terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Paixões e tempestades

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Hoje à hora de almoço vinha a ouvir na Antena 2 o sempre interessante Em Sintonia com António Cartaxo.

O programa de hoje era sobre Beethoven e dá para ouvir de novo às 23h00 ou, em qualquer altura, na página do programa ou directamente aqui.

Aos 35'00", António Cartaxo passa um excerto da sonata nº 23, a Appassionata. Depois, aos 40'30", diz o seguinte:
"Quando lhe perguntaram qual o sentido da Appassionata (o cognome é do editor mas Beethoven aprovou-o), a resposta foi a seguinte: «Leia A Tempestade de Shakespeare». E Romain Rolland, estudioso de Beethoven, lembrará que A Tempestade é a fúria das forças elementares — paixões, destemperos dos homens e dos elementos —, é o senhorio do espírito, mago que, a seu bel-prazer, congrega ou dissipa a ilusão. A definição da arte beethoveniana neste período de maturidade." ¹
Eu diria que A Tempestade (a peça) nada tem a ver com a «fúria das paixões»… Mas já que aqui estamos, vejam lá bem o que diz o protagonista, Próspero, a propósito de um casalinho que ele, num espírito casamenteiro, quer ver atingido pelas setas de Cupido (e que realmente se apaixonam num instante): «They are both in either's powers: but this swift business / I must uneasy make, lest too light winning / Make the prize light.» Ou seja, «deixa-me cá dificultar a coisa, que estes dois pombinhos começaram a arrulhar depressa demais», (e agora em tradução mais literal) «não vá uma conquista tão ligeira tornar o prémio demasiado ligeiro».

Mas que raio de ideia é esta?! Que mal fizemos nós para sermos ainda hoje bombardeados com este e outros disparates do Romantismo? Atenção, a frase, a peça e o autor são sem dúvida alguma geniais — mas a ideia romântica de que uma conquista sem sangue, suor e lágrimas não tem valor é simplesmente uma má interpretação dos naturais ajustes que duas pessoas precisam de fazer quando iniciam uma relação, acertos esses que sucedem novamente, de modo sempre diferente, de cada vez que se soma uma nova relação.

Eu cá prefiro as pessoas fáceis. E descomplicadas. E preferia ser eu próprio mais simples (fácil já eu sou que chegue). Mas levamos com tanta história de amores difíceis que essa peçonha se nos enfia debaixo da pele e custa mais a remover do que uma tatuagem.

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(¹) A pergunta sobre o sentido da Appassionata — e, já agora acrescento, de uma outra sonata, a nº 17, publicada precisamente sob o título A Tempestade — terá sido feita a Beethoven pelo biógrafo seu contemporâneo Anton Schindler, que a refere no livro Biographie von Ludwig van Beethoven (traduzido para inglês como Beethoven as I Knew Him mas sem tradução portuguesa, que eu saiba). Directamente da fonte, para quem lê alemão ou sabe usar uma ferramenta de tradução online: «Eines Tages, als ich dem Meister den tiesen Eindruck geschildert, den die Sonaten in D moll und F moll (Op. 31 und 57) in der Bersammlung bei C. Czerny hervorgebracht und er in guter Stimmung war, bat ich ihn, mir den Schlüssel zu diesen Sonaten zu geben. Er erwiderte: "Lesen Sie nur Shakespeare's Sturm."»

1 comentário:

Bernardo Lupi disse...

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Abraço