sábado, 18 de setembro de 2010

Teoria da manipulação afectiva (2)

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Continuação do post Teoria da manipulação afectiva (1)
As Técnicas
Na manipulação nos relacionamentos afectivos, por um lado, temos os reforços positivos, como o charme, a sedução, o elogio, a simpatia, que quer sejam 'sentidos' e profundos ou falseados e superficiais conduzem ao desarme das defesas e à permeabilidade, ganhando assim confiança, especialmente se a vítima for: facilmente impressionável, narcisista, impulsiva, carente, dependente ou frugal.

Os reforços negativos, que estão normalmente associadas a tipos de chantagem, incluem:
- Processos manipulativos mais básicos e agressivos: como o castigar, gritar, insultar, intimidar, ameaçar; ou passivos: como o choro, queixume, apelo aos instintos parentais (paternais, maternais, como se queira).
- A criação de sentimentos de culpa que podem ser usados depois como moeda de troca, ou seja, a 'absolvição' da culpa tem como pagamento a satisfação da vontade do elemento manipulador.
- Constante censura e crítica e até humilhação que levam à erosão do amor próprio perdendo a assertividade, afirmação, e a capacidade de dizer não.
- Situações traumáticas condicionantes do comportamento (quer venham de relações anteriores, bagagem, quer sejam criadas), como comportamento intimidativo, abuso verbal, explosões de fúria; situações estas de tal forma traumáticas que se pretende evitar a sua repetição.
- Reforço parcial ou intermitente, criação de um clima de dúvida e medo quando os métodos de manipulação negativa existem com períodos de intermitência. E/ou que levem a vítima a persistir utilizando métodos de manipulação positivos, como um jogador que ocasionalmente ganha mas perde a maior parte das vezes.
- Outras técnicas a saber: Mentira, mentira por omissão, negação (denial), racionalização (spin, minimização e hipérbole), atenção ou desatenção selectiva (ex: "Eu recuso-me a discutir isso"), diversão, evasão, intimidação disfarçada, vitimização, culpabilização da vítima (vilify), projecção de culpa (criação de bodes expiatórios) e alegada inocência.

Na relação
Importa também perceber que praticamente todos estes métodos são também frequentemente utilizados como defesa perante uma situação de manipulação, por exemplo, numa situação em que o manipulador faz uso de uma manobra de diversão, a 'vítima', como reacção defensiva, poderá fazer uso de uma desatenção selectiva, recusando-se "a mudar de assunto", ou até partir para um contra-ataque, encontrando motivos para vilificar (vilify) o manipulador. Prolongado este ping-pong ambos se tornam manipuladores, é fácil assim perceber como os 'arrufos' são alimentados por métodos de manipulação em contra-ataque.Esta percepção é essencial para que este tipo de situações se evitem.
Numa relação a dois em que a tendência será extremar para o absoluto de parte a parte, isto é muito fácil acontecer. Num relacionamento poly, a existência de mais elementos na relação pode levar à eliminação de alguns factores de risco como a dependência emocional, ou pela presença de um elemento mediador/testemunha que evite que se chegue aos extremos.
Muitas vezes o que define a manipulação, não são só os seus métodos/técnicas, mais do que isso, trata-se de um sistema, que inclui o contexto em que as coisas se passam e certas características da personalidade da vítima, que poderemos entender como vulnerabilidades, como se falou no caso do excesso de zelo. O que significa que, se queremos respeitar o outro, temos de o conhecer e adaptar o nosso discurso ao nosso interlocutor, como é apanágio da boa comunicação. Não existindo estas vulnerabilidades, e em determinados contextos, os ditos métodos nada têm de manipulativo, pode ser perfeitamente legítimo dizer assertivamente que o outro está só a pensar em si.
Faz parte deste sistema também os padrões comportamentais. Se procurarmos estas técnicas nas nossas relações, facilmente as encontramos e, embora se devam evitar, são comuns, sendo que o verdadeiro problema existe quando os actos se repetem revelando então um padrão comportamental. Esta situação significa que a pessoa em causa está habituada a ter sucesso com este comportamento, e portanto recorre a ele. Não será por isso comum encontrar um grande conjunto de técnicas de manipulação numa só pessoa, o que facilita a identificação de padrões.
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Notas: Não tenho formação em Psicologia e o que aqui escrevi trata-se essencialmente da minha experiência pessoal.
Utilizei como referência teórica:
http://en.wikipedia.org/wiki/Psychological_manipulation

3 comentários:

Marquesa do Sado disse...

Olha, este tema é extensíssimo.

Conforme já referi gostei muito do teu post, que me parece muito útil para reconhecermos estes padrões repetidos, como dizes. Até porque as questões do poder me são muito caras. Mas de novo defendo que os manipuladores lutam por aquilo que querem. Manipular é apenas uma "técnica", enviesada e indirecta de o conseguir. Mas é simplesmente isso: uma técnica. Por isso, eu creio que o problema é muito complexo e que não se resume a "tu manipulas, és horrível". Primeiro é preciso reconhecer o mecanismo, depois é preciso descobrir a causa e atribuir-lhe legitimidade ou não. Podes pensar "Estou a ser manipulada, porque esta pessoa precisa de X e não encontra uma forma directa de mo dizer". Então, o que eu devo encontrar é o valor de "X" e ver se o consigo dar ou não. A partir do momento em que anulas a causa, o sintoma deve cessar. No entanto, tenho uma ressalva a fazer. É claro que se a técnica é "enviesada" e por isso "desonesta", pode acontecer que o pedido seja também desonesto e recorremos a ela, não porque estamos dispostos a negociar, mas porque queremos "roubar" uma coisa a alguém que, sabemos de antemão, não se dispõe a dar. Nesse caso, podemos realmente estar na presença de alguém doente e não faremos muito (o que é necessário é cada um cuidar da sua própria doença, evidentemente). Mas também é igualmente importante perguntar "Porque é que não me disponho a dar isto, de tal forma provoquei este comportamento em alguém". Confuso? É porque é... Geralmente um manipulador nunca vem só. Mas num processo de negociação, se cada um tiver na cabeça a intenção de fazer um bom negócio mútuo eu creio que muitas dificuldades se ultrapassam naturalmente. Mas nós nem sempre damos tanto. Não é o meu caso, claro. Eu faço sempre tudo bem feitinho. :)

Pedro Luis disse...

Sim, concordo que a manipulação é um sintoma de algo, mas acho que o que quer que seja esse algo, o meio utilizado (o da manipulação) deve tentar-se sempre evitar, e reconhecer-mos em nós próprios quando o estamos a utilizar como 'atalho'.

É, passe-se a comparação ridícula, como a questão de se o facto de eu querer muito uma coisa e não a conseguir obter, se justifica que eu a roube.

Marquesa do Sado disse...

O caso de alguém doente, seria alguém que não aceita um "não-te-vou-dar" e nesse caso tentaria roubar, o que obviamente não se justifica. Como te disse, este tema é gigantesco e profundamente movediço. Eu resolvi isto na minha vida da seguinte forma: gosto muito do "poder" (manipulação incluída), mas francamente, prefiro tê-lo ao serviço de uma causa mais nobre do que a minha exclusiva. Assim estou segura. Beijo