O nosso corpo veste o medo e de relação para relação somos pessoas mais distantes e ponderadas. As quedas influenciam a frieza. O afastamento. A forma como nos é dado o amor desde sempre torna o sentimento imaculado, frágil e delicado. Morrer por amor. Aceitar tudo por amor. Viver para amar. A forma como nos é colocada a possibilidade de amar, torna-nos também a nós imaculadxs, frágeis e delicadxs. Vivemos tão intensamente o que pensamos ser amor que nos esquecemos de equilibrar a beleza dos sentimentos com a possibilidade da razão. Depois dói. Parecem dores no peito. Parece o Mundo a acabar e o Universo a cuspir-nos para uma zona em que o ar é denso e os pulmões parecem de vidro. É o que vende: amar loucamente. E de forma igualmente louca - não sabemos amar. No fim de contas, parece uma constante destruição poética.
Enquanto pessoa extremamente romântica, foi difícil para mim tornar algo tão abstrato como o amor, uma eterna conversa. Uma eterna adaptação. Foi difícil olhar para o amor e ver nele uma construção que não me servia. Um modelo aplicado a todxs. Uma formatação. É algo que ainda me persegue. De cada vez que tenho que trabalhar o meu amar, é um desafio. Fazer da matemática poesia e da prosa ciência. A verdade é que o resultado das coisas mais improváveis pode ser surpreendentemente bonito se nos for dada essa possibilidade. Se não vivêssemos de e para amar da forma formatada que vivemos, da forma que nos foi ensinada, conseguíamos explorar o todo dos sentimentos de forma livre e plena. É o sexo mais tabu que o amor? O pedestal em que colocamos o amor da nossa vida - é uma mentira que nos faz esquecer, muitas vezes, que somos Pessoas individuais. Mas ninguém fala disso. É destruir o sonho do Mundo pegar no amor e falar dele de forma diferente dos finais felizes. Mexer nele. No fundo o que sabemos é que é algo tão profundo que só pode ser vivido intensamente por duas pessoas - é algo que nem é possível descrever mas que pode ser explorado quando não segue o padrão. Os filmes, os anúncios, as músicas e o que nos rodeia. Um homem e uma mulher que claramente se amam. Uma sociedade esculpida delicadamente para parecer perfeita. Depois tropeçamos nos defeitos desse amar. Um amor que justifica violência. Que justifica a traição. A nossa maior qualidade - o nosso maior defeito. É nos dado assim, em tom de paradoxo. Nem sempre correspondemos ao que está exposto no pedestal. Nem sempre é este amor correspondido. Nem sempre é a dois. Nem sempre é.
No fundo, se não amarmos, somos leituras solitárias e criticadas pela vida vazia que escolhemos para nós. Se amarmos mas fugirmos da heteronormativadade, enfrentamos dificuldades que podem muitas vezes ter consequências gravíssimas e um futuro anulado, em segredo e oprimido. Se amarmos muitxs, somos desenvergonhadas.
O amor não está num pedestal. Pelo menos o meu amor não está num pedestal. Não é delicado. O amor não é o que abraça o mundo e nos faz ter força para viver. O amor é uma construção social. É de mau tom que se agarre no que de mais bonito temos e seja colocado em vitrine para venda. Uma janela com vista para o todo. A única janela. O único todo. Um Universo que nos cospe. O meu amor não está num pedestal. Não é delicado. Pode magoar e exigir coisas de mim que nem sabia existirem - mas é forte. Enorme. Tem diferentes formas. Renasce. Não é justificação para tudo. É privado e é público. É a sós e é a muitxs. É o que escolho ser e o que me deixa feliz.