quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Sobre o ciúme (3) - A minha torradeira

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Continuação dos posts:
Sobre o ciúme (1) - O medo é o seu alimento    e    Sobre o ciúme (2) - O frigorífico avariado


Sempre fui adepta da máxima “own your feelings”. Ou, como alguém diria, “I’m not your bitch, don’t hang your shit on me”. Quando li pela primeira vez o excerto do Ethical Slutaqui publicado, não só me identifiquei completamente com aquelas palavras, como passei a citá-lo em várias ocasiões. Nomeadamente quando alguém tentava “atirar-me as culpas para cima”. Nem sempre funcionou. Ou, para ser mais sincera, quase nunca. Sempre fui uma esponja da culpa. E de algum modo acho que sempre preferi sê-lo, para não perpetuar conflitos.
De há uns anos para cá tem sido esta uma das minhas sagas. Lutar contra a manipulação pela culpa. Sem querer com isto dizer que os outros sejam conscientemente manipuladores. Eu é que mudo (mudava?) muito facilmente a minha postura para não magoar ninguém.
Decidi a partir de certa altura, rejeitar essa culpa. Comecei a apresentar-me o mais depressa possível como poly, a despejar com orgulho a minha vivência em cima de quem estivesse interessado, deixando implícita a mensagem “eu sou assim, vive com isso ou desaparece”. Como seria de esperar, também não correu muito bem.
Pegando agora no modelo do frigorífico, o que eu estava a dizer era “não tragam comida que dependa de atenção e mimo, porque o meu frigorífico está aqui com um problema na culpa e não só não vai dar conta do recado, como vai formar ainda mais culpa nas paredes e depois não fecha”.
O que acho fabuloso neste texto do Franklin Veaux, é que se aplica a quase tudo. A mim não me ajudou com o ciúme porque não é esse o meu fantasma, mas ajudou-me definitivamente a compreender o ciúme dos outros, e pelo caminho ainda me permitiu perceber que tinha problemas com outros electrodomésticos.
Esta coisa da culpa é algo muito meu, com raízes bastante definidas e inculcadas na minha infância. Uma avaria difícil de arranjar, que tem demorado anos e pode nunca ficar totalmente funcional. Mas esta ideia de reconhecer o catalisador e não o confundir com a causa, foi para mim uma epifania cujos resultados práticos começam já a notar-se.
O caminho para arranjar o frigorífico do ciúme, a torradeira da culpa ou a máquina de lavar da insegurança é, como em tudo, começar por se admitir que há um problema. Que há um sentimento que é nosso mas não nos é agradável. Depois, tentar compreendê-lo. Reconhecer padrões, identificar situações catalisadoras. Libertarmo-nos da tentação culpabilizante do outro e conseguirmos separar o que é interior do que é exterior a nós. Com sorte, encontrar uma hipótese para a origem profunda desse sentimento. E ter a coragem de chafurdar nessa origem à procura de uma solução, que pode não ser única nem simples.

1 comentário:

Marquesa do Sado disse...

Lara, com a tua licença faço minhas as tuas palavras.

1. Ir ao fundo da causa e não chafurdar eternamente no sintoma.
2. A condição para uma boa alteridade é uma excelente individualidade.
3. Também fui o género fazer concessões até à morte.

E uma pessoa mergulha em si mesma e vai conhecendo o "catalisador". A partir daí nada se resolve, mas os dados ficam lançados e o trabalho é teu, porque ninguém nos irá salvar além de nós mesmos.

Simplicidade? Lol lol lol...