Um pouco por todos os média, vamos recebendo alguma representação que dá visibilidade a outras formas de viver relações. Desde artigos em plataformas como o Guardian ou o New York Post – a representação em séries televisivas como Sense8, Elite ou You Me Her (que em breve terá neste blog um post dedicado) – constrói-se a pouco e pouco o espaço social em que se reconhecem outras formas de nos relacionarmos do que a não-monogamia.
Como tantas outras formas de vivência radicais e subrepresentadas, a pouca visibilidade que ganhamos vem frequentemente a custo do reforço de mitos e preconceitos já bem enraizados na cultura. Como tal, apresentamos uma crítica aos principais mitos sobre as não monogamias, aproveitando para esclarecer a posição do PolyPortugal em relação ao que é (ou não) o poliamor; sobre os princípios que a orienta; os diferentes tipos de relações não-monogâmicas; e como podem saber mais sobre a comunidade poli.
Mito 1: “Poliamor? Queres dizer poligamia? Ou é uma relação aberta?”
Se até aqui nunca ouviram muito falar sobre outras formas de relacionamento além da monogamia, provavelmente quando ouvem “não-monogamia” lembram-se de poligamia ou de relações abertas. A verdade é que as NMC são um umbrella term para muitas formas muito variadas de ver e viver as relações, e mais à frente vou falar de algumas das mais comuns.
- Poligamia refere-se ao casamento entre várias pessoas, geralmente referindo-se a práticas culturais específicas como as que conhecemos do médio-oriente, e não é representativo de todo do que nos referimos a NMC.
- Relações abertas por outro lado já podem ser uma das configurações possíveis quando se pensa em NMC mas é um termo suficientemente lato e banal que acaba por vezes também por atirar ao lado em relação aquilo que são as NMC. Isto porque as relações abertas como representadas no mainstream provavelmente não fazem jus à parte “consensual” e “ética” do termo, que nos leva a um segundo mito.
Mito 2: “Poliamor é só uma desculpa para trair
E esse segundo mito é que a não-monogamia é traição ou desculpa para trair ou um termo pomposo para se referir às hookups ou às relações sexuais mais casuais. Não se trata de nenhuma dessas coisas, e é por isso que está lá o “CONSENSUAL”. Traição é quando existe uma quebra de confiança, uma quebra de acordos que se têm na relação com alguém.
Numa relação em que a exclusividade emocional e/ou sexual não faz parte do acordo da relação, não se pode falar em traição em relação a esse aspeto: mas existe na mesma uma base de confiança e acordos entre as pessoas que podem ser quebrados. Por outras palavras, também pode existir traição em NMC, mas NMC não é traição.
Quer isto dizer que coisas como ter “side chicks” ou “relações abertas em que só uma das pessoas é que sabe que é aberta” não fazem parte deste debate porque são práticas não consensuais e não-éticas.
Mito 3: “O poliamor é superior/mais evoluído do que a monogamia”
Uma terceira ideia que por vezes se ouve falar das NMC, por vezes até entre pessoas não-monogâmicas, é que a não-monogamia é “evolutivamente ou biologicamente superior ou mais evoluída”. O contrário também se ouve, pelo menos segundo juízos morais ou de qualidade de sentimentos, mas a nossa posição é todavia clara: não interessa rigorosamente para nada o que é mais ou menos evoluído.
Não é melhor nem pior ser mono ou não-mono, o que importa é que cada um faça o que é melhor para si e que o faça de forma ética, consensual e honesta. E mesmo que ouçam pessoas a dizer que uma coisa ou outra é mais evoluída, isso não é representativo da comunidade nem faz parte do que realmente importa quando se pensa nesta forma de ver as relações.
Mito 4: “A não-monogamia é uma idealização masculina e só reforça a subjugação feminina na sociedade”
Um último aspeto a desmistificar antes de falar mais especificamente sobre o que são afinal as NMC é que a não-monogamia é “anti-feminista”. É importante reforçar mais uma vez que estamos aqui a falar de NM CONSENSUAL, e não de práticas de desonestidade ou traição no seio de relações monogâmicas.
De um ponto de vista pessoal, uma das coisas que me fez clicar sobre as NMC quando primeiro as descobri e comecei a ler mais sobre o assunto, foi perceber o potencial que tem de resistência às estruturas normativas opressivas da sociedade, entre elas a versão tóxica da monogâmica que naturalmente afeta diferente pessoas que não são homens cis heterossexuais.
Posto isto, a comunidade não-mono está longe de ser um conjunto de pessoas iluminadas e super desconstruídas: há naturalmente muito privilégio, preconceito, e opressão nesta comunidade como em qualquer outra. O que eu quero dizer é que a não-monogamia não é per se opressiva e, pelo contrário, quando vivida de forma ética e consensual pode ser um auxílio ao empoderamento e à libertação de estruturas opressivas.