Recentemente fui convidada a ajudar na concretização de um artigo, bem como o Daniel. Este consistia em explorar o poliamor – foram-nos enviadas questões que ajudassem a construir o que a jornalista pretendia realizar. Numa sociedade tão mononormativa parece-me óbvio que se valorizem os trabalhos feitos nesse sentido: o da desconstrução.
Antes de passar à parte em que explico as motivações de estar a escrever este artigo quero explicar que da minha parte, responder a perguntas com uma data limite e alguma pressão, deixa-me ansiosa e acaba por gastar do tempo que posso utilizar para mim. Se o faço é com a consciência da importância de levar a outras pessoas a minha experiência e sobretudo a forma como a minha felicidade está para lá dos socialmente correctos. Aquilo que espero que aconteça com as coisas que digo é que sejam utilizadas de forma honesta. Quando isso não acontece é revoltante. Estamos a contribuir para o que afinal?
Posto isso, quando li o artigo pensei que estava devidamente apresentado. Li em simultâneo com um dos meus amores que ficou claramente revoltade quando lê que também elx estava numa relação com outra parceira minha. Tentei justificar que eu nunca disse isso, que não entendia porque é que tinha sido colocado dessa forma. Imaginei ser um erro de interpretação da parte da jornalista, a qual contactei a explicar que essa parte estava errada através de e-mail – o qual não opti resposta até hoje.
Rapidamente percebi que o título não fazia jus a uma das minhas respostas. Porquê que um só amor não basta? "Eu não defendo a ideia de que o poliamor é a resposta a: um amor não basta. O poliamor é a resposta a uma liberdade individual e relacional, consequentemente. É trabalhar os ciúmes, a comunicação e a possessividade." A primeira frase não foi colocada no artigo, tudo o resto que a acompanha sim. No entanto quando li as respostas do Daniel fiquei com a sensação de que ele se mostrava concordar com essa ideia de que apenas um amor não basta. Respeitei que não fosse apenas a minha opinião que contasse, que talvez ele tivesse essa linha de pensamento que acabava por sustentar o título do artigo. Surpresa – ele não tem essa linha de pensamento. Aliás, também a resposta dele não foi colocada por inteiro. Novamente a primeira parte da resposta não foi colocada.
No fundo a jornalista não queria motivos para ter que alterar o título sendo que este é geralmente o que faz um artigo - é aquele que incentiva a leitura do público, ou não. Isto é tudo muito bonito se o título fosse de encontro com aquilo que foi respondido pelas pessoas poliamorosas. Desta forma é só uma estratégia que atropela duas vozes. Honestamente? Estou cansada que me atropelem a voz. Vejo também no Daniel uma enorme responsabilidade quando responde a este tipo de questões. Com a consciência de uma percepção masculina, com o activismo e toda a informação que tem, se existir uma má interpretação da leitura isso irá reflectir-se nos olhos sociais que o podem ler de forma errada, afectando o seu Eu bem como o das companheiras devido a esta sociedade heterocismonormativa e machista.
Quando nos dão o "poder" de falar, quem o faz tem que ser consciente relativamente ao trabalho que está a apresentar. Um mau jornalismo significa a entrega de uma má informação. Leitorxs desinformadxs geram ignorância, esta pode influenciar a forma como reagem a realidades que não as que conhecem. Não devia o jornalismo fazer o oposto? Sim. Oferecer informação, consciencialização e sobretudo ferramentas para a exploração de outras formas de viver as relações: românticas ou não.
Para finalizar: porquê que um amor não basta? Um amor basta se eu disser que basta – no entanto ninguém pergunta porquê que uma só amizade não basta. A sociedade é que exige um único amor romântico. Possessividade. Objectificação. Mas há uma coisa que basta: atropelarem a nossa voz e aproveitarem-se de minorias para fazer um jornalismo arrogante.