terça-feira, 11 de agosto de 2009

Comunicação não-verbal

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Jantar combinado, estou à espera à porta do restaurante. O telemóvel toca. Mudança de planos:

— Achavas muito estranho se eu agora te dissesse para vires para minha casa?
— Não, tudo bem.
— Estou cá sem mais ninguém a noite toda.
— OK, assim já acho estranho.

Rimo-nos os dois. Damo-nos bem porque sabemos ambos o que fica por dizer. Mais tarde acrescentei:

— A última vez que ouvi a frase «Vou estar sem mais ninguém a noite toda», pouco depois estavam a dizer-me «Tira-me a cueca». Assim mesmo, no singular.
— E conseguiste não rir?
— Estávamos colados… — Quando a distância física é nula, é difícil criarmos distância mental.


Garden State

Fast-forward. Seis da manhã. Já vimos dois filmes. Fantásticos, ambos. Se a minha memória fosse decente, com certeza lembrar-me-ia de diálogos de qualquer dos dois. Fui ao script-o-rama para recarregar a memória, e aqui vai um excerto de um desses filmes, Garden State. Largeman, o protagonista, acaba de conhecer uma rapariga, Sam, que já lhe mentiu várias vezes numa conversa de meio minuto. Segue-se:
— Costumas mentir muito?
— Muito é o quê para ti?
— Que chegue para as pessoas te chamarem mentirosa.
— As pessoas chamam-me muitas coisas.
— E uma delas é «mentirosa»?
— Eu agora podia dizer que não mas como é que sabias que não estava a mentir?
— Bem, podia escolher confiar em ti.
— Achas que és capaz?
— Posso tentar.
Ao longo de todo o filme, este Largeman tem uma empatia muito «feminina»: o silêncio para ele é tão revelador como a conversa mais detalhada com as explicações mais completas. Mas eu diria que essa empatia, independentemente do género e da nabice natural de cada um, nasce em todos nós quando nos enamoramos.


Tem-me faltado a empatia neste último ano. Ou, com certeza melhor analisado: tenho tido menos confiança no que me diz a intuição. O problema está na confiança, a intuição tem estado lá a tentar ajudar-me como sempre. Mas é mais fácil culpar a empatia.

À conta disso — e apesar de ter como nunca a sensação de que não faltam homens e mulheres que gostariam de dar umas voltinhas, ou ficarem meus amigos, ou amantes, ou namorados — estou actualmente entre os poliamorosos com menos amores do mundo. Zero, diria eu. É claro que, graças a esta reduzida empatia, ou intuição, arrisco-me a que agora, ao ler isto, haja por aí mais do que uma pessoa a pensar «então e eu não conto?».

Não é que eu não goste de algumas dessas pessoas. Gosto mesmo muito. Mas é um gostar egocêntrico. Como quem gosta de um gelado de baunilha: não sinto grande empatia com a baunilha.

Entre as questões do poliamor não deixam de estar, é claro, as questões do amor. Eu estava com dúvidas do tipo «esta pessoa ainda gosta de mim ou já passou à fase de não me tolerar as idiossincrasias?» Já tínhamos falado sobre isso. Uma conversa do tipo «sim, gosto» mas com o tom de «não tenho paciência». A noite dos dois filmes foi poderosa. Não falámos de nós. Mas os filmes escolhidos, a descontracção com que estivemos horas a fio, tudo o que não foi dito, revelou que o tom afinal tinha sido de «não estou neste momento com paciência».

Comunicação, comunicação, comunicação. É um mantra do poliamor. E meu. Mas é importante dar também atenção à comunicação não-verbal. Serei capaz de escolher confiar na minha intuição? Posso tentar.

Nota: Fui buscar a ideia de que a empatia ("capacidade de se aperceber intuitivamente de como os outros estão a sentir-se, e tratá-los com cuidado e sensibilidade") é uma característica «feminina» a um artigo do neurocientista Simon Baron-Cohen sobre diferenças entre os cérebros masculino e feminino ("They just can't help it"). Curiosidade: este Baron-Cohen, com hífen, é primo do Sacha Baron Cohen, sem hífen, actor e autor dos famosos Brüno, Borat e Ali G.

1 comentário:

Daniel Cardoso disse...

Em relação ao silêncio:

Reconhecendo que possa ser uma forma muito poderosa de estabelecer rapport, à falta de melhor palavra, é também a melhor maneira de estabelecer o equívoco. A empatia mais forte, para mim, surge quando existe a vontade, o desejo e a capacidade de saber dizer tudo, explicar tudo, com uma simplicidade chã e bela, ou tanto quanto se consiga.

De subentendidos mal entendidos está a vida cheia...