O post da antidote de há uns dias motivou-me a também falar um pouco sobre queer.
Não indo mais longe que a Wikipédia, descobre-se que a palavra já vem da Idade Média, com o seu significado de "estranho, esquisito". Foi preciso esperar até à viragem entre os séculos XIX e XX para que alguém começasse a conotar a palavra com orientações sexuais específicas.
Eventualmente, a palavra queer foi novamente reclamada e reconceptualizada (tal como galdérix, no nosso caso), tanto para denotar essas orientações, como também para denotar uma outra coisa, que está muito mais intimamente ligada com queer: a de estranheza.
E precisamente por causa dessa estranheza é que Teresa de Lauretis, em 1990, utilizou a palavra num outro contexto: "Teoria Queer". Porquê teoria? Bem, porque a concepção corrente do que é queer deve-se fundamentalmente a Michel Foucault (terão certamente já reparado que eu falo bastante dele) e muitas outras pessoas que a partir das reflexões dele trabalharam (Sedgwick, Butler, Rich, etc). Michel Foucault adopta uma perspectiva pós-estruturalista na sua análise (em especial a que leva a cabo no primeiro volume de A História da Sexualidade), e questiona a ideia que a nossa identidade de género ou orientação sexual possam dizer algo de fundamental/essencial/estrutural sobre o indivíduo humano.
Este afastamento do essencialismo vem então reenquadrar a questão em torno não de identidades, mas de normas, e do normativo. Queer é e não é uma identidade. É uma identidade no sentido em que supõe uma certa postura, um certo conjunto de valores em torno do questionamento; não é uma identidade no sentido em que não pretende apontar para uma verdade última sobre o sujeito que subscreve esta palavra, mas o oposto disso. A impossibilidade de uma verdade última, fundamental. Daí que se pode ser lésbica, e lésbica queer. Daí que se pode ser heterossexual e heterossexual queer.
Queer, precisamente por causa desta posição dúplice, é uma palavra que pode estar sozinha (sem que com isso aponte para orientações) ou que pode complementar, classificar, outras identidades. Queer implica ter uma visão de identidade que está baseada em transiência.
O poliamor é, por várias razões, uma identidade queer. Primeiro, não prescreve um modo de comportamento específico. Segundo, pretende contribuir para a dissolução do discurso binarista e essencialista sobre o género, sexo e orientação. Terceiro, estabelece-se como contraposição a posições normativas.
Não obstante, não é por o poliamor ser uma identidade queer que qualquer pessoa que se identifique como poliamorosa seja automaticamente queer. Qualquer prática, qualquer identidade, pode ser normativizada. Em acções, em palavras, em posicionamentos ideológicos. Convém não esquecer: a pessoa que inventou a expressão "Teoria Queer" abandonou-a e rejeitou-a pouco depois. Achou-a normativizada, apoderada pelo mainstream que pretendia especificamente criticar.
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