vezes comigo sobre o que poderia acontecer se ele conhecesse outra pessoa. Convenceu-me de que era mais naturalmente poly do que eu — mais capaz de amar várias pessoas em simultâneo — e que havíamos de encontrar uma forma de lidar com isso. E eu acreditei.

O David vivia do outro lado do mundo mas usávamos constantemente o Skype e o email, e eu tinha a sensação de que ele estava sempre comigo, mesmo que não estivesse fisicamente presente. Encontrámo-nos três ou quatro vezes por ano para fazer caminhadas na natureza ou passear por cidades europeias. Isto para mim era um equilíbrio feliz. Para ele nem tanto, porque havia grandes períodos de solidão pelo meio.

Era inevitável, assim, que ele encontrasse outra pessoa. Este Verão, durante uma caminhada na Noruega, cruzou-se com uma mulher, também divorciada. Em menos de um mês, arranjaram maneira de passar uma semana juntos na Grécia. O David estava decidido a falar-lhe aí da nossa relação, na esperança de que ela concordasse em ser poly também. Estávamos ambos iludidos, é claro: as pessoas poly são ainda muito raras.

Foi no Facebook que descobri que ele tinha mudado o «estado civil». No dia seguinte, recebi um email a explicar-me que teve de escolher entre mim e ela — um amor ocasional, ou um amor com compromisso e vida em comum. Escolheu-a a ela, como seria de prever. Ela não gostou muito da ideia do poliamor e disse-lhe que eu e ele poderíamos ser amigos mas «sem amor, sem paixão».

Gostava de saber se há outros polys que tenham passado por uma situação semelhante: uma relação cujo equilíbrio tenha mudado do dia para a noite sem ser por escolha própria. Nada disto é surpreendente, evidentemente. Primeiro, eu não estava numa relação verdadeiramente poly, nem ele — não havia compromissos, nem regras específicas. Além disso, tentando ver do ponto de vista da nova companheira do David, qual é a mulher que embarca num casamento sabendo que há «outra»? O David e eu, de resto, nunca tínhamos feito promessas um ao outro. Ele nunca me pedia para eu passar mais tempo com ele, e eu nunca o convidei a vir a minha casa.

O que me deixou desfeita foi a parte do «sem amor, sem paixão». Quem é que tem o direito de dizer a alguém por quem pode ou não apaixonar-se, quem pode ou não amar, com quem pode ou não ter uma relação íntima? Renunciar a um parceiro sexual é uma coisa, mas ser impedido de amar alguém parece-me de uma proporção tal que nem eu nem o meu marido alguma vez pensaríamos impor a alguém, e muito menos aceitar.

O David teve de escolher e escolheu-a a ela, numa relação monogâmica, não-poly, comigo em fundo como grande amiga mas não mais do que isso.

Não tenho a certeza como vou aguentar esta passagem de amante poly para amiga. O David parece ter lidado bem com a situação. Com o tempo, talvez eu consiga também. E não tenho dúvidas de que quero conseguir.

Scarlet Choche

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Maria

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Inspirado pelo post de há uns tempos atrás, queria partilhar com vocês o excerto de uma análise que fiz, no que toca à cobertura noticiosa do poliamor em Portugal. Falo aqui sobre o artigo da Maria:

Mais pequeno que todos os outros, coloca-se numa secção chamada “Emoções”. O título “Já ouviu falar de poliamor?” apela aos conhecimentos da leitora, e os pequenos textos que o encabeçam demonstram aquilo que é, na verdade, uma grande capacidade de derrubar a barreira entre Eu e Outro, apelando directamente à pessoa que lê: “Leia este artigo e pense numa alternativa”, admitindo a priori e retoricamente que uma situação em que se gosta “de mais do que uma pessoa ao mesmo tempo” já terá sucedido.

Um excerto de uma legenda oferece algum conforto a quem já tiver estado nessa situação: “Não é a única!” O parágrafo de abertura faz um contraste marcado entre sonho e concretização, mas num estranho passe de lucidez face ao artigo anterior, coloca o sonho do lado do “grande amor” e a concretização do lado de quem o consegue com “mais do que um e ao mesmo tempo!”. Os títulos das secções e das caixas de texto vacilam entre o informativo e o invectivo: “Cartas em cima da mesa!”, “Confusa, mas confortável!”, bem como “Novos conceitos” e “Sexo não é a prioridade”. O uso de aspas no léxico da raiz de poliamor também é usado, duas vezes, mas isso não representa um uso sistemático.

O discurso especialista “dos sociólogos” nunca chega a ser pessoalizado em alguma voz concreta, e serve para a contextualização histórica e para a análise de algumas combinatórias possíveis. Embora em menor número, algumas das referências parecem ainda apontar para a existência de um “casal”, cujas relações se desmultiplicam eventualmente, mas que permanece como foco de base.

Ainda assim, uma das partes finais do artigo aponta para o elemento da reciprocidade (“seja possível aceitar que o outro conheça outras pessoas e tenha outras relações”) como fundamental.

Este é também o artigo onde é possível encontrar uma referência (a única, pelo que se observou) à homossexualidade masculina como estando dentro do campo de possibilidades – todos os outros artigos tinham referências exclusivas a relações que envolviam ou podiam envolver comportamentos sexuais entre mulheres, ou contactos puramente heterossexuais.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Outra vez, Maria Inês?

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Há uns dias voltei a ter uma longa conversa com aquele meu amarado espanhol, que serviu entre outras coisas para lhe pedir desculpa pelo meu estado rabugento dos últimos meses. Às vezes passamos muito tempo sem falar, de vez em quando por alguma rabugice de uma das partes, ou das duas, mas esta é uma daquelas pessoas que eu incluiria na resposta à pergunta “quantas relações tens”. Apesar de não nos vermos há não sei quanto tempo e não termos sexo há ainda mais.

Uma das coisas de que gosta é de se manter actualizado quanto à evolução do poliamor em Portugal, mas principalmente quanto à minha evolução pessoal dentro do poliamor. E quando lhe falo dos meus desaires amorosos (que já acompanhou alguns), acaba sempre por dizer aquela frase que me irrita ligeiramente: “Não é a primeira vez que te acontece e não será a última”. Prefiro interpretar isto como algo do género “Um nómada nunca tem um tecto sólido. O preço de andar a conhecer mundo é ser o primeiro a levar com a chuva na tola”. Mas angustia-me o imperceptível tom de “Outra vez o mesmo erro? Será que não aprendes?”.

Penso muito nisto, até porque ele não é o único a dizer-me coisas do género, de cada vez que ando mal de amores, ou aliás, mal com algum amor. Um dos meus “erros” recorrentes é envolver-me com grandes amigos, que passam a amarados. Infelizmente, o final de quase todas essas histórias é enjoativamente o mesmo.

Começa com “olha que linda amizade que ficou ainda melhor com sexo, amor, carinho e partilha”, passa inevitavelmente pelo momento “anda com quem quiseres e continua a contar-me, que gosto de saber”, e por fim embate de frente no obstáculo “tenho uma nova namorada que acha isto do poliamor uma coisa muito estranha e ainda está a pensar sobre isso”. E lá se vai a amizade para o galheiro, precisamente porque houve sexo e, em vez de ser uma boa amiga, já estou irremediavelmente no rol das “ex”.

Este é um dos meus medos de estimação, que também os tenho. Mas, como já aqui disse, continuo a levantar-me e a acreditar sempre que desta vez é que é, ou pelo menos a acreditar que a viagem vale pelo caminho e não pelo destino. Até porque outra das coisas que ouvi nessa conversa, em resposta às últimas novidades e planos próximos, foi: “É um risco, mas é algo que tens de fazer, para saber o que acontece”. O que no fundo é uma confirmação da teoria do nómada.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

o bitoque e a vagina

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há uma pastelaria em carcavelos que dá pelo nome de primavera. já lá está há muitos anos e por lá passaram gerações de pessoas de carcavelos. jovens, menos jovens, crianças e até os animais de estimação, que, embora agora fiquem à porta, pertencem ao grupo de frequentadores.

mas o que tem a primavera a ver com o poliamor? pouco ou nada, excepto...

que ao longo dos anos se foram juntando namorad@s (oficialmente hetero mas, aqui que ninguém nos ouve, eu sei que também houve namoros mais diversificados!) esses namoros, em muitos casos deram casamento... e filh@s... e sogr@s... e continuavam tod@s a frequentar a primavera...

mas, depois de algum tempo e fazendo jus às estatísticas, muit@s se divorciaram, e apesar de tudo não deixaram a primavera da mão... e mercê dessa continuidade, começou ali mesmo, sim, ali mesmo, uma nova ronda de namoros, tipo dança das cadeiras... novos casamentos, mais filh@s, e sogr@s, e sempre a frequentar a boa da primavera.

mas a primavera tem outra característica: pode-se comer aquilo que se quer e a qualquer hora. entre as 7 da manhã e as 10 da noite, come-se qualquer combinação, altera-se o que se quer e os empregados estão sempre bem dispostos e prontos a ajudar. se calhar é por isso que a primavera facilita esta maluqueira toda de namoros/casamentos/divórcios/casamentos/divórcios e filh@s de uns com filh@s de outros...

mas às 4 da tarde de domingo, entre dentadas do belo do bitoque e dois dedos de conversa com @s vári@s conhecid@s, penso cá para os meus botões como teriam sido estes últimos anos num ambiente poly... é que, em tantos dos casos, a amizade nunca deixou de existir!

ah! e a vagina, então...

na semana que passou li um artigo da eve ensler, sobrevivente de violação, autora dos monólogos da vagina e promotora do dia v, onde ela aborda a situação do realizador roman polanski... vou aqui deixar o link e recomendo a leitura deste texto sobre direitos humanos.

http://www.huffingtonpost.com/eve-ensler/does-the-brotherhood-of-f_b_305581.html

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Terceira pele

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Faz agora 20 anos, escrevi e publiquei, em conjunto com um colega e amigo, as ideias que tínhamos vindo a desenvolver em longas conversas sobre relações afectivas.
Pouco tempo antes, tinha surgido o conceito de «curtir»: estava mais próximo do que idealizávamos para uma relação mas ainda não era bem aquilo.
O pequeno ensaio-manifesto chamar-se-ia Amizade, enamoramento : A elaboração dos acasos e está agora online na íntegra.

A elaboração dos acasos
Uma das nossas referências mais importantes era o lindíssimo livro de Roland Barthes Fragmentos de um discurso amoroso, que tínhamos devorado com o prazer da descoberta de quem tem vinte e tal anos.

De entre as muitas frases memoráveis que poderia aqui citar, escolho uma em particular, pela sua relação irónica com o meu estado actual (de bolsos vazios e coração cheio):
Le cadeau est attouchement, sensualité: tu vas toucher ce que j'ai touché, une troisième peau nous unit. Je donne à X... un foulard et il le porte […]

A prenda é carícia, toque, sensualidade: vais tocar aquilo em que eu já toquei, ficamos unidos por uma terceira pele. Dou um lenço a X e ele usa-o […]
(Tradução minha)

Substitua-se agora «prenda» por «punalua» (pessoa amada da minha pessoa amada) e transforme-se assim o teu objecto amoroso numa terceira pele.

Enquanto escrevo isto, a minha terceira pele está no quarto ao lado, pele com pele com uma outra terceira pele. E eu sinto-me inequivocamente bem nesta minha nova pele.

African Elephant Skin

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Sete é uma multidão?

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(Agradeço à revista Krake a ideia )


Escultura de Louise Bourgeois: Seven in a Bed. Imagem sacada daqui: http://www.bbc.co.uk/radio3/nightwaves/pip/0c9yu


Aviso: não quero dizer com isto que eu acho que poly passe necessariamente pela ideia de cama, ou que os vários membros de uma constelação tenham necessariamente que ter o mesmo nível de intimidade uns com outros. Como com qualquer obra de arte, ficam imensas perguntas deixadas no ar e não respostas.

domingo, 4 de outubro de 2009

«Ame-o e deixe-o livre para amar»

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Há 23 anos, a Maria Bethânia teve uma ideia muito hippie: comemorar em conjunto os dez anos de carreira de quatro grandes nomes da música brasileira (Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e ela própria). O álbum que daí resultaria é uma obra-prima chamada Doces Bárbaros, nome dado também ao grupo.

Aqui fica a versão ao vivo da faixa O seu amor, com uma das letras mais poliamorosas e românticas de todos os tempos:



O seu amor
Gilberto Gil

O seu amor | Ame-o e deixe-o
| Livre para amar | Livre para amar | Livre para amar.
O seu amor | Ame-o e deixe-o | Ir aonde quiser | Ir aonde quiser | Ir aonde quiser.
O seu amor | Ame-o e deixe-o brincar | Ame-o e deixe-o correr | Ame-o e deixe-o cansar | Ame-o e deixe-o dormir em paz.
O seu amor | Ame-o e deixe-o | Ser o que ele é | Ser o que ele é | Ser o que ele é.

sábado, 3 de outubro de 2009

Sobre a intimidade

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Cada qual terá a sua visão de poliamor e em última instância "poliamor" também significa livre e ilimitada diversidade de filosofias amorosas ou práticas amorosas, o que poderia (ironicamente) até incluir a tourada, já que quem a pratica jura a pés juntos que "ama" as criaturas aparentemente torturadas. Enfim, isto era só um aparte, que serve sobretudo para mostrar a potencial ambiguidade da coisa.
Para tentar contrariar esta ambiguidade e "objectivizar" o mais possível a minha ideia pessoal, gostaria de (re)afirmar o que me parece essencial: a intimidade. A intimidade deriva certamente da confiança, que está directamente ligada à honestidade ou transparência. No entanto, gostaria de lembrar que podemos facilmente passar a vida a magoar os outros com a nossa honestidade, o que à partida não garante nada.
Para mim é como se houvesse duas tendências primordiais e ao mesmo tempo contraditórias:
1) a conservadora: quando conquistamos a confiança de alguém (em termos amorosos, com tudo o que isso pode incluir) convém sermos capazes de a manter.
2) a expansiva: quando temos zero ou mais parceiros, convém não descansarmos eternamente à sombra da bananeira e tentar a "conquista" de outros.
Tenho a muito forte sensação de que quanto melhor formos capazes de eficácia integrada nestas duas tendências, (que como já disse são de certa forma contraditórias, o que não significa inconciliáveis - tratam-se apenas dos termos opostos de um processo dialéctico) mais nos tornamos atractivos (a Caren gosta da expressão "capazes de criar entusiasmo") para os nossos parceiros efectivos e potenciais.
Também considero que direccionar este processo integrado de forma a progressivamente diluir o dogmatismo, a hierarquia e a propriedade privada é condição necessária à edificação da intimidade; por outras palavras, diria que a intimidade é (também) a construção e o desenvolvimento progressivos duma comunidade tendo à vista um horizonte desprovido de dogmas oficiais, hierarquias institucionais e propriedade privada (o que não significa ausência de privacidade - bem pelo contrário).
Haveria muito mais para dizer, mas fico-me por aqui...
Álvaro Maia

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Saltitando entre o sexo e o amor

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Mostraram-me, há uns dias, um texto que queria partilhar convosco, uma pequena coluna de opinião no i, de Francesco Alberoni.

Nomeadamente, as várias e até perigosas ideias que lá se encontram, de forma mais ou menos disfarçada, e que correspondem a um ideal relacional e a uma lógica que se pode considerar, em última instância, sex-negative, hetero-centrista e até discriminatória.

Entre retoques editoriais e a opinião em si, o título começa por ser, por si mesmo, perigoso: “O amor é um risco, o sexo não”. É claro que, mais tarde, percebemos que isto se pretende referir ao aspecto psico-social da questão. Mas, hoje em dia, será que queremos dizer realmente que o sexo não é um risco? Será que podemos generalizar assim tanto?

Alberoni segue dizendo que, no século XIX, se escondia e proibia o sexo, mas se falava e escrevia sobre amor sem quaisquer limites. Corrijam-me se estou errado, mas este livro, ex libris de toda uma corrente literária, parece negar essa ideia. Ou então as contradições presentes durante a era Vitoriana, se preferirem. Ou até mesmo a extensa análise que Foucault faz da questão.

Mas passemos adiante. O adiante são umas linhas abaixo – os jovens “que aos trinta anos” “não encontraram a pessoa certa”.

E o perigo da sexualidade vinha, segundo o autor, do “risco de uma maternidade indesejada”. O que, suponho eu, deixaria de lado a população que seja estritamente homossexual, no que toca a esta análise, fornecendo portanto para o autor um excelente contraponto. Mas ultrapassado esse risco, então... olha, agora já não há grande insegurança!

E, seguindo a lógica freudiana, tal como a histeria era a substituição do desejo sexual proibido, também agora as discotecas, “falta de regras das raves” e as drogas são o substituto do amor apaixonado reprimido. Ah, e não esquecer, “a anulação da pessoa nas festas e orgias”! Para contrariar esta anulação da pessoa, o texto incita-nos a tomar um risco: ironicamente, o risco de “abandonarmo-nos ao amor”. Parece que, afinal de contas, fazemos o mesmo por outros meios.

Por fim, o sexo que se torna fácil “depois de dissociado do amor” (alguém devia receitar isto, ao invés de Viagra!) constitui, com outras coisas – psicofármacos, neste caso – um empobrecimento da humanidade. Porque “o amor é um risco” – e aqui, fala-se explicitamente do amor apaixonado – mas quem não o corre não vive. Até porque se corre também o risco que desapareça o “amor exclusivo”!

O que dizer? A pessoa certa. A desumanização quando o sexo é tomado como um valor positivo em si mesmo. A fusão disso com o consumo de drogas e outros comportamentos. A ideia de que a pessoa, sozinha, é menos alguma coisa, que só vive quando ama romanticamente. E, para fechar, o temor pelo desaparecimento do “amor exclusivo”. Leia-se “do amor que exclui”. Que deixa de fora. Que afasta.

Porquê?

(Desde já, perdões pelo áudio manhoso. A letra da música.)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Ainda cabe mais um?

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Ontem dei por mim a tentar explicar a alguém que tinha acabado de conhecer algo que, por me ser tão visceral, me custa pôr em palavras. Porque é que me faz sentido que uma pessoa, que já tem uma casa e um namorado com quem vive, considere abdicar dessa privacidade para ir viver com mais pessoas. Todas elas com casa própria, coisas próprias, gostos e personalidades próprias. Suspeito que esta pergunta, como outras, surja regularmente. E suspeito que me vá engasgar mais vezes. Que as palavras que me saiam da boca me pareçam sempre insuficientes para descrever o que talvez tenha sido sempre o meu sonho de família e comunhão.

Hoje vi um programa da TV3 no qual entram duas pessoas que conheci de perto e mais duas que espero conhecer em breve. Formam uma família. Duas mães, um pai e uma bebé. Conhecendo alguns pormenores de como a relação evoluiu, primeiro a dois, depois a três e por fim a quatro (e acredito que não se fiquem por aqui), não posso deixar de me emocionar com a felicidade deles.

Acredito mesmo que há vida para além do modelo pai-mãe-filhos, ou casal, ou viver-sozinho, e que pode ser uma vida feliz. Acredito que o ser humano possui uma capacidade infinita de partilha e de aprendizagem com os outros. E que cada um de nós se pode tornar todos os dias melhor pessoa se rodeado de amor, apoio e estímulos variados.