segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Poly dentro dos movimentos LGBT: uma oportunidade? (2ª.parte)

Publicado por 
(continuação do post da semana passada)

As tais reacções de hostilidade foram as que me fizeram desenterrar o que vem a seguir. Nas comunidades LGBT de língua alemã, a fracção lésbica que recusa o paradigma monogâmico tomaram como designação para esse movimento a palavra "Schlampagne", que é uma mistura bastante feliz de "Campagne" (campanha, no sentido de luta política) e "Schlampe" (vadia, galdéria, pega).
Do mesmo modo que no início dos movimentos feministas e lésbicos a palavra "lésbica" era usada como insulto pelo vulgo, sendo adoptada pelo movimento, reinventada com um novo sentido positivo, houve mulheres que começaram a usar palavras como "vadia" ou "galdéria" para se auto-descreverem como mulheres rebeldes em relações não monogâmicas, fora da boa ordem estabelecida, que não se preocupam minimamente com a reprovação de quem usa tais palavras como insulto intencional. Pergunto-me muitas vezes qual vai ser a palavra portuguesa (existente ou por inventar) que vamos inevitavelmente descobrir para descrever a mesma identidade. Eu gosto de "galdéria".

A "Schlampagne" bate-se pela colocação ao mesmo nível de consideração (material e social) de todos os modos de vida, em contrário ao acumular de privilégios (materiais e sociais) de certas formas de relação aprovadas socialmente (estamos a falar de casamento em sentido lato, em todas as suas variantes gay-hetero-religioso-civil-etc). As mulheres dinamizadoras deste projecto têm organizado encontros regulares. Na ordem dos trabalhos destes encontros encontra se a elaboração de estratégias concretas para atingir esse fim. Mas estes encontros têm servido também para três outros objectivos muito importantes. O primeiro é a auto-ajuda (criação de redes de contactos, encontros, troca de experiências, descoberta de identidade), o segundo a divulgação (quer dentro das várias comunidades lésbicas quer para a comunidade em geral) e o terceiro a influência política através de colaboração e negociação com organizações de solidariedade.

A modo de conclusão, gostava de acrescentar que não aprecio cega e necessariamente tudo o que se faz "lá fora" a nível de activismo ou auto identificação LGBT. A nossa comunidade é pequena, e por ter pouca gente activa, desenvolve-se mais devagar do que as comunidades "lá fora", é um facto. Mas há muitas vezes a tentação de tomar o estado das coisas (ou pelo menos a face mais visível desse estado de coisas) "lá fora" como a bitola do que as coisas devem ser ou passar a ser nas comunidades LGBT portuguesas (com algumas excepções). Penso que precisamente por não termos o mesmo ritmo de acontecimentos que "lá fora" temos a oportunidade de evitar repetir os erros de outros e de encontrar uma identidade própria. Isto para explicar que fui buscar este exemplo alemão simplesmente porque o tema me diz pessoalmente muito respeito, porque ilustra os conceitos que tenho estado a tentar explicar, porque é uma faceta do movimento LGBT de "lá fora" que, curiosamente, é pouco conhecido cá, e porque tem muito potencial em termos de discussões instrutivas.

Em Portugal, (..) parece haver motivos para se dizer que há bastantes mulheres/lésbicas que vivem ou contemplam viver "de modo contrário à ordem estabelecida". Resta saber se essas mulheres têm interesse em criar as tais redes de contacto e ajuda.

Fontes:
[1] www.graswurzel.net/243/schlampagne.shtml
[2] www.wikipedia.org (poliamor/polyamory)
[3] "Breaking the barriers to desire", K. Lano and C. Parry (ed.).Five Leaves Publications

Sem comentários: