sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Modelos - II

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"But to declare "I am that name": woman, homosexual, proletarian, African American - or even man, white, civilized, responsible, masculine - is no outward representation of an inward and spiritual state but a response to that history of identification and its ambiguous gifts and legacies. - Nikolas Rose, 1998.

Na continuação do post da semana passada, eis-nos perante uma ideia aparentemente controversa. Que quando dizemos "Eu sou x", não estamos de facto a publicitar um estado de ser, mas a responder às invectivas dos mecanismos de produção de subjectividade(s), às tecnologias do self.

Quer isto dizer, portanto, que a noção de uma identidade precisa de ser repensada, repensada segundo um ponto de vista que coloque a pergunta não nos termos "O que sou eu?", mas sim "O que me levou a dizer que eu sou?"

Através deste movimento, poderemos então perceber que dizer "eu sou poliamoroso" é embarcar num jogo dialético de valores, posicionamento sociais, posturas face a elementos considerados fundamentais (sexo, amor, família) e, fundamentalmente, num jogo de reconhecimentos e possíveis exclusões, e não um arremesso ontológico do sujeito.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Uma coisa é certa: hoje durmo contigo

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O ciúme tem razões que a razão desconhece. Pessoalmente, desconheço todas as razões do ciúme porque, como costumo dizer, esqueceram-se dessa peça quando passei na linha de montagem. E não é gabarolice. Bem sei o quanto isso irrita algumas pessoas, e os problemas que esse handicap já me trouxe. Tenho tentado ao longo da vida perceber as causas, razões e manifestações de tal mecanismo, mas temo bem que nem sempre consiga.
Quando o conheci estava numa daquelas fases da minha vida em que sou mais poly de nome que outra coisa (ao contrário do que algumas pessoas pensam, ser poly não significa dormir com uma pessoa cada dia só porque se pode). Foi um daqueles episódios que nos custa a acreditar quando acontecem, porque durante anos e anos de adolescência a coisa nunca funcionou. Achar alguém interessante ao primeiro olhar, ser correspondido e vir a concretizar a atracção. Mais do que achar fascinante que isso aconteça, fico irremediavelmente presa e perdida por pessoas com quem tomei a iniciativa. Por várias razões, normalmente os homens não nos deixam tempo para dar o primeiro passo. Ou se o damos fogem, mais tarde ou mais cedo, a sete pés.
Saímos dali e fomos jantar. A única vez que jantámos a mais de um quilómetro da casa dele. Mais tarde repetiria que essa era a única condição que punha para voltar a vê-lo. Jantar a essa distância, e cinema. Nunca aconteceu.
Tivemos uma relação da qual não me orgulho, mas com a qual aprendi muito. Nesse primeiro jantar falei-lhe da pessoa com quem vivo e do tipo de relação que temos. O brilho de admiração que vi nos seus olhos foi o mesmo que já tinha visto noutras pessoas, mas conseguiu acentuar-se ainda mais quando lhe disse que sim, podia dormir com ele, aquela mesma noite se quiséssemos. Ênfase posto na palavra dormir, porque à parte do sexo fabuloso que chegámos a ter e do qual ainda hoje me fala, acho que o que ele gostava mesmo era de dormir com alguém.
E tudo correu lindamente até ao dia em que, para além do namorado de quem ele já tinha conhecimento, tive sexo com outra pessoa. Alguém que eu conhecia há anos antes de o conhecer a ele, com quem já tinha estado quase, quase, várias vezes. E com quem surgiu uma oportunidade quando surgiu. Mesmo depois de todas as acusações e duras palavras que ouvi, nunca me senti culpada. Não tinha mentido a ninguém. E ainda assim via-me, mais uma vez, metida no papel da má da fita.
Continua...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

família?

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um dos meus filhos, o frederico, viajou hoje de manhã... foi ter com um dos irmãos mais velhos, o salvador, que vive em londres com a namorada, a conceição.
foi lá passar uns dias de férias e na volta vai trazer a isabel, filha do salvador e da maria, que tem nove anos, que também lá está de férias.
mas o salvador não é meu filho, é filho da filipa e do antónio.
eu e a filipa é que somos pais do frederico e eu sou também pai do pedro e do luís.
a joana é a mãe do pedro e a constança é mãe do luís.
eu e a joana somos bons amigos e a filipa e a joana também, assim como eu e o antónio. a constança é que está um pouco mais afastada, mas tem uma relação cordial com a filipa, pedro, frederico e salvador.
o luís e a isabel têm a mesma idade e quando estamos todos juntos brincam até à exaustão.
a minha mãe, a tal coitada do filho assim, quando ainda era viva, mantinha uma firme amizadade com a joana, filipa, constança, antónio, helena, luísa e com os netos, incluindo o salvador, claro!
a mariana, mãe da filipa, é que se baralha um pouco com os "genros" e antes que acerte com o nome debita a lista.
é lógico que ao longo do tempo tem havido outras pessoas que têm atravessado as nossas vidas... nem todas têm tido uma participação tão intensa, mas não deixam, por isso, de ter o seu lugar nos nossos afectos.
nota: alguns dos nomes não são os verdadeiros, o resto sim!


terça-feira, 4 de agosto de 2009

Baunilha ou chocolate

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Hoje acordei a meio dum sonho. Estava não sei onde com vontade de comer um gelado de baunilha.

Não como gelado de baunilha há anos, provavelmente. É que há uma infinidade de sabores novos que quero provar de cada vez que surgem. A questão é que nunca me envolvi emocionalmente com a baunilha, caso contrário não passaria tanto tempo sem a ver.

O chocolate, por outro lado, sabe bem que não é por eu me apaixonar um dia (ou um ano ou trinta anos) pelo exótico Hawaiian Lehua Honey & Sweet Cream, pela ultra-romântica Karamel Sutra, pelo bom velho Old Fashioned Butter Pecan, por uma embriagante Tarte Gourmet Whisky ou até por um simples Solero Morango e Banana que alguma vez o vou deixar.

Está na hora de almoçar. Vou daqui directo à procura dum gelado de baunilha. Sim, também gosto de vanilla.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Poly dentro dos movimentos LGBT: uma oportunidade? (2ª.parte)

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(continuação do post da semana passada)

As tais reacções de hostilidade foram as que me fizeram desenterrar o que vem a seguir. Nas comunidades LGBT de língua alemã, a fracção lésbica que recusa o paradigma monogâmico tomaram como designação para esse movimento a palavra "Schlampagne", que é uma mistura bastante feliz de "Campagne" (campanha, no sentido de luta política) e "Schlampe" (vadia, galdéria, pega).
Do mesmo modo que no início dos movimentos feministas e lésbicos a palavra "lésbica" era usada como insulto pelo vulgo, sendo adoptada pelo movimento, reinventada com um novo sentido positivo, houve mulheres que começaram a usar palavras como "vadia" ou "galdéria" para se auto-descreverem como mulheres rebeldes em relações não monogâmicas, fora da boa ordem estabelecida, que não se preocupam minimamente com a reprovação de quem usa tais palavras como insulto intencional. Pergunto-me muitas vezes qual vai ser a palavra portuguesa (existente ou por inventar) que vamos inevitavelmente descobrir para descrever a mesma identidade. Eu gosto de "galdéria".

A "Schlampagne" bate-se pela colocação ao mesmo nível de consideração (material e social) de todos os modos de vida, em contrário ao acumular de privilégios (materiais e sociais) de certas formas de relação aprovadas socialmente (estamos a falar de casamento em sentido lato, em todas as suas variantes gay-hetero-religioso-civil-etc). As mulheres dinamizadoras deste projecto têm organizado encontros regulares. Na ordem dos trabalhos destes encontros encontra se a elaboração de estratégias concretas para atingir esse fim. Mas estes encontros têm servido também para três outros objectivos muito importantes. O primeiro é a auto-ajuda (criação de redes de contactos, encontros, troca de experiências, descoberta de identidade), o segundo a divulgação (quer dentro das várias comunidades lésbicas quer para a comunidade em geral) e o terceiro a influência política através de colaboração e negociação com organizações de solidariedade.

A modo de conclusão, gostava de acrescentar que não aprecio cega e necessariamente tudo o que se faz "lá fora" a nível de activismo ou auto identificação LGBT. A nossa comunidade é pequena, e por ter pouca gente activa, desenvolve-se mais devagar do que as comunidades "lá fora", é um facto. Mas há muitas vezes a tentação de tomar o estado das coisas (ou pelo menos a face mais visível desse estado de coisas) "lá fora" como a bitola do que as coisas devem ser ou passar a ser nas comunidades LGBT portuguesas (com algumas excepções). Penso que precisamente por não termos o mesmo ritmo de acontecimentos que "lá fora" temos a oportunidade de evitar repetir os erros de outros e de encontrar uma identidade própria. Isto para explicar que fui buscar este exemplo alemão simplesmente porque o tema me diz pessoalmente muito respeito, porque ilustra os conceitos que tenho estado a tentar explicar, porque é uma faceta do movimento LGBT de "lá fora" que, curiosamente, é pouco conhecido cá, e porque tem muito potencial em termos de discussões instrutivas.

Em Portugal, (..) parece haver motivos para se dizer que há bastantes mulheres/lésbicas que vivem ou contemplam viver "de modo contrário à ordem estabelecida". Resta saber se essas mulheres têm interesse em criar as tais redes de contacto e ajuda.

Fontes:
[1] www.graswurzel.net/243/schlampagne.shtml
[2] www.wikipedia.org (poliamor/polyamory)
[3] "Breaking the barriers to desire", K. Lano and C. Parry (ed.).Five Leaves Publications

domingo, 2 de agosto de 2009

Jogos humanos

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Está a fazer 10 anos que foi publicado o livro Jogos humanos, com argumento de Paulo Patrício e desenhos de Rui Ricardo. A edição, da Bedeteca de Lisboa em conjunto com a Associação Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto, saiu por ocasião do penúltimo Salão.

É uma história de poliamor quase avant la lettre, passada entre adolescentes na cidade do Porto. Mas não se pense, pelos dois desenhos que aqui estão, que é uma história essencialmente erótica. Como descreve de forma concisa João Paulo Cotrim (na altura director da Bedeteca, creio):
"Tradicional e sem excessos gráficos, apesar do número de parceiros."
Tanto Rui Ricardo como o próprio Paulo Patrício têm hoje em dia melhor qualidade gráfica mas já eram experientes nesta altura. Vale a pena procurar esta raridade.

Muitas das bibliotecas municipais têm esta BD disponível e a Biblioteca Nacional tem dois exemplares. Quem quiser comprá-la, no entanto, vai ter dificuldade em encontrá-la à venda.

Muito poucas livrarias online têm agora este livro em catálogo (ISBN-10: 9729746990, ISBN-13: 9789729746994), nenhuma confirma tê-lo disponível e uma delas diz mesmo estar fora de stock:
Talvez seja possível encontrá-lo numa livraria especializada em fundos de colecção — por exemplo a Ler Devagar.

Além dos alfarrabistas, outra hipótese é procurar numa livraria de banda desenhada — de sucesso também duvidoso, porque se especializam normalmente em comics e manga. Aqui ficam alguns contactos:

sábado, 1 de agosto de 2009

Will you swing with me?

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Há uns dias atrás desafiaram-nos para escrevermos umas palavritas para este vosso cantinho. Sendo assim, deixaremos um pouco da nossa vivência.
Nós simpatizamos muito com a opção de vida poliamorosa, embora sejamos um género de "polyswingers".
Sinceramente, não sei que nome dar-nos! ;)
Somos um casal muito feliz há imensos anos. Como sempre tivemos uma relação muito erotizada e pouquíssimo possessiva, a partilha de emoções e sensualidade com outras pessoas foi um passo natural na nossa vida. Inicialmente, sendo a parte feminina bissexual, o nosso primeiro ímpeto foi integrar outra rapariga na nossa intimidade. Digo-vos que não foi fácil e que rapidamente os sentimentos possessivos que víamos em muitas das pessoas com quem tentámos relacionar-nos nos levaram a escolher casais estáveis e com relações sólidas de amor e de companheirismo como a nossa.
Neste momento, confesso que não equacionamos um projecto de vida a mais de dois. O dia-a-dia impõe-nos desafios e constrangimentos que apenas quem já teve relações poliamorosas conhece bem.
Já vivemos alguns tempos com uma terceira pessoa na nossa casa. Gostámos da vivência, porque sobretudo gostamos muito da pessoa em causa. Aprendemos muito, mas mesmo assim o núcleo central da relação continuou a ser a nossa relação a dois. Já são muitos anos juntos, muitos entendimentos vividos, olhares silenciosos que dizem tudo. Muita partilha. Não é fácil encaixar na vida de todos os dias romances com outras pessoas, pois parece que entram num comboio em andamento. :)
Mas concordamos com o facto de que a nossa capacidade de amar extravasa aquilo que temos a dois.
Já tivemos vários relacionamentos diferentes, a solo ou com casais, tanto em conjunto como de uma forma separada.
Na sua forma "em separado", ou seja, a parte feminina sair, conviver e namoriscar a outra parte masculina, (sem a presença do seu cônjuge), e a outra parte fazer o mesmo, foi muito interessante e intenso. Mas muito, muito complicado. Harmonizar feitios, desejos, emoções e expectativas a 4 não é coisa simples. E esse é um desafio que mesmo no meio swinger é olhado de lado.
Não desejando que todos os nossos dias sejam a mais do que dois - pois temos muitos momentos em que queremos mesmo apenas estar sozinhos - existem outras pessoas com quem partilhamos mais do que sensualidade e marotices.
São pessoas com quem partilhamos carinho, momentos bons e os menos bons também. Com quem saímos para ir ao cinema, ao teatro ou para dar um passeio à beira-mar. Com quem passamos férias. Que visitamos no hospital se estão doentes. A quem levamos uma sopinha ou fazemos as compras se têm algum problema que os impossibilite. A extensão à sexualidade dos sentimentos que nos unem a essas pessoas é um chamamento natural, a nosso ver.
Temos as nossas regras, que dizem respeito à delimitação voluntária de algumas fronteiras para não magoar aqueles que amamos. São regras de convivência que definimos a dois e sem pensar muito no socialmente mais correcto ou aceite. São regras dinâmicas que se adaptam à nossa vida e desejos. Porque nós estamos sempre a mudar e a aprender um bocadinho mais cada dia.
Contudo, mantemos um projecto central de vida a dois: a decisão de onde moramos, o encaixe das nossas profissões e ambições pessoais, contas e pagamentos, planos de ter filhos, como os educar ou outros campos decisivos como estes são restringidos apenas aos dois.
Admiramos muito quem consegue construir uma verdadeira família poly, com filhos comuns, com todas as suas derivações e consequências, mas sabemos que de momento não é algo que desejemos para nós.
Mas o que sabemos também é que desta partilha surgiu um património de amor e carinho que nos ultrapassa enquanto casal. Património afectivo este que continuaremos a alimentar e a mimar, tal como lutamos todos os dias pelo amor que nos une.
Só nos reconhecemos e crescemos em confronto com a alteridade e é nos outros que nós, enquanto casal, temos também feito descobertas sobre nós mesmos e sobre a nossa própria relação.

Beijinhos com ternura a todos os nossos amigos poly que por aqui escrevem e que contribuem cada dia para uma sociedade mais tolerante e amorosa.
Marte&Vénus