domingo, 22 de abril de 2012

(miss)understandings

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Poliamor pode parecer à partida uma coisa individualista. O centrar na pessoa - e no que a pessoa deseja e quer para si - pode dar a impressão de que se trata de algo egoísta. Poderia ser. O que eu tenho vindo a aprender é que é mais sobre ter cuidado com os outros. Ter cuidado comigo, com os meus sentimentos sem nunca correr o risco de descurar os sentimentos das pessoas com quem estou... e das pessoas que estão com as pessoas com quem estou... e por aí adiante. Cuidar do outro. Não posso dizer que seja algo que aprendamos na socialização, realmente. Como mulher eu até devia saber o que é isso - a minha função tradicional devia ser cuidar da casa, cuidar do marido, cuidar dos filhos, cuidar dos mais velhos, doentes, acamados... só depois de mim. Mas o cuidar do poliamor - a sua ética de cuidado - tem pouco que ver com esta. Tem que ser um cuidar que parte de mim e do meu encontro comigo. Um cuidar que parte da compreensão dos meus sentimentos e de uma reflexão sobre as minhas acções. Um cuidar que não é subserviente, mas sim, responsável. Responsável por compreender que algo que não tem importância para mim pode ter importância para outro. Responsável por me recordar de que as outras pessoas não têm acesso à minha cabeça, nem aos meus raciocínios, nem ao que eu estou a sentir - e portanto sair da lógica da relação romântica idealizada em que o outro percebe sempre o meu íntimo e conhece todos os meus medos e portanto não necessidade de falar. Há absoluta necessidade de falar. E de saber como falar - com honestidade e sem recriminação. E perceber que mesmo falando e falando (e falando) isso não vai automaticamente resolver tudo. Compreender que há momentos melhores para falar que outros. E que cada um tem o seu tempo e a sua maneira de comunicar. Saber quando dizer: "não sei". Saber reconhecer isso como válido e perceber o que isso pode significar para quem ouve. Esta preocupação com uma honestidade comunicativa e uma ética de cuidar dos outros e das nossas relações não é exclusiva do poliamor, nem da não-monogamia. Só exige níveis distintos de complexidade, que têm mais que ver com as pessoas e não com as formas das relações.

Escrevo isto tão seriamente e logicamente, mas com o coração apertado. Foi mais um daqueles momentos em que não tenho a certeza de ter sabido o que sentia, de ter comunicado o que sentia ou não sentia atempadamente e com cuidado, de não ter cuidado de mim e de quem está comigo como queria. Gostaria que houvesse alguma forma melhor de reduzir a incompreensão - não no sentido de não ser compreensivo, mas no sentido dado muito melhor pela palavra inglesa missunderstanding. Estes missunderstandings podem sempre ser infinitos, como infinitas são as formas de cuidar que temos disponíveis. Neste momento eu gostava de não ter de usar mais palavras e de poder abraçar esse um meu amor. E talvez depois fosse possível continuarmos a cuidar de nós.

Inês

sábado, 21 de abril de 2012

Carta Aberta a Quintino Aires

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Caro Dr. Quintino Aires

Queria agradecer-lhe pelo muito que aprendi recentemente consigo no programa “A Hora do Sexo” da Antena 3. As suas palavras nos dias 7 e 30 de Março tiveram um efeito revelador sobre mim, que transformou radicalmente a minha visão do mundo e de mim mesma.

Finalmente, alguém capaz de me explicar preto-no-branco o que é o amor, e como se distingue de outras relações que não tem nada a ver, como o afecto entre pais e filhos, ou a amizade. Tanta poesia, tantos filmes, tantas canções, tanta gente a gastar dinheiro no psicólogo quando afinal é muito simples: basta verificar se há sexo oral. Afinal, uma mãe não faz sexo oral a um filho (e se faz, temos aqui uma situação crítica que inclusive é crime). Contra factos não há argumentos. Percebo agora a sua convicção de que não é possível amar mais do que uma pessoa ao mesmo tempo – realmente, é tecnicamente complicado fazer sexo oral a duas pessoas em simultâneo, e a três ou mais é talvez impossível. Vou tentar e depois logo lhe digo.

Mas, sabe (e tenho uma certa vergonha em admitir isto), eu continuo a achar que se calhar há outros aspectos do amor para além do sexo oral. Mas as suas palavras fizeram-me perceber que essa minha visão é simplesmente imatura, dado que ainda nao atingi o estado de desenvolvimento intelectual e emocional que me permite reconhecer o amor como uma relação que só pode acontecer entre duas pessoas. Percebi que o amor faz parte da inteligência, mas que com a inteligencia vem necessariamente a monogamia; logo alguém que ama uma pessoa é inteligente mas alguém que ama duas ou três tem o cérebro atrofiado. Da mesma forma que alguém um milhão de euros é rico, mas com dois ou três milhões é pobre.

Mas onde as suas palavras me tocaram realmente foi na forma como me permitiu perceber pela primeira vez a distinção entre a pessoa (o ser humano), e a espécie humana (Homo sapiens sapiens). As diferenças são claras e estão à vista de todos. O ser humano é monogâmico, a espécie é poligâmica. As pessoas fazem sexo, os indivíduos H. s. sapiens abordam-se uns aos outros. Consequentemente, o ser humano só pode ser compreendida recorrendo à Psicologia, enquanto a espécie humana é perfeitamente explicável pela Biologia. Nem queira saber a crise existencial que me causou saber que sou da espécie humana mas não um ser humano, uma pessoa. Mas explica muita coisa e fico-lhe eternamente grata.

Dr. Aires, esta sua visão é revolucionária, um salto quântico na nossa compreensão de nós mesmos. Está a desperdiçar o seu intelecto neste programeca de rádio quando o mundo inteiro precisa de saber estas coisas. Encorajo-o enfaticamente a escreva um artigo para a Nature, a fazer uma TED Talk sobre isto – o Dr. Aires é a nossa grande esperança para o próximo Prémio Nobel Português!

Um grande bem-haja

A.


PS: Transcrevo em baixo os extractos dos programas que mais me inspiraram, porque isto que diz é demasiado importante para não ser difundido.

A Hora do Sexo 07/03/2012

Raquel Bulha: “Vamos falar do poliamor. [...] Poli implica muita gente, gostar de muita gente, amar muita gente?”

Dr. Quintino Aires: “Não, não, não; gostar. Desejar, muita gente, no máximo; agora amar não. Amar é sempre uma relação só entre duas pessoas, dois adultos, o que implica também uma estruturação psicológica que uma criança ou um adolescente não pode, não consegue ainda.”

Raquel Bulha: “Sim, portanto há uma estruturação emocional amadurecida.”

Dr. Quintino Aires: “Exactamente. É só entre duas pessoas, não pode ser com muitas pessoas. Poliamor é uma expressão que dá jeito para quem não atingiu ainda esse estado de desenvolvimento.”

A Hora do Sexo 30/3/2012

Dr. Quintino Aires: “A espécie Homo sapiens sapiens não é monogâmica; a pessoa, o ser humano, é monogâmico. O que é que isto quer dizer: quando nós nascemos com informação genética tal como há 400 mil anos atrás, ou como quando há 100 mil anos antes da linguagem, antes da fala, funcionávamos na selva, na verdade não éramos monogâmicos, e portanto abordávamos-mos uns aos outros, mas também não fazíamos sexo. Quando nós evoluímos e o cérebro humano pode começar a transformar-se, aumentar em 50% pela relação que estabelece com as outras pessoas e pelo uso da linguagem, aumentar em 50% o tecido cerebral que o suporta e que lhe permite responder e tornar-se inteligente, quando se tornou inteligente, [...] aí já é monogâmico.”

[...]

Dr. Quintino Aires: “O amor é uma característica, é uma categoria psicológica, o amor faz parte da inteligência. E portanto [...] sendo uma característica psicológica [...] que portanto tem a ver com a inteligência, não é explicável pela biologia, apenas é explicável pela psicologia. Qual é o erro técnico científico grave que existe neste email, e que se repete muito, pelo menos em Portugal repete-se muito. É dar uma explicação de um fenómeno psicológico com base em leis da biologia. Portanto, se nós olharmos para a espécie Homo sapiens sapiens com os olhos da biologia (uma ciência lindíssima, importantíssima para entendermos a vida) então é verdade que [...] é poligâmico. Agora se olharmos com os olhos da psicologia e se quisermos falar de amor, então só podemos falar de amor ou de sexo dentro da psicologia, aí temos que reconhecer que é monogâmico.

[...]

Carta do ouvinte: “[...] o amor que se tem para dar (ou não), depende de cada individuo, e discordo que uma pessoa não seja capaz de amar 2 ou 3 outras pessoas.”

Dr. Quintino Aires: “Não, amar não. Diga desejar, ter vontade de fazer sexo, isso é outra coisa.”

Carta do ouvinte: “De facto, existem vários tipos de amor, e por certo ninguém vai considerar que uma mãe só consegue amar um filho, certo?”

Dr. Quintino Aires: “Não tem nada a ver, estás a ver o que eu tava-te a dizer Raquel?”

Raquel Bulha: “O amor não é entre mãe e filho.”

Dr. Quintino Aires: “Claro, a mãe não faz sexo oral ao filho.”

Raquel Bulha: “Ó pá, por favor Quintino!”

Dr. Quintino Aires: “Ó Raquel, temos que falar as coisas se não as pessoas não pensam.”

Raquel Bulha: “Sim, claro...”

Dr. Quintino Aires: “Uma mãe faz sexo oral ao filho?”

Raquel Bulha: “Não.”

Dr. Quintino Aires: “E se faz, temos aqui uma situação crítica que inclusive é crime. [...] Temos que ter cuidado com as palavras. A mãe sente afecto pelo filho, dois amigos sentem amizade, duas pessoas que estão apaixonadas e se amam sentem amor, mas então é outra categoria.”

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Beijo

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Hoje, ao que parece, é o dia do beijo.

O beijo é uma das coisas que mais me fascina. Não só porque adoro a actividade em si, mas também porque o beijo é uma das actividades mais ciosamente vigiadas (pelo menos por entre as publicamente aceites) que existe.
De tal ordem que, por muito que gostemos de um/x amigx, não podemos beijá-lx na boca, sob risco de estarmos a "confundir as coisas". Ou por mais que essa pessoa seja das pessoas em que mais confiamos, e com quem mais temos intimidade, o beijo transporta consigo (a leitura de) uma necessária sexualização das relações que é, por sua vez, visto como uma ameaça à integridade e estrutura das mesmas. (Sim, porque toda a gente sabe que o sexo estraga tudo, não é?). Se for entre pessoas do mesmo sexo, então, a homofobia ataca automaticamente.

Ora, isto é algo que me ultrapassa. Felizmente conheço mais do que uma pessoa que se sente também ultrapassada por estas lógicas de vigilância corporal - pessoas que beijo na boca como forma de cumprimento, sem que com isso esteja a sinalizar qualquer intenção sexual. Noutros casos, a vontade que tenho ou tive de beijar, ao de leve (!), alguém na boca como demonstração de cumplicidade, carinho, amizade, intimidade, não é bem recebida, compreendida ou, (no melhor dos casos) não é igualmente reciprocada.

Penso que isto tem que ver com uma (con-)fusão entre sexualização e intimidade. Porque é que os actos íntimos têm que ser lidos sexualmente? E porque é que os actos sexuais têm que ser lidos enquanto actos de intimidade? Ao separar (e recombinar quando desejável) cada um destes elementos, talvez possamos partir para um menor policiamento dos corpos, para uma menor secagem dos afectos e dos sentimentos, e para um aumentar da paleta emocional disponível.

domingo, 8 de abril de 2012

Poliamor nos media - entre Portugal e Brasil

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Os últimos tempos têm sido muito poly-carregados nos meios de comunicação...

Já aqui se falou das intervenções (duas!) do Quintino Aires na Antena 3 aqui e aqui. Essas foram, se calhar, para esquecer.

Mas no fim do mês passado saiu um artigo no jornal brasileiro O Tempo, que falava de poliamor, e onde até o Daniel Cardoso foi entrevistado.

Por terras portuguesas, desta vez foi a Revista Domingo, suplemento do Correio da Manhã, a falar de Poliamor. Podem ler o artigo aqui em baixo, comentar, partilhar...

Actualização: Está agora também disponível uma versão online do artigo, aqui.


sábado, 7 de abril de 2012

Os perigosos peritos

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Pois é Joaquim… seria descabido tratarmo-nos com cerimónias, chamá-lo Dr. Quintino Aires não valorizaria o conhecimento profundo que tem sobre mim e os meus sentimentos. Assim prefiro trata-lo pelo seu nome, quero sentir-me tão próxima de si como se sente de mim…

Quando ouvi os seus comentários sobre poliamor na Hora do Sexo, a minha reacção instintiva foi procurar o seu carro e furar-lhe os quatro pneus….mas como sou civilizada pensei: “Mas o Quim é só humano, não fez por mal. Infelizmente, acredita mesmo que sabe do que está a falar.” E pronto, o meu coração amoleceu, e os seus pneus Joaquim ficaram em segurança.

Mas…. Porque a falta de consciência é perigosa, sinto-me obrigada a conversar consigo Joaquim, para o seu próprio bem, para o ajudar a pensar, tal como o próprio Joaquim diz "Temos que falar as coisas porque senão as pessoas não pensam", diria até mais, para o ajudar a sentir. Porque ao ouvi-lo falar senti coisas, senti-me por exemplo como aquelas crianças de quem os pais falam na sua presença como se não estivessem lá. Senti-me triste, zangada, desrespeitada nos meus sentimentos.

Se o seu programa não é um receituário de sexo, então qualquer coisa não funcionou desta vez, o Joaquim disse-nos com clareza o que podemos ou não sentir se quisermos fazer parte do clube privado que é a humanidade. E de facto Quim, às vezes um quadrado cabe dentro do círculo outras não, sabe porquê? Porque há círculos de todos os tamanhos e quadrados também. Erro técnico…

E se o Ser Humano é monogâmico, então muito me conta, nesse caso, todos os povos poligâmicos e poliândricos não são humanos…. Não aumentaram o cérebro como os outros. Erro técnico? Espero que sim, porque a outra alternativa é assustadora, sobretudo num especialista, num professor que forma as mentes dos jovens.

E porque é uma área que me apaixona, a ligação corpo-mente, espanta-me que alguém que dá aulas de Neuropsicologia, diga em público que a biologia não tem a ver com a psicologia… lá se iria por terra tanto bom estudo e investigação que mostram o contrário. Teriamos portanto biologia de um lado, e psicologia do outro, nada de misturas para não sujar a segunda com a primeira?

“Temos que reconhecer que o ser humano é monogâmico”. Pois, lamento mas não temos, eu não reconheço, nem eu nem muitas outras pessoas que como eu. Parece-me que o senhor acha que o que distingue os afectos é a presença ou ausência de sexo oral. Embora considere tecnicamente exigente fazer sexo oral a duas pessoas ao mesmo tempo, consigo com certeza amá-las ao mesmo tempo, o que me tornará aos seus olhos um caso óbvio de imaturidade cerebral e subdesenvolvimento emocional.

Mas sabe uma coisa Joaquim, eu não o autorizei a definir-me, nem a si nem a nenhum “especialista”. E até estou a tentar respeitar os seus sentimentos, embora não tenha respeitado os meus, porque está a chamar-me e a todas as pessoas que acreditam ou vivem em poliamor idiotas ou mentirosas. Parece-se muito como um daltónico a rir-se das pessoas que “acham que vêem outras cores”.

Os “especialistas” sempre foram bons a definir o que era normal e anormal e graças a eles que têm a certeza daquilo em que acreditam, houve boa gente que passou muito maus bocados, simplesmente por não fazerem parte da opinião dominante da altura … e se há uma coisa em que os “especialistas” são “especialistas” é em mudar de opinião… mas isso já não apaga o que está feito pois não? E também gostam muito é de dar opiniões acerca de coisas que não experimentaram. O Joaquim já esteve envolvido numa relação poliamorosa assumida? É amigo de alguma família poliamorosa? Conhece sequer alguém que o seja? O tudo o que diz é baseado em teorias?

É demasiado fácil escudar-se atrás de uma de muitas teorias científicas para “provar” que quem é diferente de si tem uma falha no desenvolvimento. Teorias são coisas engraçadas, servem geralmente para provar que aquilo que achamos certo é melhor do que o que o vizinho acha certo. E que há uma verdade única que deve servir para toda a gente. Para mim Joaquim, as verdades são como os remédios, o que funciona para um, pode matar o outro.

E só para não acabar sem corrigir alguns erros técnico, numa relação poliamorosa ninguém está sempre nada, excepto vivo. “No poliamor cada um dos envolvidos está sempre envolvido com muitos outros….”, bem Joaquim só se for no seu caso. Isso implicaria uma de duas coisas: a obrigatoriedade de amar um número certo de pessoas, que é exactamente o contrário do poliamor, ou então a obrigatoriedade de se envolver com pessoas que não se ama para manter os números no sítio, o que é igualmente o contrário do poliamor. Pois, aqui o que conta não são os números nem as médias, ninguém está a tentar provar que é normal. O que importa são as pessoas.

E é verdade que há umas pessoas “patológicas”, porque não correspondem a norma e não têm ciúme, sentem até compersion (vá ao Google, Joaquim), mas eu preocupar-me-ia mais com aquelas pessoas que são ciúmentas e por isso são capazes de atrocidades para com as pessoas que “amam” do que comnosco que dê lá a volta que der não incomodamos ninguém (a não ser alguma mente puritana e um tudo nada retrógrada).

Portanto infelizmente acho que houve mais um pequeno erro técnico, esteve a falar de algo que com certeza não se chama poliamor, talvez Joaquimamor ou eventualmente algo que só existe na sua cabeça. O que existe na realidade são pessoas comuns que vão ao supermercado, cozinham , cuidam dos filhos, acordam rabujentas, passeiam na praia, lidam com os seus sentimentos tal como o Joaquim. Só diferem numa coisa, conseguem amar mais do que uma pessoa ao mesmo tempo. Já sei que não compreende, não faz mal Joaquim, não há problema, ninguém consegue compreender tudo, eu com certeza não o compreendo a si, é suficiente aceitar.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A (má) Hora do Sexo

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Já foi há uns dias valentes, mas reparei que o programa "A Hora do Sexo", da Antena 3, voltou a pegar no tema do poliamor (e digo "voltou", porque já lá tinham passado em 2009). E, como não há fome que não dê em fartura, foram logo duas vezes (a primeira aqui, e a segunda aqui). Se se sentirem tentadxs a ir ouvir os dois pequenos programas, de cinco minutos cada um, recomendo que tenham por perto uma bola anti-stress.

A versão resumida das divagações de Quintino Aires é a seguinte: o homo sapiens sapiens é por natureza genética não-monogâmico, mas o ser humano é, por desenvolvimento cerebral, acesso à linguagem e superior inteligência, monogâmico. O "poliamor", por conseguinte, é: a) impossível, porque não podemos amar mais do que uma pessoa ao mesmo tempo, apenas desejar ou 'gostar'; b) uma desculpa para pessoas que desejam entrar em comportamentos promíscuos e usam os sentimentos para produzir um discurso politicamente correcto.

Quintino Aires comete tantos atropelos científicos em dez minutos que até faz doer.

Primeiro, ele pretende separar biologia de psicologia (mas é professor de neuropsicologia), de uma forma que faria o António Damásio ter um esgar de dor. Para Quintino, a psicologia de um indivíduo não é mais do que a acção do social sobre o dito indivíduo, uma espécie de transposição de um conteúdo para outro meio. Assim sendo, tecer considerações sobre a natureza genética ou biológica dos indivíduos é inútil, para ele. Ora, com algumas reticências, até aí eu concordo. Mas o passo seguinte é que me fascina. Porque se o nosso funcionamento psicológico é socialmente determinado, isso quer dizer que os nosso sentimentos, conceitos, etc (entre os quais Quintino acertadamente inclui o amor) são socialmente relativos. Ou seja, não têm mais existência objectiva do que aquela que um determinado contexto social cria.
Assim sendo, como é possível sustentar uma definição única, e objectiva, de amor? Se o amor é algo criado psicologicamente, então as diferentes psicologias humanas irão criar diferentes amores, e diferentes formas de amor, necessariamente!

Em segundo lugar, faz equacionar inteligência (neurológica) a uma suposta evolução cultural unívoca e teleológica. Será que desconhece a vasta quantidade de sociedades não-monogâmicas (patriarcais e matriarcais) existentes desde o surgimento do homo sapiens sapiens?

Por último: esta ideia de que não é possível amar mais do que uma pessoa (e que se prende com o primeiro ponto). Como dizem os ingleses... "says who?". Que provas apresenta Quintino Aires para esta afirmação totalmente anti-científica? Pois... nenhumas. É um problema deste tipo de afirmações, feitas com o peso institucional, mas com total irresponsabilidade científica.

No fim de contas, o mais triste é ver supostos especialistas a deixarem os seus conhecimentos de lado, para manipularem a informação que possuem de forma a fazer passar determinadas crenças e ideologias como sendo científicas, verdadeiras, factos terminados. E é contra esta má ciência, e contra esta má divulgação científica - que é uma falha do serviço público que os media Estatais deveriam prestar - que precisamos de protestar, de lutar, e de chamar a atenção.

PS - Não, Quintino, não... Uma sociedade "poliândrica" é aquela onde uma pessoa tem vários parceiros masculinos! E sim, um quadrado cabe dentro de um círculo - a quadratura do círculo é outra coisa completamente diferente...