Monogamia & Ciúme
Uma relação monogâmica pressupõe, obrigatoriamente, exclusividade: de amor, de (possível) “conjugalidade” entre dois seres. Essa exclusividade conduz, naturalmente, ao sentimento de posse. Se pretendemos exclusividade sobre determinada relação, sobre determinada pessoa/coisa, deveremos sentir-nos um pouco proprietários da mesma.
Embarcando no sentimento de posse, acontece não querermos partilhar. O ciúme bate à porta. Não queremos ser confrontados com o desejo de outras pessoas pelo que possuímos, nem pela disponibilidade de ser partilhado(a) que pode existir na nossa “propriedade”.
Embarcando no sentimento de posse, acontece não querermos partilhar. O ciúme bate à porta. Não queremos ser confrontados com o desejo de outras pessoas pelo que possuímos, nem pela disponibilidade de ser partilhado(a) que pode existir na nossa “propriedade”.
Por isso, o ciúme não surge apenas em relações amorosas nem sequer entre seres da mesma espécie.
Amor & Ciúme
É um erro atribuir uma relação de causa / consequência ao binómio amor-ciúme.
O amor não gera o ciúme.
Quando ouvia comentários sobre o assunto, quando me diziam que “se não tens ciúmes é porque não amas (de verdade)”, costumava pensar (e mais tarde comecei a responder): “se tens ciúmes é porque não amas”, porque me parecia ridículo que um sentimento tão maravilhoso como o amor pudesse gerar alto tão rasteiro quanto o ciúme.
Um dia percebi.
Não existe ligação entre o ciúme e amor. São dois sentimentos distintos, independentes e não relacionados.
O que confundia e ainda confunde tanta gente é o facto de, geralmente, numa relação, amor e ciúme serem uma presença regular. O que é de lamentar. Eu também ando vestido constantemente, mas a roupa não faz parte do meu corpo :-D
A origem da besta
Acredito que o ciúme resulta do desejo de exclusividade e do sentimento de posse. Não penso, no entanto, que estes dois conceitos, por si só, permitam explicar a sua origem.
Por que razão sentir o desejo de exclusividade por algo nos conduz ao desejo de não partilhar?
Afinal, se eu empresto livros, CDs, ou outro objecto, são meus, espero recebê-los de volta. Desde que não os estraguem, não há problema. Retenho a minha propriedade e o seu usufruto.
E o problema surge justamente aqui, na propriedade e usufruto.
Como os seres vivos não são objectos passivos, podem decidir não querer ser usufruídos por nós. E passarem a ser usufruídos por outrem.
Mas, mesmo assim, não se explica por que razão a perda da propriedade/exclusividade sobre a relação gera o ciúme. Afinal, se o CD vier estragado pode-se sempre arranjar outro. Ou pode acontecer que não consideremos a perda do CD como relevante para o nosso bem-estar ou até mesmo para a nossa felicidade.
E aqui parece estar a raiz do ciúme:
No medo de que, ao perder a propriedade e o usufruto, sejamos afectados de modo irreparável, ou pelo menos, doloroso.
O ciúme resulta da crença, do sentir, que a felicidade ou simplesmente o bem-estar (emocional ou material), dependem da presença de determinada pessoa/objecto na nossa vida.
Também existe quem sinta que a partilha afecta de alguma forma o que se “possui”. Que se tem menos ou se é menos por partilhar, como se a nossa pessoa se realizasse na posse de alguém ou algo. Como se tivéssemos de ser “tão bons” que bastássemos para o(a) outro(a) e, consequentemente, como se fôssemos menos pessoas, menos homens ou mulheres por partilhar, por não ter a exclusividade do usufruto (ou até do desejo) de quem, ou do que, se possui.
As pessoas ciumentas transferem para outra pessoa/coisa a “obrigação” de lhes proporcionar aquilo que elas não conseguem encontrar dentro delas.
A imaturidade desta forma de sentir é óbvia.
As voltas que as pessoas dão para o esconder, para dar ao ciúme uma capa de legitimidade/utilidade, são impressionantes.
Um tributo à imensa capacidade do ser humano para se auto-iludir.
Hélder Palma
1 comentário:
Helder, eu só tenho uma relação verdadeiramente poli e é com as minhas gatas. Somos 3. A mais velha foi a que ficou mais chateada quando veio a pequena. Eu realmente amo as duas da mesma forma, embora elas compitam um pouco pelo privilégio de dormir encostadas a mim. A questão é esta: eu não me posso virar para a mais velha e dizer: "Olha, não sou a tua despensa! Ou me aceitas por gostar de mais gatos ou vais para rua". Isso ia magoá-la e eu adoro-a. A minha estratégia para vivermos todas felizes debaixo do mesmo tecto é repartir atentamente o carinho, as whiskas e o respeito. Eu entendo que partilhar o caixote de areia seja para ela uma questão muito incómoda, que exige habituação e generosidade. Até porque ela não pediu a outra, apareceu-lhe (e chegou depois, pormenor territorial/irracional importante). Agora sinto que ela está mais calma, até tenta brincar com a pequena (ainda lhe sai com muita força, mas está a tentar) e até acho que começa a perceber que há certas vantagens em ter com quem correr, porque eu não corria grande coisa. E agora também não tem que apanhar comigo a toda a hora, porque a outra também me atura. Ela começa a ver vantagens e eu asseguro que o caixote está limpo para as duas, o que me requer duplo esforço.
Eu acho que é preciso muito carinho, muito "não te preocupes que eu gosto de ti", "vai dar tudo certo, tem calma". O medo de se perder uma coisa que se ama é real e eu não vou dizer que não o entenda perfeitamente - eu não sou assim tão zen. Então, a mim apetece-me dizer "não vais perder, não vais perder por causa de outra pessoa. Quando muito perdes porque já não dá para falar, já não nos amamos". Sem dúvida que ninguém nos vai preencher "o sentido da vida" ao ponto de que quando essa pessoa desaparece perdes-te completamente. Até aí, absoluto acordo. Mas queria só acrescentar, que eu penso que não faz mal termos um pouquinho de paciência e capacidade de nos tranquilizar uns aos outros, porque isso é carinhoso e faz parte do amor. Que dizes? Bj
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