domingo, 12 de julho de 2009

4ª Marcha do Orgulho LGBT do Porto: entre a Família-Fortaleza e Charles Fourier

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O manifesto da ontem realizada 4ª Marcha do Orgulho LGBT do Porto apela ao casamento civil para tod@s, ou seja, ao direito dos indivíduos do mesmo sexo a adoptarem valores familistas, mas articula isso com o apelo ao reconhecimento de modelos familiares alternativos. Equilibra o desejo de adesão a um universo binário de 'respeitabilidade burguesa' com a dessacralização desse universo, salvaguardando a crítica ao familismo.
O familismo assenta numa representação do casamento (em Portugal, monogâmico e maximamente 'proprietário') como o vínculo social básico, a par com a parentalidade. Propõe o modelo da ‘família-fortaleza’- uma estrutura poligâmica ou monogâmica, 'alargada' ou 'nuclear'. Caracteriza-se pela hierarquia e promoção da ajuda inter-membros à custa da redução da autonomia individual. No interior da 'fortaleza' o poder distribui-se de acordo com o sexo e a idade: o homem, marido, é cabeça-de-casal e ganha-pão; a(s) mulher(es), esposa(s), cuida(m) de tod@s e coloca(m) as necessidades próprias em último lugar; filhos e filhas são obedientes e dependentes de pai e mãe(s). Os adultos activos dominam os restantes membros e responsabilizam-se pela sua educação e/ou apoio.
A família-fortaleza cria um espaço claustrofóbico que propicia o abuso de poder e a violação de direitos. No seu interior acontece a violência doméstica, tipicamente exercida pelo marido contra a(s) esposa(s); acontece o abuso de menores por familiares adultos, que constituem a categoria mais comum de abusadores sexuais de menores. Desde o ‘home-schooling’ ao ‘cárcere privado’, os membros, sujeitos a pressões, perdem, mais ou menos gravemente, a privacidade e autonomia.
Mas o sentimento de responsabilização de tod@s por tod@s (‘um por todos, todos por um’) também pode ser visto como aconchegante e até como cada vez mais necessário face a um exterior crescentemente hostil, onde grassa o desemprego, pobreza e desinformação. E a família-fortaleza é, nalgumas sociedades, o apoio mais importante, se não único, de crianças e seniores.
A população LGBT portuguesa vive numa sociedade duplamente agressiva. Além dos problemas da imensa maioria da população hetero, os LGBT jovens ou seniores, em especial, correm risco de suicídio aumentado pela solidão e/ou falta de apoio; a esse risco acresce, em todas as idades, o de doenças mentais socialmente induzidas - sobretudo sobre aquel@s LGBT que contrariam os códigos de aparência. Em suma, os LGBT precisam, ainda mais que os hetero, do suporte emocional e pragmático que ainda hoje a estrutura familiar dá. E isso implica um regresso à família-fortaleza? Talvez não.
As ideias de Charles Fourier (1772-1837) eram o tema original deste post. Fourier imaginou um modelo de família centrado no poliamor (hetero e homo), na livre escolha, na partilha de objectivos e interesses e, sobretudo, na criação de estruturas de apoio (inclusive sexual) aos membros desfavorecidos. O Manifesto da Marcha de ontem termina com: ‘Na felicidade e na dor, o que faz a família é o amor’. Ele subscreveria essa frase.
No próximo Domingo veremos se as ideias de Fourier podem ou não inspirar o manifesto da Marcha de 2010.

1 comentário:

Shakil disse...

Mas será conveniente que a familia-fortaleza (espaço de dominio e defesa) poderá ser substituida pela familia-interface (espaço de fluxos e de passagem)?

*pergunta de um membro da ala conservadora da ex aequo*