Foi, aqui há uns dias, caracterizado de "animalesco" o meu comportamento.
Animalesco porque tenho uma relação com duas mulheres simultaneamente, com o consentimento delas, com a anuência de todas as partes envolvidas e que, até agora, tem estado a correr maravilhosamente bem. Tenho problemas em admitir, apesar de O Aberto, que se possa simplesmente elidir desta forma diferentes tipos de comportamento. Até porque o dicionário mostra que o uso informal da palavra aponta para significados ainda menos simpáticos do que o académico presente em O Aberto - e eram esses certamente que estariam na mente da pessoa que fez o comentário - neste caso, o meu progenitor masculino.
Repare-se como é um recurso habitual das práticas de discriminação a tentativa de desumanizar quem se discrimina. Caso máximo presente, claro, no Nazismo, que via em tudo quanto não fosse ariano uma espécie sub-óptima de humano, ou mesmo um quase-humano. (Vamos momentaneamente ignorar as contradições flagrantes, sim?) Que sentido, porém, pode ter aqui este animalesco? Terá que ver com supostas práticas sexuais? Bem, uma coisa é certa: não tenho quaisquer planos de um dia chegar a este nível!
A verdade é que eu não acho que tenha que ver com comportamentos sexuais. Ou que, se tem, isso apenas é válido a um nível superficial. O mais importante aqui é a sensação de pânico que nos pode atacar quando perdemos as referências. Quando um referencial que consideramos natural se revela na sua posição total de construção, corre-se o risco de uma desnaturalização do próprio sujeito - do sujeito baseado nesses tais referenciais naturalizados. Para evitar isto, desqualifica-se a ameaça a priori. A ameaça torna-se inerte porque não chega a ser validada na sua componente argumentativa.
Obviamente, eu recuso este tipo de proposta. Pouco me importa que me classifiquem de animalesco - a variedade de comportamentos no reino animal é de tal ordem grande que o insulto perde a força. Se todas as possíveis iterações de comportamento são verificáveis entre os (outros) animais, então todas as possíveis iterações de comportamento são animalescas, não é? Ficamos então agarrad@s à pergunta: 'o que é que não é animalesco?' Mas aí não estamos a definir necessariamente o que é caracteristicamente humano, e apenas a definir o que não é caracteristicamente animal, pelo que chegamos ao mesmo sítio: a lado nenhum.
E como a mais estrita monogamia pode ser encontrada no reino animal, então isso também é animalesco. Ou então, há sempre a opção C: parar de tentar desumanizar as pessoas com quem não concordamos. Parece-vos bem?
3 comentários:
Só me apetece dar-te um abraço. Forte. Pleno.
Di
Obrigado, Di. :)
"Ou então, há sempre a opção C: parar de tentar desumanizar as pessoas com quem não concordamos. Parece-vos bem?"
Parece-me essencial :)
Niz
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