Primeiro dá um nome ao teu medo. Não comeces nada sem isto feito. Dá o nome, não leias mais nada.
Era uma vez uma jovem de longos cabelos que foi servir a deusa da sabedoria e da estratégia. Dentro do templo, a sua virgindade profanada pelo deus marítimo valeu-lhe devastadora perdição até hoje conhecida. Não se sabe ao certo os moldes desta sedução (voluntária ou não, que nos mitos gregos quase sempre é forçada). Medusa, "a guardiã", é esta rapariga: de longa cabeleira, tanto quanto se sabe "bela", sucumbindo de alguma forma ao deus emocional das tempestades marítimas. Então, a virgem que é guardada e protegida e que se chama Athena transformou a má guardiã neste monstro horrendo de longas víboras encerrando-lhe o rosto, tornando-se a beleza inicial numa fealdade tal, que todos quantos a olhavam se volviam em pedra. Como se sabe, Medusa acabou por ter a sua cabeça cortada pelo jovem Teseu, o qual usou para a vitória o escudo de Athena (a razão), as sandálias de Hermes (a leveza) e o elmo de Hades (a invisibilidade).
Do sangue derramado da górgona, porém, nasceu Pégaso, filho seu e de Poseidón, que apenas pela morte da primeira foi revelado. Pégaso era o resultado da equação entre a guardiã da razão pelo violento mar, subtraído o terror com a ajuda dos instrumentos referidos.
Do sangue derramado da górgona, porém, nasceu Pégaso, filho seu e de Poseidón, que apenas pela morte da primeira foi revelado. Pégaso era o resultado da equação entre a guardiã da razão pelo violento mar, subtraído o terror com a ajuda dos instrumentos referidos.
Já deste o nome ao teu medo?
Pois então, primeiro que tudo, cuidado com o estupro dos sentimentos sobre a tua beleza inicial, desordenados que te irão em certo ponto surgir e que a tua alma não levantará, diz o poeta, a menos que os carregues já dentro de ti. Acaso surjam o processo está desencadeado para que a tua beleza se volva em qualquer coisa tão horrenda que todos quantos te olhem se transformem em pedra, abandonando-te. Mas se isto acontecer procura dentro de ti este herói munido das ferramentas necessárias: razão, leveza e invisibilidade. No último caso convém explicar que Hades é um deus estratega além de Athena, de certa inspiração maquiavélica, justificando meios com fins. Actua nas paixões tremendamente enterradas e obscuras que levas também já dentro de ti e por estar tão dentro da tua escuridão ele sabe mover-se no que te é invisível. Quando menos esperas Hades está dentro do teu quarto sem que o vejas. Nesse caso, convém que faças dele um teu amigo, pois Hades consegue tudo o que quer no elmo que o oculta. É preciso dizer-te que não se trata de um deus perverso propriamente, muito embora seja também ele dono de um feitio helénico exemplar. É simples, quer ser legitimamente adorado. Adora-o, pois. Sê humilde. É ele que levanta tudo aquilo que está mal dentro de ti e que tu desejas varrer para debaixo do tapete, enterrar vivo na memória. Tudo aquilo que não queres ver ou mostrar é domínio deste deus obscuro, mas todos os três instrumentos que leva Teseu encerram grande poder, por isso atenta no uso que dele faz este herói: corta a cabeça da górgona para que não apenas deixe de nos aterrorizar, como dela nasça também o belo Pégaso, o cavalo alado que é o teu mais puro idílio. E eis que a beleza lhe retorna no filho, à jovem inicial, germinada que foi pelo deus emocional e colhida pelo escudo bem polido da deusa que mal servia, reflectindo-lhe o olhar.
Este é o teu medo, o qual já deves ter neste ponto nomeado. Quando sentires que a emoção te transforma os cabelos pede o escudo à razão, calça-te de leveza e oculta-te: retira-te e planeia de acordo a forma de limpar o subterrâneo. Se matares o monstro, o cavalo é teu. Dá para voar. Não é prémio que valha enfrentar o medo que deves ter já de início nomeado? O poder não o uses senão para matar a górgona, pois para isso te foi dado, mas podes sempre escolher entre ela e um cavalo alado.
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