domingo, 31 de outubro de 2010

«The price of freedom is death...»

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Foi precisamente há uma semana atrás que apareci numa peça da TVI, dois minutos e quarenta e cinco sobre poliamor. Dei a cara e o nome, a minha voz por uma identidade. Uma minha identidade. As duas frases que disse nos segundos que me foram reservados nestes dois minutos e quarenta e cinco tiveram muito pouco a ver directa e especificamente com poliamor. Tiveram mais a ver com a minha posição política como feminista, com uma luta que tem vindo a ser a minha por muitos anos, a luta pela visibilidade, pela quebra do silêncio. Foi como feminista que falei da minha vida, das minhas opções pessoais, da relação que escolhi. Falei em meu nome, falei pela minha relação. No fundo de mim, eu queria falar por todxs xs que estão em silêncio. Falar é sempre político e eu sabia que o impacto para mim seria grande. E foi.
É difícil explicar a última semana, desde aquele domingo. Vi a peça de pé no meio da sala, comando na mão para desligar se alguém aparecesse, volume no mínimo, mas ainda audível. Em casa, ninguém mais a viu. Mas eu sabia que em breve se saberia que eu tinha dado a voz, a cara e o nome, na televisão nacional, como poliamorosa. No dia seguinte já toda a gente sabia. O telefone de casa não teve mais descanso. Toda a gente tinha a sua sentença a dar. Mas curiosamente ninguém se deu ao trabalho de falar comigo. Sussurros, comentários, ataques de choro e de vergonha, desculpas inventadas para dar aos outros quando soubessem. Uns escolheram desculpar-me: «é jovem, isto passa». Outros escolheram acusar-me: «és egoísta, não pensas nas consequências do que fizeste». Outros consideraram que escolhi um «caminho de perdição» e que sou uma «desilusão». Fui acusada de exibicionismo, de egocentrismo, de não respeitar a minha família. Fui criticada e ameaçada. Porque é que tive a necessidade de aparecer? Porque é que gosto de me exibir? Será que não vejo que isto me vai prejudicar? Será que não vejo que vou trazer a desgraça a todos os que me amam e a quem não sou grata? Tudo isto me foi atirado. As respostas não foram escutadas. Eu falara para quebrar o silêncio. Pagava agora por isso com olhares de desilusão, com ofensas, com recriminação, com afastamento.
Ao mesmo tempo, durante a peça e logo depois chegou o apoio de todos os lados, amigas e amigos, conhecidos e conhecidas, gente especial, gente que não me falava há anos, amigxs de amigxs. Palavras importantes de apoio, admiração, respeito pela minha coragem, desejos de força, de felicidade. Pessoas poli, pessoas não poli, pessoas heteronormativas, pessoas feministas, pessoas que gostaram de ver, pessoas que analisaram a peça, pessoas que se entusiasmaram com o que disse, pessoas que incentivaram, pessoas que ficaram orgulhosas. Todxs elxs vieram falar comigo, deixar a sua opinião, a maior parte, deixar o seu apoio. Por estas pessoas, soube que tinha valido a pena o quanto tinha arriscado. Por mim, sei que mais uma vez falei. E que essa é a minha arma.
Inês

7 comentários:

ana galdéria disse...

Como te percebo.
Pediram-me para dar uma entrevista sobre bissexualidade para uma dessas revistas que sai ao fds junto de um jornal conhecido. É suposto aparecer uma foto minha e é muito natural que surja a questão do poliamor (como contorná-la?).
Comentei com alguns amigos e chamaram-me de maluca para baixo, sublinhando o problema das consequências no trabalho, na família, no namorado.
Não sei se vou ter a mesma coragem que tu tiveste. Talvez a minha foto vá ser daquelas em que não se reconhece a cara...
ana

Luís Miguel Viterbo disse...

Tenho a sorte de poder, desde há muitíssimos anos, não precisar de esconder o que sou e o que sinto. Não que as minhas opiniões, opções e inclinações sejam sempre aceites com solidariedade, mas pelo menos ninguém me acusa de desrespeito pela minha família ou seja por quem for. Por isso, esqueço-me repetidamente de como pode ser complicado para muita gente o coming out poly. Obrigado, Inês, por dares esse passo importante!

Fryne disse...

Ana:

Falar sem dar a cara é igualmente legítimo. Só falar, já é um passo em frente, gigantesco. No entanto, se decidires não dar a cara, fá-lo por ti apenas. Não o faças pelas preocupações dos teus amigos, colegas ou seja quem for. Não é mais fácil, mas é coerente contigo. Se deres a cara, dá por ti. Se não deres, fá-lo também por ti. E se deres, vai já construindo a carapaça...para depois.

Beijos

Pedro Luis disse...

Vale o que vale. Sou apenas mais um. Quero manifestar a minha solidariedade à Inês por, no fundo, ter sido verdadeira consigo própria.

Pedro Luis

Anabela Rocha disse...

Obrigada pela coragem Inês! Agora, uma vez que parece tê-la tido sem ter garantido uma total independência familiar, não deixe de alimentar todas as redes de solidariedade e amizade que apareçam, vai precisar! Beijinhos, força!

Leo Mandoki, Jr. disse...

eu vi a peça jornalistica, e enqt via com atenção a reportagem tbm pensava «essas mulheres que estão a aparecer têm coragem!»...e confesso que foi disso que mais gostei: da coragem de se assumirem...isso demonstra força de carácter, ao contrário do que o poliamor possa enganosamente sugerir

Fryne disse...

ShortOkapi essa é sem dúvida uma liberdade essencial. Aquela de sermos o que somos sem termos de prestar contas a ninguém. É o que espero alcançar um dia, mesmo caminhando tão lentamente como agora. Na minha própria experiência, está a ser mais difícil e duro este processo de coming out poly do que o processo de coming out da minha orientação sexual. Quase como se as perspectivas e críticas escalassem mais com um desafio à monogamia do que à heterossexualidade.

Pedro e Anabela: obrigada pelo vosso apoio, é sempre bom ler palavras destas...

Leo Mandoki, Jr.: Não sei se compreendo o que quer dizer com «ao contrário do que o poliamor possa enganosamente sugerir». Para mim é muito claro que para se ser poly (monógamo responsável) nesta sociedade tem que se saber muito, mas muito bem, o que se quer e como o fazer. Há poucos guiões a seguir e se não houver força de carácter e respeito muita coisa será mal feita...
E para dar a cara e o nome e falar é preciso ter-se coragem, seja-se homem, mulher ou outro.