sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Mundos de ideias

Publicado por Daniel Cardoso

Vou pegar no post de há uns dias, da antidote, porque me fez lembrar uma coisa muito boa sobre formas não-normativas de pensar relacionamentos.

É verdade que pensar se há mais polys no meio hetero ou no meio LGBT... é um exercício estatístico engraçado. Mas o fundamental, creio, não passa por aí. Passa antes por uma espécie de história das ideias sobre igualdade e luta contra a discriminação.

E identifico no poliamor a inclusão de dois pólos fundamentais: as lutas feministas e as lutas queer. Convenhamos — formas não-normativas de relacionamentos podem ser usadas como ponto de partida (ou podem constituir, inversamente, um ponto de chegada) para o questionamento de outras coisas. Claro que esta não é uma relação de causa-efeito, não é uma relação unívoca. Mas é, creio, um ponto de partida. Porque custa começar a fazer perguntas, mas também custa parar de as fazer.

E o que formas de não-monogamia consentida vieram fazer foi destruir o binarismo/polarismo relacional. O padrão normativo monógamo e o padrão normativo heterossexual têm ambos um grande problema — o binarismo. Ambos supõem dois pólos opostos mas complementares, cuja intersecção não é senão tangencial. Isto facilita papéis de género, isto facilita papéis sexuais, isto facilita papéis de poder. O dominador e a dominada, o ganha-pão e a cuidadora, o poderoso e a submissa.

Como se operacionaliza isso no poliamor? Muitas pessoas, muitas facetas, muita mobilidade. A mobilidade, seja espacial, económica, profissional ou emocional é um espinho muito grande no statu quo. Porque a manutenção do statu quo é a manutenção da imobilidade. Porque é que a mulher não podia viajar livremente sem o marido? Porque é que a sua fuga estava nas cartas, que por ela viajavam? Porém, com tanta mobilidade, torna-se muito difícil amarrar pessoas a sítios, amarrar pessoas a papéis. E se isso serve para mudar a mulher, muda também o homem, sem dúvida. E abre a porta à (con)fusão para os géneros.

Da mesma forma, orientações, comportamentos, desejos e sentimentos (e aqueles a quem estes se dirigem) precisam de ser alvo de questionamento — perigoso será assumir que a pessoa com quem estamos naquele momento deseja apenas alguém do mesmo sexo que eu. Ou presumir que o comportamento sexual e o comportamento emocional têm a mesma orientação. E esse acto, o acto de questionar, o acto de recusar presumir, é o acto que é conquistado, não duvidemos, pelos movimentos feministas e queer. Porque só com o perguntar como hábito é que quebramos a normatividade — que é, por outras palavras, a presunção da irrelevância do acto de questionar.

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