sábado, 24 de julho de 2010

Tema de polyamor: MEDO

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Medo de nos expormos, de expor a fragilidade; de nos perdermos, de perder a individualidade; de nos controlarem, de querer controlar; de dar sem receber, de nos darmos, de receber uma coisa que não conhecemos: uma pessoa, uma ideia, uma coisa externa que nos pode danificar. Medo de sermos nós mesmos e de que isso não seja o suficiente, de fazer figura de parva; de que não estejas a trabalhar e de telefonar. Medo. Medo de perder, de não estar à altura da situação, da solidão, de partilhar, de que nos achem feios ou estúpidos ou simplesmente vulgares. Medo de perder o momento, medo de o forçar. Medo do amor e todas as estratégias que temos para o evitar. Medo das mentiras, mas não tenho medo das verdades.
A gente tenta amar e genuinamente estamos até imbuídos do desejo. Mas o desejo não é uma coisa assim tão carnal, pelo menos para mim não é. O desejo é assim uma coisa de ir comer um geladinho à praia, de fazer um programa, de ver televisão com alguém no sofá. E de ver a Medicina de Grey, poder ser pateta, poder ser sentimental. Aquelas coisas de "Quem é que vai levar o lixo lá fora" também fazem parte do desejo. Mas para mim não há como a pergunta "Como estás?", genuinamente enunciada. E uma pessoa responde: "Estou apavorada. Sinto o medo eriçar-me o cabelo, transformo-me numa górgona, eu que era o teu jardim". Tento controlar, mas não a mim, claro, senão o comportamento alheio. Sou uma manipuladora, embora sem qualquer convicção. Não acredito muito que a gente se controle uns aos outros. Pelo menos eu não sou muito controlável e nunca estive com quem o fosse. Por isso, quando começo agora a sentir o medo digo logo: "Bye-bye, sayonara, antes que me transforme numa górgona, o que é em si lamentável e de uma tristeza infinita".
Estou neste momento fechada na minha cabeça. Não me apetece sair, nem estar com vivalma. Durante umas semanas em que amei senti que o meu sótão se desarrumava, eu que tinha cuidadosamente empilhado os caixotes. De repente começaram a saltar os macacos e a partir tudo. Fiz uma coisa boa: não os deixei realmente sair do quarto, não bateram a mais ninguém. A sério, estou orgulhosa (deixem-me estar orgulhosa do que seja, porque de resto só tenho vergonha). Os macacos o que gostam é de bananas, por isso cá estou a cultivar o meu bananal. Não creio ser realmente possível extingui-los, eu pelo menos já tentei, fiz de tudo e eles voltam sempre a espreitar. Tenho que os domesticar em vez de tentar caçar. Tentar ouvir o que me querem dizer. Se tenho medo, também acho que o devo escutar, porque o medo é protector e a protecção é coisa inteligente, não? O meu medo (lol) é que, algures no caminho, entre a porrada em que andei metida, tenha desenvolvido uma espécie de "alergia ao amor". Assim como se na presença do mesmo o meu corpo o identificasse por matéria nociva e começasse a produzir uns anti-corpos que não têm nada a ver, privando-me.

Olhem, é só. Não há conclusão. Há só eu aqui a partilhar com vocês que o amor me dá medo e que isto do poly não acho muito diferente do resto. Eu nunca acreditei na posse realmente, sempre acreditei no voluntariado. O medo é aquela coisa a que estou até habituada porque trabalho no palco (pas si charmant). Mas o palco é tão mais simples do que o coração. No palco é-me mais fácil ser eu mesma, aqui não. Meto os pés pelas mãos, sou um verdadeiro desastre ambulante, sorridente, com a mania de que é elegante. É patético.

Queria encontrar um mundo em que nós nos disséssemos uns aos outros: "Também tenho medo". E a seguir cultivávamos um bananal entre todos, cheio de amor para trocarmos como cromos. E íamos enchendo as cadernetas uns dos outros, sem nos roubarmos, sem querer ficar com tudo só para nós. Mas a culpa é dos macacos. Os macacos têm medo da fome. Há alguma maneira de dizer aos macacos: "Hey! chega para todos..."?

(Isto escrevi num dia em que estava pendurada como Thor na árvore, virada do avesso. E resolvi partilhar na esperança de alguém ler e poder dizer "Já estive aí" ou "Ainda estou". Então este texto responde: "Calma, respira, vai ficar um bocadinho só. Repara que o teu problema é teu, desta vez não o atires a ninguém". Eu adoro estas oportunidades de contactar com o pior de mim mesma, porque a seguir há sempre revolução. É importante, se alguma cabeça rolar que seja a tua. A velha. E que a seguir te cresça nova.)

Marquesa do Sado

5 comentários:

Pedro Luis disse...

Advertência: O que se segue não é uma resposta directa ao post, mas lê-lo suscitou-me pensar no que se segue.

Mono ou poli, há em muitos de nós aquela coisa, medo, de se ser preterido face a um outro ou outra coisa. O outro quer estar com outra pessoa porque perdemos importância para ele? Tem menos tempo para nós porque já não somos significativos, porque já não me deseja? É-se menos amado?

Amar como forma de se ser amado? De procurar no exterior (o outro) uma compensação para algo que não está bem cá dentro, de procurar o amor-próprio perdido, a auto-confiança destruída, a segurança fragilizada?

Não acho que as relações devam servir de contra-peso para o que falta cá dentro, próteses afectivas.
E o que dizer de se ser o centro do mundo de outro?
"Só penso em ti" parece-em uma doença incapacitante...

Chamem-me amorofóbico, se quiserem, mas acho que estarão errados se o fizerem. Mas parece-me difícil ser-se poliamoroso se se procura ser ou se é o centro mundo para alguém?

"És tudo para mim..."

É uma chantagem, dá-se tudo, portanto, exige-se tudo em compensação. Demanda-se que de volta o outro seja também tudo para nós e que a nossa vida passe a representar correctamente esta ordem das coisas. No fundo, uma replicação do afecto paternal ou maternal, os nossos pais convenceram-nos que eram-mos o centro do mundo e de volta do mundo não aceitamos menos do que isso.

Peço desculpa pelo ácido.

Anónimo disse...

Para dizer que gostei muito do texto. E que foi com medo que comecei uma das melhores coisas da minha vida. E que é com medo que começarei outras.

Beijos,

Inês

Fátima Marques disse...

Gostei imenso do teu post. Comoveu-me. Porque é tão humano e tão próximo. Eu também tenho medo. Mas acredito no fundo da minha alma que há bananas para todos :-) e que o resto, a ideia da carência é só uma fantasia que nos é impingida há tanto tempo que até parece verdade.
"Uma coisa que nos impede de progredir é o próprio passado que nos ensinou o medo do amor. Se “não-amor” foi disfarçado de amor, uma criança aprende a proteger-se do amor. A expectativa deste provoca a insuportável dor do desamor. Se encontrarmos então o verdadeiro amor, ele mete-nos medo e tentamos provocar uma reacção negativa de quem nos ama a fim de o podermos rotular de falso."
In “Falsos Deuses” de Arno Gruen

Fátima

Anónimo disse...

Fátima, Inês e Pedro: como vos entendo aos três.

Daniel: que raio de foto é essa do macaco a pensar na vida??? Lol lol lol

Sim, há muitos apuramentos a fazer, temos de ter imensa coragem, mejor dicho que hecho, etc. Mas nós vamos conseguir e em parte é porque nos temos uns aos outros. Beijo grande para todos. Obrigada. ;)

Marquesa

Daniel Cardoso disse...

Ahem ahem: a foto do macaco não fui eu! :D