É raro surpreender-me com teatro em português. Ou melhor dizendo, com os actores. Ver uma peça com quatro pessoas, em que todos são bons e alguns têm momentos brilhantes, não me acontece todos os dias. Esta está descrita como “uma metáfora da sociedade de consumo”. Mas ali, do alto daquela cadeira instalada no palco, vi metáforas para tudo e mais alguma coisa, ao melhor nível da minha professora de Português do nono ano. Para mim, tudo aquilo fala essencialmente da dependência que temos do amor, e do amor que temos às nossas dependências.
Mark é um cocainómano que vive com um casal (Lulu e Robbie) que conheceu (comprou?) num supermercado. Está prestes a abandoná-los numa tentativa de se curar, livrando-se de todas as dependências. Enquanto estes tentam provar que não dependem dele, Mark acaba por se envolver com Gary a troco de dinheiro (para não ser uma relação). E no final todos acabam por depender do dinheiro de Gary. E uns dos outros.
Pelo que nos vão contando as personagens, sabemos que aqueles três chegaram a ser muito felizes. Que (ainda) se amam. E se por um lado as dinâmicas entre três pessoas se complicam, por outro também se enriquecem e apaziguam mais facilmente.
Houve muitos momentos daquele texto e daquelas interpretações que me deixaram a pensar. Mas uma das ideias que me tem assaltado a mente é esta: Será que nos habituamos a algo de que gostamos, queremos cada vez mais, e quando não o obtemos reagimos com violência e obsessão? Não será o ciúme, na verdade, uma mera ressaca do amor?
Foder e Ir às Compras (Shopping and Fucking) Texto: Mark Ravenhill, Tradução: Ana Bigotte Vieira, Encenação: Gonçalo Amorim, Espaço Cénico: Rita Abreu, Interpretação: Carla Maciel, Carloto Cotta, Pedro Carmo, Pedro Gil e Romeu Costa.
São Luiz Teatro Municipal, 29.Abril a 15.Maio.2010
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