sexta-feira, 26 de março de 2010

Dar

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Estava eu ontem pelo Facebook quando vi um comentário, dirigido a I., sobre como é bom "entregar o coração a alguém".

Algo naquele comentário me fez comichão: não revi numa afirmação dessas uma relação poly. Porque, se é suposto a metáfora fazer sentido, corações só temos um, e se o entregamos ou damos, perdemos sobre ele a posse (e, por conseguinte, só o conseguimos dar uma vez de cada vez e ainda temos que contar com a boa-vontade de nos devolverem o material; isto é algo de difícil fé, que o diga quem já emprestou um livro e acabou a emprestadá-lo sem o querer fazer).

Avancei direito para o botão "Comentar" e comecei a escrever - pouco! - sobre também ser bom não dar o coração, e sim abrir nele um espaço, dentro da possibilidade de espaços infinitos que está no coração.

Só que também não gostei da minha própria emenda, e então refiz - sem apagar, no mesmo comentário, na continuação da linha de pensamento, sem revisionismo - a ideia, que agora submeto ao vosso comentário.
A metáfora do espaço também não é boa... Por muito que se lhe cole o infinito, há sempre aquela sensação de dimensão, de volume, de cheio ou vazio, de uma série de medidas - tendencialmente finitas? - que contrariavam o espírito do que eu pretendia dizer. Então, porque não substituir o "espaço" por "vontade"? Já me parecia melhor - veio-me à cabeça a frase "eu quero estar contigo", que me soa melhor do que "eu quero que sejas meu/minha". Vontade de quê, no entanto? Vontade de partilhar? Mas partilhar também volta a remeter para a posse, não era isso que eu queria fazer passar naquele comentário... Surgiu-me então a boa palavra: comunhão.

Vontade de comunhão.

Só para me certificar de possíveis leituras secundárias que me estariam a escapar, dei um pulo ao dicionário da Priberam. Procurei "comunhão". Aí está: "1 - Participação em comum". Era isso mesmo. Eu tenho a vontade de participar em alguém e com alguém em algo - uma relação. E é a possibilidade concretizada de realizar essa comunhão que me faz sentir muito bem da vida. Em duplicado.

1 comentário:

Anónimo disse...

é muito dificil desconstruir tudo isto para os outros, e inclusivamente descreve-lo de uma forma positivista para nos mesmos. Obviamente todos temos o mesmo em mente, a capacidade de partilha de tempo com mais do que uma pessoa (coisa que já fazemos tendo vários amigos), a liberdade emocional, a honestidade para conosco mesmos. Eu gosto de ter mais do que uma pessoa com quem posso passar tempo, mais do que uma pessoa por quem nutro uma "estima" e uma intimidade especial, e com quem gosto de estar. Não há ninguém que me possa dar todas as coisas que preciso, mas há várias pessoas. O mundo está cheio de peças do meu puzzle.