sábado, 28 de agosto de 2010

Desse lugar de medo…

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«We are crazy but who cares
To our heaven there are stairs»
Xandria, Only For the Stars in your Eyes


Há uns dias alguém me recordou o que eu mesma havia dito há algum tempo. Que foi com medo que comecei a melhor coisa da minha vida.

Há um ano atrás a minha vida estava uma confusão e eu descobria que gostava também de mulheres, para além de homens. Aliás, descobria que gostava bastante mais de mulheres. Tão mais que a carapuça da bissexualidade me serviu pouco tempo. Sou lésbica, sou queer, sou apaixonada pelo meu companheiro, sim, um homem. Foi com ele que comecei a minha primeira relação (que poderíamos dizer “séria”, não gosto do termo, prefiro queer, de novo) a nível afectivo, amoroso, sexual.
Foi com ele que comecei a coisa mais assustadora da minha vida. Uma das melhores. Eu que, ano antes, não sabia que existia uma não-monogamia que não fosse traição (a vida fez-me dolorosamente odiar este termo e prática). Poliamor (quando me falaram nele) era conceito abstracto, idealista. Agradou-me o paganismo da coisa. Mas claro, «é muito interessante, mas eu sou uma pessoa egoísta e quero alguém só para mim». Durante muito tempo disse e acreditei nisto. Mesmo quanto mais entendia intelectualmente o conceito, continuava a sentir que tal prática me seria impossível. Não me atrevi a reconhecer que estava apaixonada até o ter a dizer-me o que sentia, de forma muito honesta. Bloqueei. A minha mente ficou em branco. Momento de loucura, momento de lucidez, arrisquei. E de repente estava numa relação com uma pessoa que tinha duas companheiras além de mim. Aquilo que era assustador tornou-se belo, entusiasmante, uma descoberta, uma via de crescimento.

Eu já me havia debatido contra o mundo uma série de vezes antes: como pagã numa família católica, como gótica numa escola pública, como bissexual, até como mulher. As minhas lutas tinham sido muitas e tinham, tantas vezes, exaurido as minhas forças. Prepararam-me para esta nova luta. A discriminação quase atingiu monstruosidades. E eu recusei, mais uma vez, o silêncio. Falar era a minha luta. E é. Desse lugar de medo derrubaram-se muitas das barreiras que eu erguia entre mim e o mundo, entre mim e os olhares dos outros. Comecei a aceitar olhares, toques, ajuda, protecção, amor. A loucura saudável da minha vida trouxe-me aqui. Quero continuar.

Inês

1 comentário:

Marquesa do Sado disse...

Inês,
gosto muito de pessoas que admitem ter medo, porque realmente eu acho que são sempre as mais corajosas. É que há quem nem sequer queira falar ou pensar nisso. Escrevi sobre "medo" outra vez. Tem uma receitinha, vamos lá ver se achas graça. Beijo