sexta-feira, 30 de julho de 2010

Da contratualização - III

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A semana passada deixei, a modo de cliff-hanger, a referência a um elemento que faltava criticar no que toca à normatividade das relações consideradas "normais" (passe-se a redundância, vá lá). É uma das coisas que o texto da outra semana menciona: a ingerência de Estado nas relações.

Já vem de muito longe a preocupação estatal com a procriação. Para um país que precisa de se industrializar, que precisa de mão-de-obra à moda proletária, os filhos são uma preocupação fundamental. Porque é que vemos tanta preocupação com as medidas natalistas actualmente, e que já tem tradição? Porque o Estado precisa - ou assim se crê - de regular a sua própria solvência futura, assegurando a disponibilidade de uma matéria-prima fundamental: pessoas. Este movimento político funciona como retórica de legitimação para que uma instituição penetre o corpo dos seus cidadãos - transforma-se numa biopolítica. Claro que parte deste

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sobre o ciúme (2) – O frigorífico avariado

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Continuação do post: Sobre o ciúme (1) - O medo é o seu alimento
No texto de que vos falei na semana passada, há uma metáfora poderosa que me ficou a dar voltas na cabeça até agora. O autor compara uma relação dominada pelo ciúme com um frigorífico avariado. A explicação para ter escolhido um frigorífico e não outra coisa qualquer, está no início do texto e tem a sua graça, como quase tudo o que este senhor escreve.
Imaginemos que um dia chegamos a casa e o frigorífico está avariado. Há uma poça de água no chão e comida a derreter por todo o lado. Depois de recorrermos à esfregona, há duas coisas que podemos fazer: ou arranjar o frigorífico, ou substituí-lo por outro. Qualquer das coisas requer uma certa dose de energia e organização para lidar com o problema. Por isso, o que a maior parte das pessoas (poly e não poly) faz, é optar por uma terceira solução: deixar o frigorífico ficar exactamente como está e alterar a sua vida (e a dos seus) em torno dessa condicionante. Decretar que lá em casa não entra mais comida que precise de refrigeração. Isto equivale a dizer "não quero ouvir falar de ex-namoradas", ou "tens namorado, não abraces os teus amigos". Criam-se regras mas não se resolve o problema.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

evento poly auto-organizado: opencon

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A 3-day event in the English countryside for everyone who knows that happy and honest relationships don't have to be monogamous. OpenCon combines discussions, workshops and socialising to give you a chance to meet like-minded people, to build our community and to celebrate its diversity.

Para quem me tem perguntado "O que é um evento auto-organizado", gostei bastante desta explicação (em http://www.studio63.org.uk/opencon/plan.php):

sábado, 24 de julho de 2010

Tema de polyamor: MEDO

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Medo de nos expormos, de expor a fragilidade; de nos perdermos, de perder a individualidade; de nos controlarem, de querer controlar; de dar sem receber, de nos darmos, de receber uma coisa que não conhecemos: uma pessoa, uma ideia, uma coisa externa que nos pode danificar. Medo de sermos nós mesmos e de que isso não seja o suficiente, de fazer figura de parva; de que não estejas a trabalhar e de telefonar. Medo. Medo de perder, de não estar à altura da situação, da solidão, de partilhar, de que nos achem feios ou estúpidos ou simplesmente vulgares. Medo de perder o momento, medo de o forçar. Medo do amor e todas as estratégias que temos para o evitar. Medo das mentiras, mas não tenho medo das verdades.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Da contratualização - II

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Continuando a partir do post da semana passada... E também para honrar algumas das perguntas da Marquesa do Sado...

Não espantará ninguém se se afirmar que o casamento é um contrato. Um contrato que, no entanto, parece transformar as pessoas em objectos, capazes de ser possuídos por uma outra pessoa-objecto. Já não será novidade para muita gente que não sou propriamente amante da instituição do casamento. Mas o post da semana passada reforçava precisamente a importância do estabelecimento de um contrato - naquele caso, de um contrato contra-sexual (novamente, não confundir com anti-sexual).

É preciso então, para que isto não se transforme numa simples contradição nos termos, definir alguns dos elementos básicos de cada um dos contratos, e porque é que a defesa de um tipo pode coexistir com o pedido de abolição de outro.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Sobre o ciúme (1) – O medo é o seu alimento

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Ultimamente tenho andado a ler coisas sobre ciúme, a pretexto de preparar uma workshop sobre o tema, para a qual me convidaram já mais de uma vez. Recusei sempre, com o argumento de que sou a pessoa no mundo que menos sabe sobre o assunto. Mas ao pensar em alternativas, acabo sempre por bater com a cabeça no mesmo muro e apercebo-me de que o ciúme está de facto, para a maior parte das pessoas, no top of the tops dos entraves ao poliamor. Que é incontornável e mais vale começar por aí se pretendemos algum dia tirá-lo do caminho.
Resolvi partilhar convosco o meu trabalho de casa, que passou pela leitura na diagonal de alguns textos, e pela leitura integral de mais um texto sublime do Franklin Veaux (o tal autor das melhores FAQs sobre poliamor). O texto Jealousy Management for Love and Profit, or how to fix a broken refrigerator é coisa para encher seis páginas com letra muito pequenina, pelo que vos deixo aqui, em entregas semanais, uns resumos à laia de Europa-América. Mastigados e comentados por mim, para vosso uso e reflexão.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

censura na tvi

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a tvi faz censura.

recentemente, ao que tudo indica, a estação de televisão tvi, censurou um dos episódios da novela "morangos com açúcar", não permitindo que fosse para o ar uma cena com dois rapazes a beijarem-se.

não sigo esta novela, em boa verdade não sigo novela nenhuma, muito menos vejo a tvi, contudo tenho, a custo, admito, de aceitar que haja quem faça as duas coisas. acredito, também, que se a tvi mantém os "morangos" no ar há não sei quantos anos, deve ter audiência...

esta situação, a meu ver, levanta duas questões.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Queer, palavra viva (extracto)

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Este post é um extracto, para ficar on-topic neste blog. O texto completo encontra-se aqui:
"Queer, palavra viva (no laundrylist)"

A palavra
queer apareceu como sinónimo de bicha, de gajo que não se encaixava na norma, no tempo em que ser bicha dava cadeia, de um modo nada compatível com as recomendações para condições prisionais da Amnistia Internacional. Sempre com sentido de "non conforming".

Entretanto, a palavra começou a significar cada vez mais bicha, e a certa altura, não universalmente, bicha efeminada.

A palavra
Queer começa a dar confusão, ultimamente, porque nos últimos anos começou a recuperar o seu sentido original numas cenas e grupos, e a manter o significado antigo noutros.

Queer é uma palavra muito útil para separar (tomemos como exemplo) gays em geral, dos gays não normativos (não gosto da palavra alternativo porque perdeu todo o significado). Para quem não percebeu, há gays/fufas/trans*/bis/etc de pantufas, que são tão burgueses como a maior parte dos heteros, e aqui quando digo burgueses, refiro-me a sistema de valores e empenhamento social e interventivo e não a modo de vida ou a terem a possibilidade financeira de comerem três refeições por dia. E há heteros que podem se identificar como queer, a partir do momento que há toda uma reflexão e escolha consciente que transcende a actual orientação sexual.

(...)


Por vezes tropeço em discussões que abordam temas que gravitam ou derivam de "ser poly é automaticamente ser
queer". Não é. Muitas vezes aparece em intima associação mas não é. Vejamos...

Queer começa a sugerir uma tentativa, ou antes, uma preocupação genuína, em aplicar valores não normativos (e começam a sair da cartola a solidariedade, o feminismo, o anti-racismo, etc) de modo concreto na vida e reflexão quotidiana. Não implica necessariamente actividade política, mas implica uma preocupação politica, implica reflexão e auto-crítica. Nao quer dizer isto que seja esperado um activismo constante em todos aqueles campos, mas implica certamente não fechar os olhos quando há contradições gritantes com algum daqueles princípios. E já. (...)

Não espero que este texto seja consensual.
Espero que tenha ajudado, correcções e comentários bem-vindos!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Da contratualização - I

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"[...] Uma análise crítica da diferença de género e de sexo, produto do contrato social heterocêntrico, cujas performatividades normativas têm sido inscritas nos corpos como verdades biológicas (Judith Butler, 2001). [...] A contra-sexualidade deseja substituir este contrato social que chamamos de Natureza por um contrato contra-sexual. Sob a égide do contrato contra-sexual, os corpos reconhecem-se a si mesmos não como homens ou mulheres, mas como corpos falantes, e reconhecem os outros também como corpos falantes.
[...]
As práticas de Sadismo e Masoquismo, bem como a criação de pactos contratuais que regulam os papéis de submissão e dominação, tornaram manifestas as estruturas eróticas de poder subjacentes ao contrato que a heterossexualidade impôs como natural.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O meu coração é uma casa de mil quartos

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Chego a casa depois de uma noite altamente estimulante, no plano sexual e intelectual. Poiso as coisas no meu quarto e hesito. São quatro da manhã. Apetece-me partilhar este momento com os meus amores, que a esta hora já dormem.
Entre o quarto da esquerda e o da direita, acabo por escolher o segundo. Mas toda esta liberdade é responsabilidade dos dois. E a felicidade que irradio chegará em ondas crescentes a ambos.
Esta noite, amanhã, e nos dias que se seguirem.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Digest: o que ando a aprontar (to be continued)

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Resolvi lentamente voltar às lides organizativas. Fiz cerca de dois anos de pausa. Após a co-organização da marcha do orgulho no Porto, e de muitos encontros poly em Portugal e na Alemanha, e muita outra tralha mais, precisei, por motivos de saúde, de uma pausa. Agora lentamente começo a esticar os músculos organizativos e apetece-me começar a meter o bedelho nisto e naquilo.

Comecei-me a interessar, via "a minha vida poly", por constelações familiares alternativas, e pela co-educação. E a partir de certo ponto, desvinculei o tema poly do tema da co-educação e comecei a interessar-me por constelações alternativas em volta ou dirigidas à "gente miúda", ou em que isto seja priorizado em relação às relações entre a "gente graúda" (aka "adultos").

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Tendências

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Porque é que uma das coisas que mais fascina xs leitorxs deste blog é a tag "histórias pessoais"? Será pela mesma razão que o Big Brother foi um sucesso? Ambos são, de uma maneira ou outra, casos de exposição mediática voluntária. E apesar de este nosso cantinho não ter a mesma projecção que o dito programa teve, isso não quer dizer que seja fundamentalmente diferente.

Os humanos são seres sociais, são seres que aprendem por imitação. E isso é uma das razões pelas quais olhamos para quem está à nossa volta. Através das experiências que partilhamos e vemos serem partilhadas, procuramos aprender algo que nos possa ensinar, a nós, o que fazer em situações análogas.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

"Mas para quê?!?"

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Ontem tive um reencontro com uma colega de faculdade que não via há quase dez anos. Uma pessoa de quem cheguei a ser bastante próxima, e que acompanhou o início de uma das relações que ainda mantenho. Enquanto falávamos dos pormenores do encontro e de quem iria, notei uma certa exclamação pelo facto daquela relação ainda fazer parte da minha vida. O que me levou a um daqueles flashbacks à filme, e a pensar na minha evolução na última década.
Lembro-me de uma vez lhe contar que me tinha cruzado com uma pessoa na rua (um daqueles encontros fortuitos que sempre me fascinaram) e que, depois de uma conversa espontânea, tínhamos acabado por trocar contactos e nos íamos encontrar em breve.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

gatxs na caixa

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Mesmo quem não gosta ou não tem de trabalhar com Física ou Física Quântica, conhece o nome de Schödinger. Toda a gente conhece a história do gato de Schrödinger, como veículo para explicar o princípio de Indeterminação de Heisenberg (não é possível saber simultânea e absolutamente a localização e velocidade de uma partícula), em que o abrir de uma caixa para ver se o gato está morto, mata o gato caso ele não esteja já morto. Adiante, talvez não a melhor maneira de começar um artigo sobre poly, mas vão ver que isto é pertinente...

domingo, 4 de julho de 2010

PolyPortugal na Marcha LGBT Porto

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O PolyPortugal está presente na organização da Marcha do Orgulho LGBT do Porto desde o seu início, em 2006. Marchamos pela igualdade, pela visibilidade e validade de modelos diferentes de amor e de família.
"Queremos uma sociedade que reconheça a diversidade de modelos familiares com iguais oportunidades perante a lei. Porque a família é uma escolha livre das pessoas, lugar para a partilha de afectos e de vidas em comum e porque o Estado não pode privilegiar nenhum modelo em detrimento de todos os outros. Um lar pode ter como núcleo um relacionamento monogâmico entre uma mulher e um homem, entre dois homens, ou entre duas mulheres. Mas também há relacionamentos amorosos responsáveis entre mais de duas pessoas. Assim como há famílias cuja base é a amizade, e não o amor, ou o sangue."
"(...) temos orgulho na bandeira arco-íris, símbolo da diversidade e da visibilidade dos nossos amores." (Manifesto 2010)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Poly-fala

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Eu suponho que haja ainda quem pensa que isto de poly é muito engraçado pela parte sexual. Mas estava eu hoje a pensar, enquanto ruminava sobre o que havia de escrever, que do ponto de vista de quem está dentro das relações, a parte da fala é muito importante. Muito mesmo.

Uma relação que se baseie em honestidade, franqueza e empatia precisa de comunicação. Pessoalmente, respeito imenso as pessoas que conseguem dizer claramente aquilo que querem, aquilo que sentem. Mesmo quando o que sentem é confuso, ou incerto, ou indefinido. Dizer-se que se está confusx é dizer o que se sente. Não precisamos de dar etiquetas a tudo para conseguirmos falar - porque a confusão e a incerteza também são sentimentos válidos que, às vezes, são descontados e discriminados.

Só temos que ter a noção que, se estamos absolutamente confusxs com o que sentimos, então temos a certeza que estamos confusxs. E podemos falar dessa confusão.