domingo, 17 de março de 2019

Comunidade poliamorosa: porquê pertencer?

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Ainda antes de me identificar como poliamorosa senti necessidade de aprender mais sobre não-monogamias, estratégias de comunicação aberta e formas de luta contra a opressão patriarcal e mononormatividade. Foi nesse momento que uma amiga me falou do grupo PolyPortugal, ao qual rapidamente me juntei, ansiosa por aprender com quem já tinha experiência e uma visão do amor tão diferente da dos meus amigos e pares. A realidade é que as ligações que criei ali foram muito mais fortes do que eu imaginei. As aprendizagens muito mais profundas. O sentimento de pertença muito maior do que noutras comunidades onde já estive. O tempo que dediquei, e dedico, muito superior ao esperado, mas também muito recompensador.

“Pode-se dizer que uma comunidade é um grupo de seres humanos que partilham elementos em comum, como o idioma, os costumes, a localização geográfica, a visão do mundo ou os valores, por exemplo. No seio de uma comunidade, é hábito criar-se uma identidade comum mediante a diferenciação de outro(a)s grupos ou comunidades.” - in https://conceito.de/comunidade

Foi isso que encontrei ali - um grupo de pessoas com os mesmas experiências que eu, com as mesmas dúvidas que eu, que partilha os meus valores e que vê o amor (romântico e não só) como eu. Um grupo que reconhece a Liberdade pessoal como direito de todes e como essencial à felicidade. Um grupo onde a amizade é tão valorizada como o amor romântico.

Porque é que aconselho as pessoas não-monogâmicas e poliamorosas a fazer parte de uma comunidade de pares?
  • Para conversar com pessoas com a mesma visão de amor e relacionamentos
  • Para conhecer novas pessoas e ouvir perspectivas diferentes
  • Para fazer amigues e criar laços fortes
  • Para conhecer potenciais partners que já conhecem as não-monogamias consensuais e éticas
  • Para poder fazer questões a quem passa pelos mesmos problemas/dilemas/dúvidas/felicidades do que nós
  • Para ter pessoas que lutam pelos mesmos direitos
  • Para ajudar pessoas que estejam com dúvidas ou a começar a assumir-se como poliamorosas
  • Para ter um sistema de apoio quando temos algum problema
  • Para desconstruir ideias mononormativas, amatonormativas, cis-cêntricas, polinormativas, etc
Não sou a única a sentir que uma Comunidade Poliamorosa é super importante. Recolhi alguns testemunhos que partilho aqui:

“Ajuda no sentido de poderes partilhar sem seres julgada e de darem a sua partilha sobre as suas vivências. Às vezes estás tão cega porque a sociedade e ensinou outra coisa... que não vês o óbvio.”

“(...)Agora os pros de fazer parte de uma comunidade poly (..)  podes expor os teus problemas ou então debater certos temas que a sociedade nunca te iria ajudar mas sim julgar te infelizmente....”

“Encontrar comunidades poly online foi o primeiro passo para a minha descoberta e aceitação. Estava na altura numa relação monogâmica e não conseguia fazer sentido da minha experiência e do que sentia a não ser pela conclusão de eu era uma pessoa terrível e incapaz de amar. Foi muito importante conseguir largar os pressupostos mono (e por consequência, hetero e cis) que tinha para me compreender melhor.”

“Para mim é muito importante até o mero facto de perceber que não se é uma "ave rara", que há muitas outras pessoas que perceberam que não são compatíveis com a monogamia e vivem felizes em contra-norma. Quando se é poly há relativamente pouco tempo e ainda não se fez um 'coming out' para a maior parte dos amigos, é confortante ter a noção de que existe esta "comunidade" disponível para ouvir, compreender, esclarecer e apoiar. (...) têm um papel muito importante (e que, a meu ver, devia ser MUITO mais explorado) na politização do tema e na luta contra múltiplos preconceitos.”

“Encontrar este grupo foi muito importante para a minha experiência, falar de poliamor com pessoas que não percebem a complexidade e ao mesmo tempo a simplicidade das coisas do dia a dia com vários parceiros é muitas vezes exaustivo e frustrante. Parece que as pessoas que não entendem esta maneira de pensar acabam por problematizar os aspetos errados das minhas vivências e chegar ao ponto da questão é muito mais complicado. É constante eu ter de explicar primeiro que Sim as pessoas sabem umas das outras e Sim elas não têm problemas com isso e Não os meus problemas não são consequência de eu ser Poly, e Não, não é promiscuidade, não seria necessariamente mais fácil se as minhas relações fossem mono.
A comunidade ajudou-me a deconstruir e a apagar mitos e comportamentos baseados na dimensão da conformidade socio-cultural, também me ajudou a encontrar a pluralidade e a ambiguidade da vida para além dos padrões normativos.
Acho que mesmo que um dia eu venha a ter outra vez relações monogâmicas elas vão ser muito diferentes, a questão da interseccionalidade acaba por mudar não só a nossa maneira de ver relacionamentos mas também todas as estruturas políticas e sociais que nos rodeiam e ao perceber que muitas regras sociais não fazem exatamente sentido é algo que carregamos a partir do momento em que nos apercebemos disso.
Acho que a nível de saúde, sendo esta física, emocional, e psicológica, a existência da comunidade é um grande apoio e um conforto para qualquer pessoa que se encontre perdida sem saber para onde se virar. Há mais acesso a recursos, conselhos, entre-ajuda.”

“(...)Portanto, neste contexto, estes grupos poliamorosos são como oásis de sanidade, em que finalmente não faz mal assumir o que sentimos, o que somos, dizer o que realmente pensamos, partilhar o modo como realmente vemos o mundo e assumirmo-nos a nós próprios integralmente.
Do meu ponto de vista estar com pessoas poliamorosas é como estar com pessoas veganas: é como vir respirar um pouco de ar fresco antes de voltar ao ar denso do manicómio do consumismo, nacionalismo, sexismo e todos os outros ismos que nos dão estrutura roubando-nos liberdade e sanidade.”

Nota da autora: Quando pensei em escrever este artigo tinha em mente fazer algo quase isento de emoção, mas a realidade é que não consigo. Ao escrever isto vieram-me à memória tantas lembranças, tantos abraços, tantos sorrisos, tanta amizade, curiosidade, aprendizagem… que foi difícil escrevê-lo sem soar emocional... E não há nada de errado nisso.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Poliamor 101: Desconstruindo mitos sobre as não-monogamia

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Cada vez vão-se tornando mais visíveis as várias formas de relacionamento possíveis – mas o que são ao certo as não-monogamias?

Um pouco por todos os média, vamos recebendo alguma representação que dá visibilidade a outras formas de viver relações. Desde artigos em plataformas como o Guardian ou o New York Post – a representação em séries televisivas como Sense8, Elite ou You Me Her (que em breve terá neste blog um post dedicado) – constrói-se a pouco e pouco o espaço social em que se reconhecem outras formas de nos relacionarmos do que a não-monogamia.

Como tantas outras formas de vivência radicais e subrepresentadas, a pouca visibilidade que ganhamos vem frequentemente a custo do reforço de mitos e preconceitos já bem enraizados na cultura. Como tal, apresentamos uma crítica aos principais mitos sobre as não monogamias, aproveitando para esclarecer a posição do PolyPortugal em relação ao que é (ou não) o poliamor; sobre os princípios que a orienta; os diferentes tipos de relações não-monogâmicas; e como podem saber mais sobre a comunidade poli.

Mito 1: “Poliamor? Queres dizer poligamia? Ou é uma relação aberta?”

Se até aqui nunca ouviram muito falar sobre outras formas de relacionamento além da monogamia, provavelmente quando ouvem “não-monogamia” lembram-se de poligamia ou de relações abertas. A verdade é que as NMC são um umbrella term para muitas formas muito variadas de ver e viver as relações, e mais à frente vou falar de algumas das mais comuns.

  • Poligamia refere-se ao casamento entre várias pessoas, geralmente referindo-se a práticas culturais específicas como as que conhecemos do médio-oriente, e não é representativo de todo do que nos referimos a NMC.
  • Relações abertas por outro lado já podem ser uma das configurações possíveis quando se pensa em NMC mas é um termo suficientemente lato e banal que acaba por vezes também por atirar ao lado em relação aquilo que são as NMC. Isto porque as relações abertas como representadas no mainstream provavelmente não fazem jus à parte “consensual” e “ética” do termo, que nos leva a um segundo mito.



Mito 2: “Poliamor é só uma desculpa para trair

E esse segundo mito é que a não-monogamia é traição ou desculpa para trair ou um termo pomposo para se referir às hookups ou às relações sexuais mais casuais. Não se trata de nenhuma dessas coisas, e é por isso que está lá o “CONSENSUAL”. Traição é quando existe uma quebra de confiança, uma quebra de acordos que se têm na relação com alguém.

Numa relação em que a exclusividade emocional e/ou sexual não faz parte do acordo da relação, não se pode falar em traição em relação a esse aspeto: mas existe na mesma uma base de confiança e acordos entre as pessoas que podem ser quebrados. Por outras palavras, também pode existir traição em NMC, mas NMC não é traição.

Quer isto dizer que coisas como ter “side chicks” ou “relações abertas em que só uma das pessoas é que sabe que é aberta” não fazem parte deste debate porque são práticas não consensuais e não-éticas.



Mito 3: “O poliamor é superior/mais evoluído do que a monogamia”

Uma terceira ideia que por vezes se ouve falar das NMC, por vezes até entre pessoas não-monogâmicas, é que a não-monogamia é “evolutivamente ou biologicamente superior ou mais evoluída”. O contrário também se ouve, pelo menos segundo juízos morais ou de qualidade de sentimentos, mas a nossa posição é todavia clara: não interessa rigorosamente para nada o que é mais ou menos evoluído.

Não é melhor nem pior ser mono ou não-mono, o que importa é que cada um faça o que é melhor para si e que o faça de forma ética, consensual e honesta. E mesmo que ouçam pessoas a dizer que uma coisa ou outra é mais evoluída, isso não é representativo da comunidade nem faz parte do que realmente importa quando se pensa nesta forma de ver as relações.



Mito 4: “A não-monogamia é uma idealização masculina e só reforça a subjugação feminina na sociedade”

Um último aspeto a desmistificar antes de falar mais especificamente sobre o que são afinal as NMC é que a não-monogamia é “anti-feminista”. É importante reforçar mais uma vez que estamos aqui a falar de NM CONSENSUAL, e não de práticas de desonestidade ou traição no seio de relações monogâmicas.

De um ponto de vista pessoal, uma das coisas que me fez clicar sobre as NMC quando primeiro as descobri e comecei a ler mais sobre o assunto, foi perceber o potencial que tem de resistência às estruturas normativas opressivas da sociedade, entre elas a versão tóxica da monogâmica que naturalmente afeta diferente pessoas que não são homens cis heterossexuais.

Posto isto, a comunidade não-mono está longe de ser um conjunto de pessoas iluminadas e super desconstruídas: há naturalmente muito privilégio, preconceito, e opressão nesta comunidade como em qualquer outra. O que eu quero dizer é que a não-monogamia não é per se opressiva e, pelo contrário, quando vivida de forma ética e consensual pode ser um auxílio ao empoderamento e à libertação de estruturas opressivas.


Por esta altura, poderão estar a começar a colocar então a seguinte questão: o que é, afinal, o poliamor? A resposta a essa pergunta merece um post próprio, em que teremos oportunidade de percorrer por alto a grande complexidade e variedade de formas de não-monogamia consensual. Para já, vale a pena ficar com a mensagem de que o espaço que aos poucos vamos ganhando na cultura atesta a evidência das infinitas possibilidades de nos relacionarmos (ética e consensualmente) com outras pessoas.


- Ruby

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Poliamor e Relações à distância

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O meu telemóvel é o meu mundo. É nele que estão os meus amigos, as coisas que quero ler, os vídeos que quero ver, e as pessoas com quem me relaciono a nível romântico e/ou sexual. Estão, também, pessoas que não moram em Portugal e com quem falo regularmente. Por vezes, a comunicação através de mensagens, de fotografias, de memes é suficiente para compensar a distância… e alguém que está a centenas ou milhares de quilómetros passa a fazer parte da minha rotina. Pode desenvolve-se uma relação à distância, com todos os ups and downs que daí vêm. O que é para mim uma relação à distância? Já vi esta questão ser muito debatida – é aquela que se tem com alguém que mora a 2 horas de distância? Que só podemos ver 1 vez por semana? Por mês? Eu gosto de pensar nas relações à distância como aquelas em que as pessoas não conseguem simplesmente decidir “vou ter contigo agora!” e verem-se no próprio dia, ou seja, as relações onde o toque presencial implica muito planeamento. Pessoalmente, sinto que o desafio de uma relação à distância beneficia de alguns conhecimentos e práticas que aprendi por conta do Poliamor, e é a partir da minha experiência (e da de pessoas que me são chegadas) que vos escrevo.

Algumas características do poliamor que trazem benefícios para relações à distância:
  • Comunicação - um dos princípios do poliamor é a comunicação aberta e honesta das expectativas, medos e necessidades em cada relação. Por exemplo, quando parceirx A se sente insegurx, comunica a parceirx B e, juntxs, conseguem chegar a uma solução para ajudar a ultrapassar essa insegurança.
  • Valorização do tempo pessoal – ao contrário do normalmente ditado pela sociedade, onde se espera que xs parceirxs estejam todo o tempo juntos, nas relações de pessoas poliamorosas há uma maior abertura a não estar constantemente com cada lover, o que facilita quando não se podem ver regularmente.
  • Possibilidade de estar com outras pessoas – um dos grandes problemas que se costuma apontar às relações à distância é a falta que faz o romance, carinho, toque e sexo. Para pessoas poliamorosas em relações abertas, é possível colmatar essas necessidades com outrxs sem magoar ninguém. Obviamente, há momentos em que nos apetece carinho da pessoa X, e esse não é possível substituir. No entanto, quando simplesmente estamos carentes de atenção (no geral), não dependemos de uma só pessoa para nos ajudar a sentir melhor.
  • Sair do paradigma das relações evolutivas – na sociedade, o objectivo final das relações é chegar a uma relação monogâmica (romântica e sexualmente) entre duas pessoas que se casam e coabitam. Um relacionamento poliamoroso não tem, necessariamente, este objectivo, pelo que é mais fácil assumir uma relação de não coabitação, como é a relação à distância.
  • Compersão – este é o sentimento de alegria ou de felicidade que uma pessoa poliamorosa sente ao ver x loved one feliz com outra pessoa. Como nota pessoal, posso dizer que uma das coisas que mais me preocupa é que a pessoa com quem me relaciono à distância se sinta triste, por isso, se vier outra pessoa que possa ajudar à sua felicidade, eu própria fico contente.

Não posso deixar de mencionar que há casos em que a relação à distância se torna mais complicada quando um (ou mais) dos elementos é poliamorosx, já que facilmente se pode sentir:
  • Falta da componente de toque na relação – para as pessoas cuja Love Language é o toque físico, estar longe dx parceirx torna-se muito complicado, o que pode dar azo a rupturas na relação.
  • Insegurança – a insegurança fica exacerbada quando x loved one está longe, já que é mais difícil ter um abraço/toque que assegure que tudo está bem. Também é mais fácil ter o pensamento “Elx vai-se apaixonar por outra pessoa e esquecer-se de mim”.
  • Sentimento de injustiça – A pessoa que mora mais longe pode-se ressentir, já que geralmente o tempo e atenção que x partner despende em si é inferior ao que despende com parceirxs locais. Isto pode originar uma necessidade de compensação extra por parte de quem tem amores locais e à distância – acabando por haver uma guerra de atenções e necessidades.
  • Dificuldades com a logística ou custos – pensando de forma mais racional, uma relação à distância implica muitas vezes custos em viagens, estadia em hotéis, dias de férias do trabalho e outras questões logísticas que dificultam a vida dos parceirxs, e mexem também com as finanças e agenda dxs parceirxs locais.


 Alguns conselhos para quem está a pensar entrar numa relação de longa distância (ou transitar de uma relação local para à distância):
  • Usem as novas tecnologias - Whatsapp, Facebook, Instagram, Skype, chamadas de vídeo ajudam a encurtar a distância e a manter a comunicação fluída
  • Desenvolvam rituais de casal – Mensagens de bom dia, fotografias dos vossos locais favoritos, chamadas de vídeo à quinta-feira à noite… pequenas coisas ajudam a lembrar que a relação ainda continua forte mesmo que não se possam ver cara-a-cara
  • Façam check-in periódico à relação – Elaborem uma lista de perguntas sobre a relação para discutir de X em X tempo. Exemplos de perguntas que podem ajudar: “O que posso fazer para te deixar mais segurx nesta relação?”, “O que fizemos esta semana que te fez feliz?”, “Quanto tempo por semana precisas para não te sentires negligenciadx?”, “Continuas confortável com a não monogamia? O que posso fazer para te deixar mais confortável?”
  • Façam check-ins convosco mesmxs – “estou feliz nesta relação?”, “sinto-me segurx de que elx tem interesse na relação? Se não, tenho que lhe dizer”, “os meus ciúmes são inseguranças pessoas?”, “será que consigo despender mais tempo da minha semana para comunicar com x parceirx?”
  • Conheçam xs metamores – Conhecerem xs outrxs parceirxs dx loved one ajuda a sentir menos insegurança e medo de “serem trocadxs”

A minha opinião pessoal (foco na palavra *pessoal*) é que uma relação à distância é mais simples se as pessoas forem poliamorosas, tiverem boa comunicação e discutirem expectativas regularmente. E, posto isto, vou-me agarrar ao telemóvel outra vez.



Mariana