domingo, 19 de julho de 2009

Poly-cidadania

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Para Charles Fourier (1772-1837), tal como posteriormente para Wilhelm Reich, as necessidades individuais mais privadas de cada ser humano são parte do respectivo “eu” social. Devem, portanto, ter uma resposta também social, vinda dos representantes da colectividade. Fourier propõe a difusão do poliamorismo ao serviço do aumento da felicidade colectiva, aumento que por sua vez resulta da máxima atenção à satisfação dessas necessidades.
Na ordem social imaginada por Fourier a erradicação do ciúme, por exemplo, aconteceria naturalmente porque toda a gente saberia assegurada por lei a sua felicidade privada - consistisse essa felicidade em relações exclusivamente sexuais, exclusivamente afectivas ou um misto das duas. O individualismo combater-se-ia exercendo a cidadania… mas este exercício incluiria prestar favores afectivos e sexuais a outrem sob a forma de impostos.
Fourier concebe um “eu” em que os impulsos privados se colocam ao serviço do colectivo; em contrapartida, o “eu” tem a garantia de que o colectivo lhos satisfará. Postulando por assim dizer que a administração pública assegure “quotas mínimas individuais de felicidade sexual e/ou afectiva” , Fourier antecipa e inspira uma visão mais complexa dos direitos fundamentais .
Para Fourier uma vida social de qualidade pressupõe - para além do usufruto dos direitos de expressão e associação, de uma quota mínima de subsistência material, etc - a satisfação de necessidades quer afectivas quer sexuais. E, assim como cada indivíduo tem o direito a que a sociedade lhe satisfaça essas necessidades, tem obrigação de contribuir para que a sociedade por seu intermédio as satisfaça a outrem.
O complexo sistema social que Fourier inventa para assegurar o equilíbrio dessa troca de serviços usa o poliamorismo como o instrumento mais adequado de “engenharia social” - e compreende-se porquê. Os serviços sexuais e afectivos são um “capital”, uma “riqueza”. Para além das relações sexuais e afectivas gratuitas (sobretudo, as inseridas no vínculo monogâmico em que dois seres se “possuem” mutuamente de forma exclusiva), as relações transaccionam-se: há tabelas de preços para trabalhadores/as do sexo, assim como para profissionais de acompanhamento da saúde mental ou personal trainers no domínio da auto-confiança ou de qualquer fragilidade do eu....
O poliamorismo é um tipo de vínculo tendencialmente não-comercial, inclusivo e mais alargado do que a monogamia. Aparece coerentemente em Fourier como a forma mais “justa” e “generosa” de distribuição da riqueza sexo-afectiva numa sociedade, ontem como hoje, carente.

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