sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Mundos de ideias

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Vou pegar no post de há uns dias, da antidote, porque me fez lembrar uma coisa muito boa sobre formas não-normativas de pensar relacionamentos.

É verdade que pensar se há mais polys no meio hetero ou no meio LGBT... é um exercício estatístico engraçado. Mas o fundamental, creio, não passa por aí. Passa antes por uma espécie de história das ideias sobre igualdade e luta contra a discriminação.

E identifico no poliamor a inclusão de dois pólos fundamentais: as lutas feministas e as lutas queer. Convenhamos — formas não-normativas de relacionamentos podem ser usadas como ponto de partida (ou podem constituir, inversamente, um ponto de chegada) para o questionamento de outras coisas. Claro que esta não é uma relação de causa-efeito, não é uma relação unívoca. Mas é, creio, um ponto de partida. Porque custa começar a fazer perguntas, mas também custa parar de as fazer.

E o que formas de não-monogamia consentida vieram fazer foi destruir o binarismo/polarismo relacional. O padrão normativo monógamo e o padrão normativo heterossexual têm ambos um grande problema — o binarismo. Ambos supõem dois pólos opostos mas complementares, cuja intersecção não é senão tangencial. Isto facilita papéis de género, isto facilita papéis sexuais, isto facilita papéis de poder. O dominador e a dominada, o ganha-pão e a cuidadora, o poderoso e a submissa.

Como se operacionaliza isso no poliamor? Muitas pessoas, muitas facetas, muita mobilidade. A mobilidade, seja espacial, económica, profissional ou emocional é um espinho muito grande no statu quo. Porque a manutenção do statu quo é a manutenção da imobilidade. Porque é que a mulher não podia viajar livremente sem o marido? Porque é que a sua fuga estava nas cartas, que por ela viajavam? Porém, com tanta mobilidade, torna-se muito difícil amarrar pessoas a sítios, amarrar pessoas a papéis. E se isso serve para mudar a mulher, muda também o homem, sem dúvida. E abre a porta à (con)fusão para os géneros.

Da mesma forma, orientações, comportamentos, desejos e sentimentos (e aqueles a quem estes se dirigem) precisam de ser alvo de questionamento — perigoso será assumir que a pessoa com quem estamos naquele momento deseja apenas alguém do mesmo sexo que eu. Ou presumir que o comportamento sexual e o comportamento emocional têm a mesma orientação. E esse acto, o acto de questionar, o acto de recusar presumir, é o acto que é conquistado, não duvidemos, pelos movimentos feministas e queer. Porque só com o perguntar como hábito é que quebramos a normatividade — que é, por outras palavras, a presunção da irrelevância do acto de questionar.

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