sábado, 17 de outubro de 2015

Tertúlia "(re)pensar a sigla"

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A tertúlia "(re)pensar a sigla", organizada pelo grupo NOVA Equality, teve lugar a 16/10/2015. Inês Rôlo esteve em representação do PolyPortugal.

Podem ouvir a sua intervenção inicial aqui!


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Reportagem sobre Poliamor na Revista Tabu

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A peça "Nós temos 7 amores. História de uma família poliamorosa" saiu no dia 16/10/2015 na revista Tabu, que vem com o Semanário Sol. Leiam aqui em baixo e partilhem!

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Ser poly e marginal

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Imagina isto: estás a conversar. Uma conversa banal sobre uma coisa qualquer. Estás, sei lá, a falar sobre cinema, num café com malta que conheces mais ou menos e com quem até te dás bem, mas não são o teu círculo íntimo de pessoas. Conhecem-se há relativamente pouco tempo, ou até há algum mas nunca falaram realmente umxs sobre xs outrxs e conhecem-se superficialmente. Sabes que uma das raparigas do grupo tem um namorado, sabes que a outra é de não sei onde e que tem uma licenciatura em não sei o quê, e um dos rapazes joga futebol e gosta de sci-fi. Tens ali colegas, amigxs de amigxs que conheceste numa noite qualquer, foste ali tomar um café porque calhou. Ou então são colegas de faculdade, ou colegas de trabalho, algo assim.

Estão a falar sobre cinema. E tu viste o filme no outro dia com a tua namorada. E alguém diz “ah, tens namorada? Fixe.” e passam à frente, porque a malta até é evoluída, e continuam a conversar. Até estás com sorte, porque não fizeram comentários menos agradáveis que já ouviste antes. Decidiste arriscar falar um bocadinho de ti e correu bem.  Mas já estás a pensar estrategicamente, não sabes se é seguro falares muito mais de ti e estás, desde o início, a pensar se hás-de conversar à vontade ou não. Não que aches que as pessoas te vão atacar directamente, mas não sabes bem o que esperar.

Decides arriscar. Porque afinal estás ali com amigxs e faz sentido que fales de ti, certo? Gostas que partilhem coisas contigo e gostas de partilhar coisas sobre ti, porque é o que se faz quando se conhecem pessoas novas e estás a fazer amizades.

Então casualmente continuas a conversar, e contas que no outro dia foste ao cinema com a tua namorada e o namorado da tua namorada e mais algumas pessoas que fazem parte da tua vida e da tua família (que por acaso são companheiras do companheiro da tua companheira). Não te apetece propriamente dizer “fui ao cinema com amigxs”, porque isso não corresponde exactamente à verdade.

Isto tudo porque querias dizer que foste ao cinema, mas não querias estar a mentir ou ocultar coisas sobre ti e poder falar delas naturalmente. NATURALMENTE. Assim como a tua amiga entretanto disse que foi ao cinema com o namorado dela e a conversa passou à frente.

Mas, no teu caso, a conversa pára ali porque de repente as pessoas começam a perguntar-te coisas da tua vida privada, porque se esqueceram da conversa interessante que estavam a ter sobre cinema e a conversa passa a ser sobre ti. Aliás, não sobre ti: sobre a tua vida. A conversa na verdade gira à volta das pessoas que começam a fazer-te perguntas atrás de perguntas sobre a tua vida, não porque estejam interessadas nos teus sentimentos, mas porque querem satisfazer uma curiosidade mórbida qualquer que tenham sobre se lá em tua casa dorme toda a gente na mesma cama e se fazes orgias ao fim de semana. Não têm lá muita empatia. Começam a reduzir-te a ideias pré-concebidas e tu passas a ser vistx como um rótulo ambulante. Nada contra rótulos, atenção, mas tu sabes que és mais do que uma só coisa. Tens de fazer um esforço para descontruir na cabeça delas a imagem que criaram automaticamente de ti e que não tem nada a ver contigo só porque disseste uma coisa que, para ti, é simples de assimilar porque é a tua vida.

Não sabes exactamente o que fazer, porque a partir do momento em que falaste no assunto é como se tivesses uma espécie de dever de 1) provar que és uma pessoa decente APESAR DE TUDO; 2) responder a toda e qualquer pergunta que te façam sobre a tua forma “hippie” ou “hipster e contemporânea” (ou, pior, “promíscua e psicopata”) de viver.

E tu queres falar sobre isso. Queres, porque é a tua vida, e queres partilhá-la, e até te dá algum gozo falar de ti, falar de coisas não-normativas. É fixe dizeres que és diferente. Mas também não queres falar sobre isso. Porque te apercebes de que as perguntas que te fazem não são perguntas de pessoas que se preocupam com o teu bem estar, ou pessoas que gostam de ti pelo que és. Mas porque te transformas num objecto de estudo, de fetichização, de estranheza, de exotismo, o que for.

É giro. Até certo ponto. A partir de determinada altura, torna-se cansativo. Esgotante. Irritante… Ofensivo. Agressivo. Queres poder ter uma conversa sem teres de sair de um armário de todas as vezes. Sem teres de “admitir” alguma coisa. Sem haver uma pausa na conversa em que de repente tu dás uma aula sobre a tua forma de viver, de ser, de estar.

De todas as vezes, tens de fazer várias escolhas: 1) evitar assuntos sobre a tua vida ou 2) abordá-los, tendo a noção de que podes ter A) reacções activamente agressivas ou B) teres de explicar exaustivamente tudo o que se passa na tua vida e responder a perguntas que, por bem intencionadas que sejam, sejam invasivas e ofensivas. Ou C) não responder a absolutamente nada e passar à frente, e depois lidar com as reacções das pessoas que acham que lhes deves uma explicação.

Entretanto já nem te lembras do que estavam a falar. Ah, de cinema. Então tu foste ao cinema com a tua namorada, o namorado dela, as namoradas do namorado dela. A tua família. E falas do filme, mas parece que as pessoas nem te estão a ouvir porque, na cabeça delas, ainda estão a fazer uma série de perguntas.

Depois pensas que se calhar talvez não seja melhor mencionares outros aspectos menos normativos da tua vida, tipo questões de género, activismo, feminismo. Se calhar é melhor também não falares sobre coisas que tenham a ver com foder, porque provavelmente também vais ficar com o rótulo de galdéria (pelo qual tu até tens um certo carinho, mas é melhor não lhes responderes isso de qualquer das maneiras).

Tu só querias falar sobre a merda do filme.

Depois vais-te afastando lentamente das pessoas porque não encontras propriamente tema de conversa, uma vez que todos aqueles que são temas centrais da tua vida te passam pela cabeça e ficam presos no filtro de “é melhor não puxar este assunto”.

Voltas àquele círculo pequenino e bom e fofinho das pessoas que te são íntimas e são parecidas contigo e refilas com elas e queixas-te de que, pela quinquagésima vez, não te sentiste à vontade no café que tiveste. E elas abraçam-te e compreendem-te porque passaram exactamente pelo mesmo.

Isabel Martinez

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Quem define família?

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Durante o meu pequeno percurso poly existiram várias coisas que compreendi e muitas delas me magoaram. Para viver o amor sem mentir e esconder - vivo uma vida de amores a mentir e esconder. Esconder relações. Não estarmos - perante famílias ou em questões profissionais - todxs no mesmo patamar. Ter que optar pela verdade e as consequências implícitas; pela omissão de alguém e me apresentar como pessoa monogâmica - ou omitir todas as relações por me ser difícil decidir quem apresentar. Como apresentar. 

Em tom de piada é recorrente utilizarmos estas situações cá em casa como peripécias poly. Vamos rindo. Ignorando que escolhemos ser esta a nossa vida: um conjunto de peripécias que nos tornam invisíveis e nos magoam.   

Passei a tarde a procurar uma casa mas setenta por cento eram para famílias. Foda-se - quem define família? Esta é a minha família. A família que estou a construir a seu tempo. Que é muitas vezes desvalorizada. Invisível. Que tenho que omitir à minha outra família - a biológica. Que tenho que esconder se tiver medo na rua. Mas é a minha família. Quem define família por mim? Se amo estas pessoas. São um colo e um porto-de-abrigo. São a minha luta constante. Uma luta bonita. Uma casa para uma família é qualquer uma casa para nós. Pessoas que partilham o mesmo espaço. Que se amam. Que se respeitam. É esta a minha família - mas não podemos gritar. Ou podemos - posso. Sempre que posso, grito. Mas não posso gritar que quero uma casa para esta minha família. Vamos sendo magoados. Invisíveis. Somos uma piada - um conjunto de peripécias que escolhemos viver por escolhermos desconstruir o amor e esse é infinito, ainda que lamentavelmente ninguém o reconheça. O acolha. O respeite. No fim de contas esta é uma sociedade formatada, formatada para a falta de amor. Nos vamos sendo pessoas que se riem das peripécias. Que ultrapassam. Que se abraçam. Que vencem. Que são de certo uma família.  

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Amor num pedestal

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O nosso corpo veste o medo e de relação para relação somos pessoas mais distantes e ponderadas. As quedas influenciam a frieza. O afastamento. A forma como nos é dado o amor desde sempre torna o sentimento imaculado, frágil e delicado. Morrer por amor. Aceitar tudo por amor. Viver para amar. A forma como nos é colocada a possibilidade de amar, torna-nos também a nós imaculadxs, frágeis e delicadxs. Vivemos tão intensamente o que pensamos ser amor que nos esquecemos de equilibrar a beleza dos sentimentos com a possibilidade da razão. Depois dói. Parecem dores no peito. Parece o Mundo a acabar e o Universo a cuspir-nos para uma zona em que o ar é denso e os pulmões parecem de vidro. É o que vende: amar loucamente. E de forma igualmente louca - não sabemos amar. No fim de contas, parece uma constante destruição poética. 

Enquanto pessoa extremamente romântica, foi difícil para mim tornar algo tão abstrato como o amor, uma eterna conversa. Uma eterna adaptação. Foi difícil olhar para o amor e ver nele uma construção que não me servia. Um modelo aplicado a todxs. Uma formatação. É algo que ainda me persegue. De cada vez que tenho que trabalhar o meu amar, é um desafio. Fazer da matemática poesia e da prosa ciência. A verdade é que o resultado das coisas mais improváveis pode ser surpreendentemente bonito se nos for dada essa possibilidade. Se não vivêssemos de e para amar da forma formatada que vivemos, da forma que nos foi ensinadaconseguíamos explorar o todo dos sentimentos de forma livre e plena. É o sexo mais tabu que o amor? O pedestal em que colocamos o amor da nossa vida - é uma mentira que nos faz esquecer, muitas vezes, que somos Pessoas individuais. Mas ninguém fala disso. É destruir o sonho do Mundo pegar no amor e falar dele de forma diferente dos finais felizes. Mexer nele. No fundo o que sabemos é que é algo tão profundo que só pode ser vivido intensamente por duas pessoas - é algo que nem é possível descrever mas que pode ser explorado quando não segue o padrão. Os filmes, os anúncios, as músicas e o que nos rodeia. Um homem e uma mulher que claramente se amam. Uma sociedade esculpida delicadamente para parecer perfeita. Depois tropeçamos nos defeitos desse amar. Um amor que justifica violência. Que justifica a traição. A nossa maior qualidade - o nosso maior defeito. É nos dado assim, em tom de paradoxo. Nem sempre correspondemos ao que está exposto no pedestal. Nem sempre é este amor correspondido. Nem sempre é a dois. Nem sempre é.  

No fundo, se não amarmos, somos leituras solitárias e criticadas pela vida vazia que escolhemos para nós. Se amarmos mas fugirmos da heteronormativadade, enfrentamos dificuldades que podem muitas vezes ter consequências gravíssimas e um futuro anulado, em segredo e oprimido. Se amarmos muitxs, somos desenvergonhadas.  

O amor não está num pedestal. Pelo menos o meu amor não está num pedestal. Não é delicado. O amor não é o que abraça o mundo e nos faz ter força para viver. O amor é uma construção social. É de mau tom que se agarre no que de mais bonito temos e seja colocado em vitrine para venda. Uma janela com vista para o todo. A única janela. O único todo. Um Universo que nos cospe. O meu amor não está num pedestal. Não é delicado. Pode magoar e exigir coisas de mim que nem sabia existirem - mas é forte. Enorme. Tem diferentes formas. Renasce. Não é justificação para tudo. É privado e é público. É a sós e é a muitxs. É o que escolho ser e o que me deixa feliz. 

domingo, 2 de agosto de 2015

Da minha monogamia - ao meu poliamor

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Quando existe uma relação monogâmica e alguma das partes tem o poliamor em consideração, é necessário avaliar e ouvir ambas as pessoas. Nunca quis fazer da minha escrita um guia prático para o poliamor. Este deve ser vivido consoante as pessoas. Podem existir coisas comuns em todas as relações (poly ou mono) no entanto a experiência molda as pessoas e as circunstâncias. A forma como vivemos as nossas relações vai depender de nós enquanto Pessoa - da nossa bagagem. Vai depender das Pessoas com quem pretendemos ter uma relação - da vivência delas. O tudo de todos resultará no que pretendemos enquanto base e enquanto regras.  Em vez de abordar da monogamia ao poliamor, vou falar da minha monogamia ao meu poliamor 

Tinha uma relação monogâmica estável, bonita e com uma comunicação excelente. Acredito, no meu caso, que esta base tenha sido essencial para avançar. Quando por iniciativa minha partilhei a possibilidade de passar de uma relação mono a uma relação poly, só recebi lágrimas. É isto que nos é dado desde sempre: nós somos de uma pessoa; essa pessoa é nossa. A possibilidade da não-exclusividade vai afectar a ideia de posse. Esta posse foi algo que sempre me assustou em qualquer relação que tivesse. O choro que recebi foi um medo que me pareceu sempre legítimo. Não podemos simplesmente arrancar de alguém, algo que lhe foi imposto socialmente. Pode ser trabalhado - foi trabalhado, nunca arrancado.  

A negociação foi imprescindível. O que é ser poly? Onde é que isso nos pode afectar? Já não me amas? Amo, por isso é que quero ficar, só não quero viver o meu amor de forma exclusivaE amava - e amo. No entanto o meu amor não era exclusivo nem foi comprado ao peso. Não me foi atribuída uma quantidade ou medida quando nasci e tive que o aprender a partilhar de forma equilibrada. Não. É auto-suficiente; cresce. O meu amor existe em abundância. Não tem que nos afectar, temos é que conversar. Muito. Abracei o medo da Pessoa com quem estava e ela abraçou-me a mim juntamente com o medo dela. Não são só Primaveras de paixões; não somos só marés de amores loucos. Sofremos - é uma particularidade de se existir. Poliamor não é - nunca será impingir uma ideia de amar a alguém. Não é - nunca será obrigar alguém com quem temos uma relação monogâmica a viver uma relação poly se isso não lhe fizer qualquer sentido. Obviamente que se a monogamia não for para nós e alguém não quiser abdicar dela podemos optar por: ficar ou não ficar. Não podemos é optar pelo que vamos dar a viver a alguém se não trouxer felicidade.  

Parecia tudo pouco real até acontecer eu estar numa relação além da que já tinha. As dúvidas e os medos apareceram com mais força mas o que incrivelmente apareceu também, foi uma comunicação e uma sensação de aproximação incrível. Novamente teve que existir uma negociação, agora com a Pessoa que aparecia na minha vida. Embora esta relação não se mantenha por diversas questões que afectam relações sejam elas quais forem, que afectariam mesmo uma relação monogâmica, não deixou de me trazer várias ferramentas para viver o poliamor e para viver o amor - com ou sem poly. Somos aprendizagem constante. A Pessoa com quem iniciei uma relação monogâmica e com a qual avancei para uma relação de não exclusividade mantém-se na minha vida. A comunicação melhorou. O sentimento de posse afastou-se e deixou-nos viver a possibilidade de amar com novas perspectivasConnosco, mantém-se a certeza do respeito. Mais tarde, surge em mim um novo amor. Algo que vivo de uma forma maravilhosa actualmente, estes dois amores. Mais negociações. Mais medos. Mais regras. O resultado desta viagem da monogamia até aqui, é ver um sorriso em todas as partes envolvidas. É existirem planos e coisas pequeninas que me enchem o coração. Saber que estamos a trazer coisas novas para a vida uxs dxs outrxs. Este percurso resultou em partilhas enormes. Partilhas que me fazem ter a certeza de que o meu amor não só é infinito, como também o é o respeito das Pessoas com quem estou. 

Amar é sempre demasiado complexo. É o que nos motiva a escrever poemas; a viajar por um abraço. Chorar com a chuva; não dormir. Amar é uma entrega constante. É o que nos descreve enquanto Pessoas loucas. É o que pensamos ser sempre uma justificação. Um argumento. O que temos sempre medo de dizer é que é sim uma negociação. Existem regras. Quando se ama - quando o amor é reciproco, o que escolhemos fazer com ele é legítimo desde que todas as Pessoas envolvidas estejam confortáveis e de acordo. Se isso acontece, então temos a liberdade de transformar as nossas relações em poemas. Em viagens. Podemos chorar com a chuva e ficar acordadxs noites seguidas só para ouvirmos alguém ou algu(éns). Se o que acontece é um amor que respeita: então não existe nada que não o possa fazer crescer. De cada vez que afirmo o poliamor ser meu - afirmo que estou a aceitar, a viver, a respeitar e sobretudo a dar legitimidade aos meus sentimentos e aos sentimentos de qualquer Pessoa envolvida. De cada vez que afirmo o poliamor ser meu - afirmo estar consciente de que é uma decisão minha respeitar outras decisões que não são minhas mas que tenho o direito de manifestar o que isso me faz sentir. Este amor, este amor é meu. Não sou apenas eu que escrevo poemas e que faço viagens impensáveis. Mas dentro de mim, individualmente, sou eu que luto todos os dias para não fazer do amor uma justificação. Um argumento falhado. Um sentimento constante de posse. Nem sempre consigo - mas foi minha a decisão de trabalhar e negociar comigo mesma todas as formas possíveis para desaprender o que me foi ensinado e reaprender o respeito e a partilha. 

sexta-feira, 5 de junho de 2015

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Se és (hetero-)mono, tens coisas mais importantes com que te preocupar

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ou, De como as pessoas poliamorosas estão fartas de perspectivas pseudo-“críticas” do mono-mundo


Já chega. Estamos fartxs.

Sabem o que acontece cada vez que uma pessoa poliamorosa, com uma perspectiva queer-feminista, reflecte sobre a mono-normatividade? Pois é: há (quase) sempre alguém que surge, muito rapidamente [haverá plantão?; haverá vigília?], a fazer uma de duas coisas (ou, mais comum, ambas ao mesmo tempo):
  1. A defesa da legitimidade da monogamia;
  2. A crítica ao poliamor e a outras formas de não-monogamias consensuais.

Isto cansa, porra.

Senão vejamos.

«Deixem a monogamia em paz, que chatxs!»
Está uma pessoa muito entretida com os seus botões, a reflectir sobre um sistema multi-milenar de opressão sistemática de sexo/género e de reprodução de papéis de género binários e normativos, e assim que abre a boca para falar logo alguém (que é legível ou se apresenta mesmo como mono) tem que vir dizer qualquer coisa do estilo “Ai que me estão a oprimir!”.

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E a base desta brilhante argumentação é a de que todas as pessoas devem ser livres de escolher a estrutura relacional que mais se adapta ao seu projecto de vida e à forma como sentem e se sentem realizadas.
… Porque, como toda a gente sabe, “normatividade” quer dizer que todas as pessoas têm todas as escolhas possíveis colocadas à sua frente, sem constrangimentos legais, institucionais, sociais. Certo? … Certo? ... Ceeeeeertooooo?
E também quer dizer que lá no fundo, no fundo, todxs queremos ser felizes e basta escolhermos o que nos faz feliz e está tudo bem, não é? Porque a noção do que faz feliz e do que é a felicidade é perfeitamente pessoal e subjectiva e igual para todxs, certo?

Ou então não.

E vai daí, temos que perder novamente tempo - perder, porque este tipo de diálogos geralmente viram monólogos - a explicar, por exemplo, que a monogamia é menos uma “estrutura relacional” e mais um sistema político. Que a monogamia está associada ao surgimento, estabelecimento e fortalecimento do Estado-Nação capitalista. Que a hetero-monogamia se encaixa numa rede que pretende preventivamente erradicar a dissidência sexual lésbica. Que a monogamia colabora activamente para a manutenção do statu quo patriarcal.

E que não, não é simplesmente uma escolha subjectiva - «porque é assim que sou feliz e cada um tem direito a ser feliz como quer!» - ideia bonita mas que falha por não ter qualquer conexão com a realidade em que são socialmente vistos como felizes apenas os casais hetero, mono, casadxs ou juntos de forma semelhante, de classe média, brancxs, com casa, carro, 1,2 filhxs. E são miseravelmente infelizes ou falhadxs as pessoas sozinhas, as pessoas que não querem ter filhxs, as pessoas que têm sexo com toda a gente, as pessoas que não querem ter sexo com ninguém, as pessoas não-monogâmicas (tudo isto piora se forem mulheres e/ou minorias étnicas e sociais).
Que, como diz Brigitte Vasallo no primeiro link do anterior parágrafo, a postura “«cada um que faça o que quiser» é, na prática, «que cada um faça o que conseguir»”. E, numa sociedade hetero-mono-normativa, consegue-se realmente muito pouco e a muito custo.

Vêm geralmente depois os argumentos do excepcionalismo - “Mas eu sou diferente!”, que é como quem diz, «a minha monogamia não é igual à monogamia da vizinha».

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Nós sabemos, nós sabemos: não estais habituadxs a que falar da vossa monogamia cause desconforto. Azar. Notícia de Última Hora: nós estávamos a falar de mono-normatividade e, espanto dos espantos!, não estamos interessadxs em saber como a tua monogamia é extra-diferente, extra-especial, baixa em heteropatriarcado e rica em realização pessoal. Tens uma monogamia dessas? Eh pá, que fixe!... Para ti. We really don’t care. Até porque a realização pessoal que retiras dela não apaga a tua performance pública (política!) de monogamia, nem o efeito de reforço de privilégio que isso tem (e que escapa largamente ao teu controlo).

«Isso do poliamor também tem muitos problemas!»
Então há bocadinho a tua monogamia era versão Extra-XPTO-Plus-Gold-Limited-Edition. Mas agora “o poliamor” - Sagrada Cona das Generalizações Abusivas! - já tem muitos problemas. [Notem, por favor, que novamente a conversa foi desviada para longe de qualquer crítica possível à mono-normatividade.] Claro que a implicação, subentendida, é que o nosso poliamor tem problemas. Mas não a tua monogamia. Não, isso nunca, céus!...

E então, a partir deste momento, vem o desfiar do argumentário… Que “o poliamor” serve é para beneficiar homens cisgénero, que o “poliamor” é usado como forma de manter as mulheres submissas e validar a falta de compromisso de homens cisgénero, que “o poliamor” não implica qualquer discriminação, que “o poliamor” é tão passível de ser ‘escolhido’ como a monogamia, que “o poliamor” não tem nada a ver com feminismo, e por aí em diante… Já para não falar naquela tendência irritante até mais não de achar que “poliamor” é sinónimo de todas as formas de não-monogamia consensual, e portanto tratá-las todas como um conjunto amorfo de categorias intermutáveis.

No fundo, descobrimos assim, para nossa infinita surpresa, que não existe maior especialista em poliamor do que… pessoas monogâmicas (e, em menor grau, pessoas que, sendo não-monogâmicas, ainda assim não são poliamorosas).

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Vá, vamos ser honestxs: não, o poliamor não é uma espécie de paraíso perfeito de liberdade pura e absoluta onde todos os males da sociedade se evaporam em fumo e se atinge o nirvana.

Mas… calma, que isto pode ser chocante para algumas pessoas… o raio das generalizações abusivas com “boas intenções de Cavaleirxs Brancxs” acaba a ser mais tóxico que muitas das supostas coisas que tão magnanimamente querem evitar!

Porque, Notícia de Última Hora - parte 2: existem mais que dois géneros; existem relações poliamorosas só com mulheres, e só com homens, e com pessoas não-binárias, e com pessoas trans*... que não apreciam nada mais uma camada de apagamento feita, alegadamente, por uma preocupação com a igualdade de género! Infantilizar ou apagar mulheres, pessoas não-binárias e trans* através de críticas generalistas, abstractas e desinformadas à sua vida não é aceitável.

Aliás, não vos devia fazer um bocado de comichão o facto de que, recentemente - e de uma forma que talvez não tinham ainda imaginado! - quem mais se queixa do poliamor são os homens? Porque, lembremo-nos disso, aquilo que o poliamor procura fazer é precisamente retirar o privilégio que os bio-gajos têm de poder ter várias relações sem ter que responder por isso!

E não, não nos esquecemos de termos dito que o poliamor não é perfeito. Aliás, até há várias pessoas a fazer uma leitura crítica de vários elementos do poliamor, com base em considerações sobre feminismo, pós-colonialismo, classe, e por aí em diante… Sabem quem?

Uma pequena pista: não são vocês. Não. São, na sua maioria, pessoas que têm experiência e reflexão feitas sobre a questão, que não se encontram a falar a partir de uma posição de privilégio e que, em todos esses casos, não se limitam a fazer generalizações sobre “o poliamor”. Identificam problemas concretos com dinâmicas específicas, com balizas bem demarcadas.

Ou então, quando se trata de comentar a história do poliamor, não disparatar, confundindo “poliamor” com “relações abertas” ou com outras formas de não-monogamia consensual (sim, existem mais!, não, não são todas iguais!, sim, tens mesmo de te calar e ir ler se não sabes a diferença!), esquecendo que, sim, o poliamor tem um forte cunho feminista e de crítica à desigualdade de género na sua base [O que não quer dizer que uma pessoa, por chamar “poliamorosa” à sua relação, vá logo ser o paradigma da igualdade de género, né?; porque não há fiscais do uso do termo]...

E mesmo quem tem alguma experiência em relacionamentos não-monogâmicos em sentido lato (desde relações abertas a swing), ainda assim faria melhor, achamos, em ver que a sua experiência particular pode não ser - e geralmente não é - a melhor para comentar outro paradigma relacional diferente. Embora alguém nessa situação não esteja simplesmente a reproduzir o privilégio monogâmico, ainda assim e por uma questão de solidariedade, convém que possamos reconhecer a diversidade de posturas e também as limitações que vêm com estarmos num estilo relacional e não noutro.

Vá, para resumir: estamos fartxs do [atenção à palavra desconhecida] monosplaining. Que é como quem diz: estamos fartxs de ter pessoas monogâmicas a julgarem-se especialistas em poliamor e outras não-monogamias. Estamos fartxs de pessoas monogâmicas a quererem ‘expor’ publicamente os ‘males’ “do poliamor” mas que não são capazes de escrever dez linhas, publicamente, sobre o papel normativo da monogamia como sistema político opressor.

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Querem ser umas pessoas muito socialmente conscientes? Que bom!

Primeiro passo: desconstruam a vossa própria monogamia.
Segundo passo: ver o primeiro passo.

Quê?! Achavam que esta coisa do “desconstruir” era como nos menus de instalação de programas? Chega aos 100% e ‘tá feito?

Ouvimos dizer… que não é assim que funciona!

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Depois disso, e depois de investigarem a fundo ou de passarem de facto pelas experiências de uma não-monogamia feminista e crítica, cá estaremos para ouvir e trabalhar com as vossas/nossas críticas. Até lá, preferimos ouvir as vozes (críticas!) de quem reflecte sobre as suas experiências de não-monogamia, e não os gritos que nos querem afogar a expressão crítica das estruturas macro-sociais que pendem sobre as cabeças de todxs.

Nota: Vamos aguardar para ver se os comentários a este nosso rant confirmam a existência do mesmo; uma espécie de versão poly da Lei de Lewis.

Inês Rôlo
Isabel Martinez
Rumpelstilzchenriel
Daniel Cardoso