sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A pura relação e o poliamor - V

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Poder-se-ia pensar que eu me esqueci da pura relação, e do pobrezinho do Giddens. Mas não.

Da penúltima vez que o tema foi abordado, ficaram duas questões no ar. A mais importante delas: o que representa para o sujeito a pura relação?
Se vimos já que estamos perante a necessidade que o sujeito tem de se afirmar como independente, de se (re-)criar a si mesmo, então percebemos também que a relação codependente que fundamenta o romantismo clássico (oitocentista) funciona ao arrepio desta mesma dinâmica, ao negar o sujeito de um valor total. O sujeito não é completo enquanto não estiver acompanhado.

Pode argumentar-se que o humano é um ser eminentemente social, e que procurar ser-se humano sem se ser social é quimérico e, em última análise, impossível. Sim, é verdade. Mas a questão aqui não é posta em termos de uma solidão absoluta ou de uma presença constante. Já vimos que só nos podemos abrir aos outros se tivermos algo a abrir, se tivermos barreiras.

O problema aqui é o facto de apenas uma determinada e muito estrita forma de ligação inter-humana poder ser o caminho para esta totalidade. Apenas uma determinada e muito estrita forma de exprimir amor, com uma série de condições e de rituais associados, pode ser vista como conducente a esta completude.

Este determinismo normativo pode ser descrito da seguinte forma: necessitamos, todos nós, de uma forma específica de ligação a algo fora de nós mesmos para podermos ser entidades de pleno direito. Estranhamente, esta definição pode encaixar-se tão bem na ideia de que o amor romântico é indispensável, como na ideia de religião. Haverá por aqui uma religião da relação amorosa em vigor? Uma religião que ignore outras formas de estar?

A pura relação, por outro lado, apresenta-se como algo volátil. Instável. E é ambas estas coisas porque aquilo que sustenta a pura relação são os benefícios que cada pessoa envolvida pode daí retirar. Quem não se encontra satisfeito e não consegue sanar a questão termina o seu envolvimento. A presença de alguém não é nunca garantida, e a relação funciona para que cada sujeito possa, de certa forma, cuidar de si. Crescer, melhorar-se como elemento numa relação entre singulares e iguais, ao invés de numa amálgama indistinta de quase-seres.

Índice
A pura relação e o poliamor - I

A pura relação e o poliamor - I
I
A pura relação e o poliamor - III

A pura relação e o poliamor - IV

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