sexta-feira, 24 de julho de 2009

A pura relação e o poliamor - II

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Falei no post anterior sobre a possível incompatibilidade entre os valores (ainda) humanistas e (ainda) modernos e o oposto da pura relação. Porém, seria errado pensar que, por haver algo de poliamoroso na ideia da pura relação, as duas coisas se pudessem confundir.

De facto, Giddens fala durante a maior parte do seu livro em relações heterossexuais monógamas, embora também faça algumas incursões pelo lesbianismo. Ou talvez até fosse mais adequado dizer que Giddens fala essencialmente das relações heterossexuais. Não necessariamente eroticizadas, não necessariamente românticas.

Essa possibilidade - a de pensar a pura relação fora de um conjunto restrito de relações-tipo - é, por um lado, relevante para o poliamor e, por outro, permite desarmar possíveis leituras tendenciosas (pró-poliamor, ou anti-monogamia). Esta mais não seria do que um mero reenquadramento dos movimentos de discriminação contra os quais nos queremos precaver e, por conseguinte, não tem aqui qualquer lugar.

A pura relação pode encontrar-se em qualquer momento em que um Eu e um Outro se encontram. Amizade, amor, etc... Interessa pouco - porque é a modalidade da relação que está em causa, e essa pode depois revestir-se de qualquer grau que se deseje ou de quaisquer detalhes específicos que se queira. Isto leva, obrigatoriamente, a que a pura relação seja perfeitamente possível dentro de uma relação monógama. Leva também a que se pense na infinidade de possibilidades em que a pura relação se pode aplicar - e o poliamor é indubitavelmente uma delas.

De resto, este é um aviso que não pode deixar de ser feito: a apologia do poliamor não é o combate à monogamia. Não é possível defender a pluralidade dos sistemas relacionais e, no mesmo passo, tentar negar um deles. O que, obviamente, não quer dizer que qualquer modelo de relação não possa ser passível de ser criticado e analisado - e isto vale também para o poliamor.

Precisamos então de olhar melhor para o que poderá ser considerada a antítese da pura relação.

Continua...

Índice
A pura relação e o poliamor - I

4 comentários:

antidote disse...

hmmm... eu nao diria que pró poliamor é necessáriamente anti monogamia... E provavelmente também nao pensas assim, mas a frase sugere algo nesse sentido... :-)

Daniel Cardoso disse...

Pois, é por isso que lhes chamo "leituras tendenciosas". São efectivamente coisas diferentes, e ali no contexto pretendo referir-me ao exagero em cada uma das posições quando adoptadas como bandeiras sem qualquer reflexão por trás.

Anónimo disse...

Infelizmente, o que transparece neste blog é a ideia de que os adeptos do poliamor são seres humanos livres, abertos, esclarecidos, iluminados, desenvolvidos, muito à frente dos que optam pela monogâmia (não seria mais lógico falar de monoamor??), que de uma forma muito subtil, é certo, aparecem aqui como retrógrados, agarrados a regras que impõem a si próprios, mentes fechadas e tacanhas, enfim, uns infelizes que não têm a coragem de viver livremente como vocês!!
Será que não podem acreditar que é possível ser feliz apenas com uma pessoa? e porquê? têm provas irrefutáveis de que a monogamia é um mito?
O facto de eu ser feliz só com uma pessoa (sim, sou monogâmica!), não faz com que eu tenha qualquer preconceito contra quem opta por viver o amor de outra forma, por exemplo, o poliamor. Eu não me acho superior, e muito menos "normal", essa palavra tão utilizada pelos preconceituosos, por ser monogâmica. Aceito e respeito as opções e a liberdade de cada um.
O que me custa aceitar, e não aceito de todo, é a ideia de que por ser mono não tenho um espírito aberto e estou "presa" a alguma coisa. Eu vivo em liberdade com uma pessoa com quem sou imensamente feliz. Só isso.
Cristina

Daniel Cardoso disse...

Cristina,

Não é um pouco estranho esse comentário num post onde claramente se diz "Isto leva, obrigatoriamente, a que a pura relação seja perfeitamente possível dentro de uma relação monógama"?

De resto, há que estabelecer uma diferença (subtil, mas fundamental) entre monogamia e mono-normatividade. A monogamia como prática e a monogamia como fundamento para a validação do que é "normal" são duas atitudes claramente diferentes. A pessoa monógama aceitará de facto as opções e liberdades de cada um; a pessoa que se agarra à mononormatividade, não.

Obrigado pelo comentário,
Daniel