Tenho andado um bocado calado, é verdade, mas é porque às vezes é preciso pausa e descanso. Entreguei na semana passada a minha tese de Mestrado - tanto quanto sei, a primeira em Portugal sobre poliamor - intitulada "Amando vári@s - Individualização, redes, ética e poliamor".
Depois disso, precisei de uma pausa para descansar, para fazer nada. (Não que a vida profissional permita isso, mas pronto, passei uns três dias a olhar literalmente para as paredes, a dormir - coisa rara nos últimos tempos - e a divertir-me um pouco.)
Olho para trás e reparo que passei dois anos a trabalhar e a reflectir sobre poliamor e que, ainda assim, mal raspei a superfície (resmungo pessoal: uma tese com 60 páginas não permite explorar nada com a devida profundidade). E apesar de o meu tema de doutoramento me levar para longe do poliamor, a verdade é que quero recuperá-lo noutra altura, noutro ponto da minha vida académica, para sobre ele pensar mais aprofundadamente.
Eu sou um cientista social. Isso não quer dizer, porém, que eu seja daquelas pessoas que se vê a si mesma como estando sentada no topo de um observatório impenetrável, através do qual penetra e perfura a realidade para obter uma episteme, uma Verdade. E portanto, aquilo que eu retiro de mais valioso do trabalho que levei a cabo foi a forma como esta investigação me mudou a mim. A forma como este trabalho me permitiu lidar comigo mesmo de uma maneira diferente, aperceber-me mais claramente dos processos dentro dos quais eu me movo; não necessariamente para fugir deles, mas para estar neles com atenção e cuidado, com discernimento.
A ideia central da tese é o conceito foucauldiano de cuidado de si. Cuidarmos de nós mesmos é, não um acto de egoísmo, mas um acto plenamente ético, plenamente justificado e que contribui para uma vida mais positiva para o sujeito. Digo que não é um acto de egoísmo porque não conseguimos cuidar de nós sem termos, connosco, um Outro. Não conseguimos cuidar de nós se não cuidarmos, também, de manter e alimentar as nossas relações com o Outro que nos define, que nos permite definirmo-nos. Na prática, isso implica coisas como estas. Porém, e tendo em conta que venho da área das Ciências da Comunicação, estou relativamente menos interessado no conjunto das práticas, e mais interessado em entender porquê estas e não outras, e de que foram é que elas agem sobre o indivíduo e o constituem como sujeito, com identidade(s) e ética(s), com valores e princípios a seguir.
Ser poliamoroso não é um estado natural. Ser poliamoroso não é um comportamento tipificado. Ser poliamoroso não é simplesmente ser não-monogâmico de forma responsável. Ser poliamoroso é corresponder a uma identidade, é adaptarmo-nos de forma a obtermos reconhecimento. As razões pelas quais necessitamos desse reconhecimento, pelas quais inventamos palavras para em torno delas nos aglutinarmos e a forma como isso nos afecta, à nossa ideia de nós mesmos e à ideia que os outros têm de nós: isso fascina-me, e é na sociologia e na filosofia que procuro encontrar combustível para alimentar estas reflexões.
Quando a tese estiver para ser defendida, procurarei partilhar esta paixão convosco.
Sem comentários:
Enviar um comentário