sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Contar cabeças

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Como é que se contam pessoas? Como é que se contam relações? O que é uma relação?

Já estive em tertúlias, programas variados, entrevistas aqui e ali, e um dos pontos que tento fazer passar é o de que existem mil e uma diferentes maneiras como, todos os dias, inserimos pequenos pedaços subtis de discriminação mono-normativa. Quando falamos de "relações a sério", quando falamos de "relações duradouras", quando falamos de "estar numa relação" - tudo uma série de marcadores 'oficiais' que dão credibilidade a uns tipos de relação, e a tiram a outros.

Costumo dizer que um one-night stand de 5 minutos é uma relação. E que uma amizade de 15 anos é uma relação. Mas quando dizemos "estou numa relação com X", os nossos interlocutores ficam com duas palavras a retinir-lhes na cabeça: sexo e paixão.

Tudo isto para dizer que há uma pergunta que me fazem constantemente, especialmente em entrevistas: Quantas relações tens?

Francamente, cada vez me custa mais responder a essa pergunta. Porque a resposta que eu dou remete constantemente para as relações que ocupam um papel mais nuclear na minha vida: as duas pessoas com quem estou a viver, e com quem tenho de facto relações românticas. A realidade, porém, é que bastaria alargar um pouco que fosse a definição de "relação", ou mesmo de "relação poliamorosa", e teria que incluir mais do que essas duas pessoas. Muitas vezes, acabo a não o fazer. E, muitas vezes também, essas "outras" relações - essas outras pessoas - acabam a não ter, também, visibilidade social (dentro do meu círculo social, entenda-se), quase como se não existissem. Quase como se não fossem importantes para mim. E, no entanto, são-no, profundamente.

Incomoda-me - e é isso que quero partilhar aqui - a minha cumplicidade na criação e reprodução de um sistema de privilégios. Privilégio de quem é relação a sério sobre quem não é. Privilégio de quem é visível sobre quem não é. Para mim, isso está errado e é profundamente desrespeitoso para com pessoas que escolheram partilhar uma parte das suas vidas, do seu tempo, e da sua pachorra, comigo.

(Por outro lado, deixo aqui a ressalva de que também defendo a possibilidade de alguma dessas pessoas - ou outras que nada tenham que ver comigo, noutras relações com outras pessoas - quererem ou precisarem de ficar dentro dessa invisibilidade.)

A essas pessoas, que posso ter deixado à sombra e desconsiderado: desculpem. É algo em que estou activamente a trabalhar.

5 comentários:

Anónimo disse...

Daniel,
por isso k me autodenomino 'ala independente' e me recuso a ser rotulada/validada socialmente em função das relações amorosas k tenho ou deixo de ter, assumidas ou escondidas, primárias ou secundárias etc...
Agora o k me custa mais a perceber é o pk de tanto interesse na vida sexual e amorosa - dos outros - com tantas kestões tão importantes e pertinentes para a vida social... ;D
nana

Dani S. disse...

Olá, Daniel. Tendo estado no lado das relações mais invisíveis e das mais visíveis, entendo bem seu desconforto e pedido de desculpas. Excelente texto, parabéns!

Daniel Cardoso disse...

Nana:

Acho importante haver quem não queira passar por uma rotulagem em função das suas relações, e que critique esta obsessão com a vida amorosa e sexual alheia. Mas é diferente sermos nós a afastarmo-nos dessa rotulagem, e serem os outros a afastar-nos, sem termos possibilidade de escolha.

Dani S.:
Obrigado. De certa forma, também já estive nos dois lados, porque também já estive numa posição em que tinha que disfarçar perante, por exemplo, a família da pessoa com quem estava, o meu laço com essa pessoa. É algo que custa e magoa, que incomoda, e que deriva muitas vezes do que a nossa sociedade considera respeitável ou não.

José Reis disse...

Porque é que a sociedade, as instituições, as pessoas, os poderes formatados, se preocupam tanto com o estilo de relação que cada ser humano tem? Não chega estar bem ou feliz nas relações diferentes? Este seria um óptimo tema para qualquer disciplina de qualquer escola, assim haja professores corajosos.
Obrigado ao Daniel por esta excelente reflexão. Sejam livres e criativos e façam as relações que quiserem mas gratificantes.

Diana *ou* O Pequeno Tornado disse...

:)Gostei.
A questão dos privilégios é de enorme interesse para mim, porque é algo que estou a trabalhar muito pessoalmente neste momento.
Por um lado não gosto de rotular, de catalogar e muito menos de colocar por ordem de importância as minhas relações.
Também não o faço com os meus Amigos, ou com as minhas Irmãs....
Por outro lado quando se inicia uma nova relação existe sempre uma fase em que se definem papeis. faz parte, em todas as relações, sejam românticas, amizades, de trabalho. enfim..
Esta é uma fase fulcral, de decisões, e que pode levar ao término da relação ou a um crescimento e construção de confiança e cumplicidade.
É nesta fase que costumam surgir as conversas sobre relações primárias e secundárias ou satélites, como algumas pessoas gostam de lhes chamar...
Eu pessoalmente não me consigo identificar com esta separação, hierarquização... este colocar de uma pessoa antes de outra.
Por outro lado, não é fácil, é até incontorável o facto de que com uma pessoa temos uma relação de anos construída, com raízes, com frutos... e com a nova pessoa ainda tudo é tão novo, ainda a relação é uma pequena semente, um rebento...

Obrigada pela partilha Daniel :)