Há uma sensação de estranheza quando uma relação acaba,
muitas das vezes. Mas não há uma sensação menor de estranheza quando uma
relação é posta no frigorífico ou, melhor dizendo, na prateleira.
Eu já aqui falei de
poliamor e seus amor(es), diferentes
visões da palavra e de como as
amizades, ao implicarem intimidade, podem também
circular à volta de práticas sexuais que alimentem essa mesma dinâmica de
intimidade.
As minhas relações (poli-)amorosas não são todas românticas.
Também não são relações de primeira e segunda categoria, são relações que
passam por uma panóplia de experiências e tonalidades diferentes que podem
misturar várias emoções, práticas eróticas, etc. Isto funciona precisamente porque,
tendo cada uma das relações a sua especificidade, nenhuma está intrinsecamente
valorizada face a outra (já cheguei, há anos atrás, quando estava ainda a
descobrir esta coisa de como ser
poliamoroso, a perigar uma relação de “namoro” por uma relação de amizade em
que também existia sexo).
Só que, obviamente, nem toda a gente opera segundo os mesmos
princípios, e o que acontece é uma descoincidência entre aquilo que se diz
fazer, e aquilo que se faz na mesma. Porque, pela minha experiência, o que
acaba a acontecer é que as relações de amizade (com sexo também) são vistas
como não sendo “a sério”. Porque “a sério” é um namoro. A sério é alguém que se
pode levar aos pais, apresentar e falar explicitamente sobre a existência de
uma relação. E aí, a componente íntima sexual, ao invés de passar a ser uma
parte integrante da relação de amizade, é um módulo externo a ela, sem a qual
ela deverá passar tão bem como quando existe (dando provas da sua irrelevância,
então?).
O resultado de uma visão hierarquizada das relações (ou do
tipo de relações que se deve ter) é precisamente este: quando uma relação
socialmente valorada como superior aparece no horizonte de possibilidades,
então aquilo que existe perde importância relativa e torna-se passível de ser
descartado.
Conheço várias pessoas que me dizem que isto tem que ver com
“respeitar” a pessoa com quem iniciam essa nova relação. Tem que se respeitar
os desejos monogâmicos dessa pessoa mesmo quando esses desejos são antitéticos
aos de quem toma a decisão de secundarizar outras relações, já íntimas
(supostamente) e duradouras (factualmente). Estranha coisa esta, que alguém
entre num modelo de relação que não é aquele que mais deseja, por “respeito” a
esse desejo de monogamia – porque é que tem que ser o desejo de monogamia a ser
superiormente respeitado, face ao desejo de não-monogamia? Se fosse ao
contrário, não se falaria de respeito: falar-se-ia de uma cedência ou sacrifício
que a pessoa monogâmica faria em aceitar os comportamentos não-monogâmicos da
pessoa por quem se apaixonou. E como este acto de respeito (acho que conseguem ouvir o sarcasmo através do computador!)
é, apesar de tudo, muitas vezes feito um pouco a contra-gosto, então põe-se
essa componente sexual / íntima na prateleira… até haver disponibilidade de lá
ir buscar novamente (até já não ser preciso respeitar
mais ninguém, parece). Porque a posição normativa é de respeito… as outras são uma violência, uma agressão a que
algumas pessoas se sujeitam, então não se vê logo?!...
No meio disto tudo, onde fica o respeito pela relação pré-existente e pela sua especificidade? Onde
fica o respeito que a pessoa tem por
si mesma, pelas suas escolhas, e pelas suas preferências não-monogâmicas? E
onde está o respeito vindo da tal nova pessoa, que vai ocupar o lugar “cimeiro”,
e que se apaixona por alguém que é não-monogâmico, sem atenção ao ecossistema
de relações que essa pessoa já tem, e apenas sob a condição de essa pessoa
deixar de ser, em parte, quem era/é?