sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Efémero

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Estava aqui há uns dias a assistir a uma conversa online sobre a questão da duração das relações poliamorosas. O maior questionário alguma vez feito a essa comunidade, de forma não-representativa e online, foi o da Loving More Magazine. Um dos resultados é que a maior parte das relações reportadas por quem respondeu ficava abaixo dos cinco anos de duração.

Duas leituras que se podem fazer daqui: uma sobre o papel do poliamor, outra sobre os nossos conceitos de base sobre relações.


No caso da primeira leitura, aquilo que se pensa muitas vezes é que o poliamor é uma maneira "melhor", ou "mais moderna" e mais bem adaptada de fazer relações. Segue-se então o raciocínio que, se tal é verdade, então o que se procura são relações mais bem-sucedidas. Isto leva à segunda leitura: de que relações mais longas são inerentemente ou tendencialmente mais bem-sucedidas, já que se parte do pressuposto que, se a relação dura há tanto tempo, então é porque quaisquer problemas que tenham surgido foram resolvidos de forma positiva e construtiva.

Obviamente que ambas as leituras enfermam de crassos mal-entendidos.

Que o poliamor tem que ver com relações íntimas (sexuais e/ou amorosas), é bastante claro. Mas considerar à partida que o poliamor é uma forma mais evoluída de fazer relações é esquecer aquilo que já várias vezes foi repetido neste blog, por pessoas diferentes. O ponto focal do poliamor não é uma relação, mas uma pessoa. Quando se pergunta qual a diferença entre poliamor e poligamia, as pessoas tendem a responder com uma diferença entre comportamentos sentimentais e comportamentos sexuais. Eu avanço e esclareço um pouco mais essa postura: não se trata tanto de no poliamor a ênfase ser colocada principalmente no amor, mas sim de o poliamor constituir principalmente não um modelo relacional, mas um modelo de avaliação de expectativas e possibilidades relacionais. Para o poliamor, importa pouco se estamos em uma, duas ou zero relações - o que importa é que a pessoa poliamorosa vê a possibilidade da existência de mais do que uma relação simultânea como algo expectável e positivo, e tenderá a agir e reflectir de acordo com essa visão. Perdoe-se o meu enviesamento, mas a melhor definição de poliamor que alguma vez li, e que vai de encontro ao cerne da questão, é académica:

Haritaworn et alia (2006: 518) definem poliamor como “a suposição [assumption] de que é possível, válido e valioso [worthwhile] manter relações íntimas, sexuais e/ou amorosas com mais do que uma pessoa”.

Daqui, podemos partir para a segunda questão. Porque é que a longevidade é vista como um dos principais critérios de avaliação da qualidade e valor intrínseco de uma relação? Suponho que porque o standard continua a ser o do casamento, hetero-mono-normativo. Por uma relação durar há muito tempo, ela tem que ser boa, ou melhor que outras? Não me parece. Aliás, isto é um movimento discriminatório contra as relações cuja natureza principal é serem curtas (e.g.: one-night stands). Cada relação tem a sua própria dinâmica, e utilidade para as pessoas envolvidas (que pode, obviamente, variar), e se a longa duração cai bem em algumas dessas relações, noutras nem por isso. O mesmo não é dizer que uma relação curta não possa ser tão positiva para a vida de alguém como uma relação comprida, de anos. Sê-lo-à, provavelmente, de uma forma diferente, apenas. Não melhor nem pior.

Juntando as duas coisas: o poliamor não é, parece-me, uma maneira melhor de fazer relações. É uma maneira mais adaptada às circunstâncias contemporâneas da sociedade ocidental de fazer pessoas. Pessoas essas que têm, nas componentes da sua auto- e hetero-fabricação, relações. Relações essas que podem, numa perspectiva poliamorosa, ser diferentes entre si mas, ainda assim, simultâneas ao invés de iterativas.

2 comentários:

António Lopes disse...

Olá,

Eu penso que, ser-se capaz de gostar de uma pessoa sem sentimento de posse nem desejo de exclusividade é "melhor" ou revela maior maturidade, como se preferir e, nesse sentido, uma relação poliamorosa será "melhor".

Se isso a isenta de problemas ou se é um garante de felicidade, estabilidade, bla,bla bla, pois certamente que não será, mas pelo menos parece que se ultrapassaram alguns dos problemas das "outras formas" de relacionamento.

:-)

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Gostei muito dessa definição de poliamor ;-)
E também concordo com a questão de em vez de definirmos o conceito com base em certezas (é isto ou aquilo), definir com base nas possibilidades que se apresentam :-D

Tchau e obrigado pelo texto

Daniel Cardoso disse...

António, obrigado pelo comentário.

Eu entendo o que diz, mas também é verdade que se pode ter uma relação monogâmica sem sentimento de posse nem desejo de exclusividade, e há muitas maneiras de fazer monogamia, portanto isso será talvez algo que não é específico do poliamor.

Nesse aspecto, o poliamor ultrapassou - ou pretende fazê-lo - algumas das questões dessas relações, claro. Mas, por outro lado, cria sempre novos problemas.

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Eu também gosto muito daquela definição, é simples e concreta, muito prática.