quarta-feira, 9 de março de 2016

16 Questões sobre o (meu) poliamor

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Pedi num grupo feminista que me fizessem algumas questões sobre poliamor. Recebi mais perguntas do que imaginei, o que me deixou bastante feliz. Respondo aqui a dez dessas perguntas e nos próximos dias irei responder a todas as outras. Se tiverem questões são convidadxs a deixar em comentário. 
Primeira nota: Todas as minhas respostas são com base no meu poliamor e na forma como eu e as pessoas com quem estou gerimos as nossas relações. Existem várias formas de viver o amor e não quero com as minhas respostas invalidar qualquer relação que tenha outras bases. Somos pessoas antes de sermos pessoas poliamorosas e é importante ter isso em conta, sempre. 

Segunda nota: A minha decisão de responder a perguntas sobre a minha experiência no poliamor vem de um activismo pela voz da Mulher. É um acto politico envolver o feminismo na minha liberdade nas relações; na minha liberdade sexual; na liberdade das pessoas com quem estou. Não somos todxs cis. Não somos todxs gays. Não somos todxs sexuais. Somos minorias mas temos voz. Existimos enquanto família mesmo que seja dentro da nossa casa. Comparativamente a um homem – que é lido como "garanhão" por ter várias pessoas – uma Mulher é lida como impura, vadia, submissa – nunca como sendo uma pessoa que tomou uma decisão e que essa decisão a deixa feliz. Não como um ser humano que pode escolher. Que pode amar. Que pode fazer sexo. A minha decisão de responder a perguntas sobre a minha experiência no poliamor vem das minhas lutas: sim sou Mulher e sim amo mais que uma pessoa e tenho relações com quem me apetecer – tenho coisas a dizer e a minha experiência não é a de todxs mas igualmente válida 

1 - Como reagir aos comentários que nos insultam enquanto pessoas poliamorosas? 
Parece-me óbvio que não posso responder por todas as pessoas que passam por esta situação. Eu própria já tive reações completamente distintas.  

Quando comecei a falar sobre poliamor e iniciei a minha primeira relação poliamorosa, nem eu sabia responder a muitas das perguntas que me faziam. A culpa e o peso que me colocavam nos ombros - em forma de insulto ou de falsa felicidade - parecia-me justa. Também era novo para mim por mais que me fizesse sentido. Não me sabia defender; não conhecer muitas pessoas poliamorosas na altura também não ajudava. Sentia-me uma criança imatura que tenta fugir às normas e fazerem-me sentir assim não foi correcto. Ninguém tem o direito de nos magoar. Tentava desculpar-me. Passava mais tempo a falar de como não é a sex thing do que a falar da minha felicidade. Ouvi coisas horríveis e pior do que as ouvir sobre mim foi saber que as duas pessoas com quem namorava na altura ouviam ainda pior. Doeu muito. No entanto cheguei a uma altura em que os insultos eram sempre os mesmos - já não magoavam. Conseguia imaginar tudo o que ia sair da boca das pessoas e se não fosse verbalizado, era projectado através do olhar. Não eram só os insultos verbais, era olharem para mim como se eu estivesse suja. Como se fosse impura. Absorvi todas essas coisas e criei um escudo. O escudo do super-amor. Um super-poly-escudo. A forma que eu arranjei para me defender foi a de me mostrar completamente preparada para qualquer tentativa de ataque. Antecipo-me a dizer as coisas e faço-o de forma sarcástica. Antes de me chamarem de qualquer coisa, introduzo-me eu dessa forma. "Olá sou poliamorosa e antes que digas eu sei que isso me dá a possibilidade de fazer sexo todos os dias com imensas pessoas. E sim, temos um quarto só para orgias." Okay, não digo por estas palavras mas digo como se fossem estas as palavras. Deixei de ter forças para lutar contra pessoas que me desrespeitam desde inicio. Se me insultam e se me atacam eu tento transformar isso em duas gargalhadas, uma resposta ainda mais ignorante e se tiver que chorar, choro em casa, abraçada a quem amo. Juntxs somos um super-poly-escudo porque sabemos que não fazemos nada de errado se não vivermos as nossas vidas com muito amor. No fim do dia é isso que me dá força, saber que quem me magoa lá fora não consegue alterar a forma bonita como aprendi a construir o amor dentro de mim. 

2 - Como falar de poliamor sem as pessoas perderem a cabeça?  
Aprendi um truque ao assumir-me como lésbica. Basicamente não faço introduções a temáticas. Não existe uma preparação: tenho uma coisa para te dizer - não. Falo sempre das coisas de forma natural como se não entendesse que o assunto é tabu. Enquanto me falam da namorada ou do namorado eu conto histórias também: a minha namorada é fã de unicórnios mas a minha outra namorada diz que está farta deles. Aqui acho que as pessoas ficam mais chocadas por existir alguém no mundo farto de unicórnios em vez de eu ter duas ou três ou quatro namoradas. - A tua outra namorada? - Sim, não é incrível existir alguém que não goste de unicórnios? - Então mas namoras com mais que uma pessoa? - A questão não é essa, o que me devias perguntar é o que é que vi nela, já que os unicórnios não são opção. Eventualmente tenho que explicar. - Ah sim, não sabias? Tenho duas relações, temos que ir sair juntxs, vais gostar muito delas. Geralmente resulta demonstrar naturalidade, as pessoas não costumam ter grandes reações além daquela cara de que estão a ver o Cavaco a ser eleito mais uma vez. Essa cara assusta e é simultaneamente cómica, a cara, não o Cavaco. Ainda assim demorou a que eu conseguisse falar do meu poliamor de forma tão descontraída, tinha muitos medos que ultrapassei com o tempo.


3 - Como é que pessoas não-poli devem conversar com pessoas poli sem dizer asneiras e sem cair na mononormatividade? 
Como em todas as conversas o mais importante é respeitar. É ser humilde. Um dos momentos mais horríveis que passei foi num grupo feminista - "feminista" - em que atacaram as pessoas poliamorosas. As discussões online têm consequências e ter mulheres brancas, cishéteros e mono a tentarem dar uma lição sobre relações da forma mais bruta que existe - ao atacar pessoas lésbicas e poliamorosas - deu-me entrada imediata para uma crise de ansiedade enorme. Nós estamos sempre à espera de ouvir essas coisas lá fora num mundo que não é activista. Quando acontece dentro de um suposto safe space, ainda dói mais. Isso é a prova de quem o ser humano é imperfeito independentemente do que defende. Portanto o que eu digo é: respeitar e ser humilde. Não ter medo de colocar questões desde que essas não magoem ninguém. Cair em mononormatividade faz parte, estamos formatadxs. O importante é tomarmos essa consciência e pedirmos desculpa se tivermos que pedir. A pior forma da monormatividade chegar a mim é através do apagamento de relações. Perguntarem-me pela pessoa A exclusivamente; ajudarem-me a resolver problemas com a pessoa A exclusivamente; anularem outras pessoas com quem tenho uma relação mesmo tendo conhecimento que elas existem. As palavras magoam - em qualquer conversa devemos pensar na forma como vamos dizer as coisas para tentarmos ao máximo respeitar as experiências que não são nossas sem cairmos no desrespeito e muitas vezes na intolerância e ignorância. 

4 - Como ser assumidamente poli com novxs parceirxs sem parecer que estamos logo a preencher formulários? 
Existem coisas que são nossas, que fazem parte da nossa vida de forma constante. O poliamor é certamente uma dessas coisas. Se eu iniciar uma relação, me levarem a jantar e pedirem leitão, eu vou ter que recusar e vou ter que dizer: sou vegetariana. Em qualquer tipo de relação nós temos que dar a conhecer a outra pessoa o que somos e o que queremos, para que não seja injusto para nós e para que não seja injusto para ela. Se eu não disser inicialmente que sou poliamorosa e der inicio a algo que posso querer desenvolver, quando é que vou dize, sendo que condiciona o futuro de ambxs? Existe obviamente o medo de afastar as pessoas; de as assustar - existe o medo de parecer que estamos a querer assinar contractos de não-exclusividade mas o que estamos a fazer é a ser honestxs connosco e com x outrx. É uma decisão da outra pessoa aceitar e ficar como é também uma decisão da pessoa não aceitar e não ficar mas não é isso que o poliamor tenta fazer? Sermos honestxs com todas as pessoas com quem nos envolvemos? Darmos a possibilidade de escolha? Então a honestidade deve começar de ínicio, até porque nos poupa um pontapé mais tarde quando percebemos que afinal a pessoa queria uma relação super monogâmica e exclusiva. O ideal é explicar que faz parte da nossa vida, que é uma decisão que já existia antes de existirem novas pessoas e que nos faz feliz. Não adianta adiar um assunto que terá certamente que existir.  



5 - Como lidar com paixões por pessoas mono? 
Bem - isso vai sempre depender de se mesmo a pessoa sendo mono, se mostra disponível para aprender e tentar desconstruir a monogamia. Na minha experiência, todas as pessoas com quem iniciei relações eram mono até existir a possibilidade de trabalhar a relação poli. Uma pessoa pode continuar a ser mono e estar numa relação poliamorosa - nem todas as pessoas em relações poliamorosas são de facto poliamorosas. Vai ser uma desconstrução constante. A verdade é que a monogamia é nos incutida como a única opção. Existe uma grande possibilidade de depois de conhecermos outras formas de viver o amor, as querermos introduzir na nossa vida. Se nos apaixonarmos por uma pessoa mono e decidirmos que faz sentido viver essa relação de forma monogâmica também é válido. Tudo o que fazemos desde que seja consensual para todxs xs envolvidxs é válido. O importante é não omitir o que somos e o que vivemos. Se a pessoa não quiser uma relação poliamorosa e nós não quisermos abdicar do poliamor então um abraço apertado para todxs - porque certamente será uma experiência menos feliz que nos afecta. 


6 - Onde arranjar paciência para explicar "aquelas pessoas" que poliamor não é promiscuidade, não é apanhar sida, não é poligamia nem é traição:  
Se souberem onde se arranja deixem-me nos comentários. Agora a sério, não temos que arranjar paciência. Não é nossa obrigação educar ninguém se não quisermos. Existem alturas em que a paciência surge e muito provavelmente ela vem da forma como nos colocam as perguntas. Alguém que parte do principio que poliamor é andar a apanhar sida geralmente não merece o meu tempo. Quando sinto que merece ser respondido e que devo tentar elucidar alguém, respiro fundo e penso que não o estou a fazer só por mim e só pelo meu poliamor mas também pela minha homossexualidade, pela minha liberdade, por ser Mulher e por todas as outras frentes que precisam de ser enfrentadas. A minha paciência vem da minha vontade de me afirmar. De ter voz. Geralmente preciso de tempo para responder a essas provocações de forma calma, preciso de respirar fundo e pensar que tenho a sorte de ter acesso a informação. Então utilizo o meu activismo, o meu amor que se multiplica e os meus conhecimentos para mandar abaixo todo o slutshaming e toda a polifobia.  

    
7 - Como é que se dá inicio a uma nova relação? Cada pessoa é livre de iniciar as relações que entender ou é algo que tem que ser discutido porque se está a trazer uma pessoa nova para a família? 
Tudo tem que ser informado e comunicado nas minhas relações. A minha politica é tentar que as pessoas com quem estou conheçam a pessoa por quem me interesso. É importante que se crie alguma ligação - traz a todxs a sensação de proximidade e confiança. Se alguém com quem estou quiser dar inicio a uma nova relação, é de extrema importância para mim sentir que faço parte dessa decisão. No fundo todxs nós temos uma rotina e temos uma base já construída. Assusta a possibilidade de alguém aparecer e mudar tudo isso. Quando não se conhece a outra pessoa criam-se mil e uma coisas na nossa cabeça que acabam por ser derrubadas com o convívio. Partilhar interesses. Falar sobre a série favorita que têm em comum ou jogarem playstation uma noite inteira. Se não existir qualquer química entre todas as pessoas envolvidas então é necessário falar. Eu partilhando casa com quem namoro e essa pessoa trazendo alguém com quem me sinto extremamente desconfortável é uma situação que não quero viver. Cabe a todas as partes serem honestas e discutirem a solução, porque ninguém tem que estar a viver uma situação que não traz felicidade.  
Acrescento que nem sempre as pessoas estão capazes de gerir o começo de outra relação dx parceirx. É importante dizermos o que sentimentos genuinamente. Um: não sinto que a nossa relação de momento esteja bem, não me sinto confortável em começares uma outra relação sem que consigamos estabilizar e dedicar tempo às coisas entre nós. Isto é válido - tudo o que todxs sentem é válido, deve ser ouvido e deve ser procurada a melhor solução para todas as partes. No fundo o poliamor não é um concurso ao maior número de parceirxs mas sim amar várias pessoas - e amar implica ouvir e respeitar os sentimentos dx outrx 


8 - Como sair do armário para a família?  
São poucas as pessoas na minha família que sabem que sou poliamorosa - no entanto também não escondo. Eu sei como é que funciona na minha família: há coisas que não se querem ouvir, então eu guardo para mim sem permitir que isso me prive muito. Não posso responder a essa pergunta pegando no meu exemplo enquanto pessoa poli mas presumo que pegando no meu exemplo como pessoa lésbica e activista consigo dizer algumas coisas. Sair do armário é uma decisão muito pessoal e ninguém deve ser forçado a tal. Dentro das relações poliamorosas existem pessoas que pedem que para a família se comportem enquanto casal monogâmico. Devemos sempre respeitar esses pedidos e tentarmos apoiar ao máximo a outra pessoa quando esta decidir fazer um comming out. Não existe melhor ou pior forma de dizermos: sou poliamorosa. Depende da nossa situação financeira, da nossa independência, da nossa família - depende da nossa força emocional também. O processo de afirmação é importante - mesmo quando ouvimos coisas horríveis, sai um peso de cima dos nossos ombros. Quando a minha mãe me perguntou: mas tu namoras com X ou com X e com Y? Eu ri-me e disse: ah, era engraçado. Não houve coragem e arrependo-me hoje em dia pois tinha sido a oportunidade perfeita. Agora acho isso porque tenho mais força; mais independência. Não posso dar nenhuma sugestão sobre o assunto se não: os armários são todos difíceis. Gays, lésbicos, bissexuais, transpoliamorosos etc.. mas existem pessoas que estão aqui incondicionalmente. A nossa família é nos tida como o nosso maior amor incondicional mas a nossa mãe e o nosso pai são pessoas - perfeitas ou imperfeitas, são pessoas que não têm que representar esse amor. No meu caso representam e ainda assim não respeitam as minhas decisões na totalidade. É uma decisão minha pegar na minha vida e vivê-la como eu quero. Se tu, que me estás a ler, não tens coragem para sair do teu armário - não és fracx. És uma Pessoa. Tens o mesmo mérito e o mesmo valor. Quando sentires que o deves fazer, se não tiveres apoio, lembra-te que existem milhares de pessoas no Mundo que te vão ouvir e dizer: não és uma merda.  


9 - Em relações poliamorosas há aqueles momentos de "eu pensava que já te tinha dito e não disse"?  
Há, claro que sim. O que não quer dizer que não tenha consequências. Se for uma coisa simples como o facto de não contar aos meus dois amores que lhes manchei a roupa toda porque a pus no programa errado, é okay (bem, depende da roupa). Se for uma coisa como eu não ir dormir a casa porque vou dormir a casa de alguém de quem elxs nunca ouviram falar e nem sequer os aviso enquanto estão à minha espera e depois digo: ah, pensei que sim! Não é okay. O poliamor não é uma carta branca para tudo, as pessoas têm sentimentos e merecem ser informadas. Avisadas. É muito importante termos atenção às coisas que dizemos e às que faltam dizer. Omissão seja ela propositada ou não, pode desencadear bolas de neve de inseguranças que não têm fim, às vezes andar com uma lista de coisas que se tem que avisar no telemóvel resolve muitos mal entendidos. 


10 - Considerando que numa relação há amor, sendo poli é possível amar duas ou mais pessoas ao mesmo tempo? 
Quatro e cinco e seis. É um trabalho incrível de multiplicar o amor. Sim, é possível amar mais do que uma pessoa. No fundo a ideia de amarmos apenas uma pessoa é nos ensinada socialmente. A verdade é que amarmos hoje alguém, numa perspectiva monogâmica, acabarmos a relação, darmos inicio a uma outra relação monogâmica e amarmos essa pessoa - significa que o amor não foi exclusivo a uma, simplesmente se assumiu um compromisso durante o tempo de relacionamento. O poliamor permite que ames alguém mas que não te prives de amares outra pessoa. Existem pessoas que aparecem na nossa vida um ano, dois anos ou vinte anos depois de já estares com alguém - essa pessoa não tem culpa de ter aparecido na tua vida nessa altura nem tu tens culpa de não teres conhecido a pessoa antes - no entanto, amas a pessoa com quem estás também, incondicionalmente. Tudo isto são casos reais. O amor não se divide - é infinito. Amamos pessoas na família, amamos amigxs, amamos parceirxs mas amamos. Não se vende o amor ao peso, por isso devemos aproveitar o que ainda temos de gratuito: como amar. 





11 - É possível que muitas vezes ocorra o sentimento de que a pessoa nunca é suficiente para o outro e que isso cause dano ou fragilize?   

Acontece sim. Vivemos numa sociedade que romantiza a posse nas relações. Ou seja, o amor está associado a uma exclusividade. És meu e eu sou tua – para sempre. Esta forma de amar é nos ensinada mesmo que não nos seja dita de uma forma tão óbvia. Está presente nas músicas, nos filmes, nos livros, na nossa cabeça, romantizando - e no nosso coração. É muito difícil a liberdade dessa construção, não é impossível mas é difícil. No fundo estamos a desconstruir de um lado e a levar com isso de todos os outros. A mononormatividade que chega por todos os cantos. poliamor não é o milagre para mudar num dia o que nos foi ensinado desde sempre. Existe muitas vezes a sensação de que se calhar nos falta algo – o que é que x tem que eu não tenho? - isto acontece. O que muda é que pegamos nesse pensamento e percebemos que o podemos trabalhar. Existem outras alturas que não conseguimos pegar nele porque somos humanos – geralmente é aqui que aconselho uma conversa com o/os amores. Muitas vezes essa conversa vai ajudar a perceber que somos importantes e amadxs – que ter outras pessoas não é colocar o que somos em causa mas sim existir a liberdade para viver outras experiências que são certamente diferentes. Desconstruir o sentimento de posse é talvez das coisas mais difíceis de sempre – mas não é impossível.  


12 - Como explicar ao meu namorado que gostaria de ter uma relação poliamorosa com ele e uma rapariga? E sou egoísta por não desejar que eles tenham algo, sendo eu o "centro" da relação? 

Serias egoísta se quisesses que duas pessoas que não se sentem atraídas tivessem algo, contrariadas, por ser uma decisão tua. Da forma como a pergunta é colocada, não existe egoísmo. Da mesma forma que não existe um como lhe explicar, se não seres honestx. Explicar o que sentes por pessoa X, que queres colocar a possibilidade de continuares o namoro que têm mas iniciares uma relação com outra pessoa. Apresentares possibilidades e formas de construírem essa relação. Ouvires a opinião dele e perceberes onde estão os medos, o que pode ser conversado, o que podem fazer individualmente, xs dxxs e xs três (isto presumindo que a terceira pessoa está a par da situação e está disponível a uma relação poliamorosa). Se ele não concordar tens duas hipóteses: continuares o vosso namoro como base a monogamia ou não continuares esse namoro. Infelizmente neste caso as coisas são um bocadinho frias e têm que postas nestes termos. Tu quereres que algo aconteça não significa outrxs quererem e quando somos confrontados com um não só temos a opção de aceitar o não e continuar nessa relação ou aceitar o não mas decidir não continuar nessa relação. De qualquer forma introduzires leituras sobre poliamor e conversares sobre as várias formas como se pode construir a vossa relação a partir daquela que já têm é talvez uma boa ajuda. Conversarem as três pessoas envolvidas se existir então alguma possibilidade de todas as partes é muito importante. Vão ter medos semelhantes, vão ter coisas que não querem que mudem ou que querem que mudem, tudo isso só vai ser falado se forem transparentes no começo da relação poliamorosa. Mesmo sendo duas relações distintas – tu e o teu namorado actual; tu e a rapariga de quem falas - és uma pessoa comum em ambas as relações e de certo que falarem abertamente sobre o que é okay e o que não e okay dali para a frente vai ser uma excelente ferramenta de trabalho nas relações e a nível individual. 





13 - Como lidar quando uma relação acaba? Isso afecta todos? Afecta só a pessoa que acabou a relação? De que maneira isso se revê nas outras relações?   

Uma relação acabar é geralmente um momento triste para as pessoas que a vivem – nem sempre, dependendo dos motivos para que a mesma termine. Imaginando ser um momento de dor, vai afectar a forma como estamos e isso influência quase tudo o que fazemos, como quase todas as nossas dores. Não tem que afectar as outras relações directamente - é preciso existir alguma compreensão pela mudança que vai existir na pessoa que terminou a relação. 

Falando das minhas experiências, as pessoas que foram as minhas melhores amigas no fim de relações, foram os meus amores. Pessoas com quem também tinha um relacionamento. Sinto-me muito sortuda porque tive imenso apoio e senti que existiram momentos em que fui ouvida como uma melhor amiga unicamente e não como uma namorada. Mesmo quando me ouviam enquanto namorada, o apoio era infinito. Foi no colo de amores meus que chorei por causa do fim de outras relações. Não deixei de viver aquela situação porque existiam outras pessoas na minha vida. Cada pessoa é uma pessoa. Cada experiência é uma experiência. Cada dor é única.  

Já ouvi muitas vezes dizerem que quando uma pessoa poliamorosa com mais do que uma relação termina um namoro, não dói. Ouvi dizer também que não dói porque temos outras pessoas.


Eu tenho várixs amigxs e quando uma amizade acaba eu não deixo de viver a tristeza que isso me traz. Não é por ter outras relações que deixo de viver o fim daquela, especificamente.  


 14 - Como se organizam as pessoas poli em termos de gerir o tempo que passam com xs parceirxs? Assumindo que não vivem todxs na mesma casa - o que a partir de um certo numero se torna complicado. Como é que organizam a "logística" da coisa? 

Maior parte das minhas relações foram à distância. Namoro há quase três anos com a pessoa com quem vivo há dois, a logística aqui é fácil (e mesmo assim existem queixas de falta de tempo – quem nunca? O trabalho consome as pessoas. O capitalismo consome as pessoas). A minha outra namorada mora em Portugal, toda a tecnologia ajuda mas as saudades são absurdas. Quando existiu disponibilidade fui ter com ela e ela fez o mesmo. Em breve vem morar comigo, o que facilita a proximidade física.  

Das experiências que tenho de morar com mais do que um amor, as coisas acontecem de uma forma muito familiar também. É mais gente para ver filmes fofos, para jogar às cartas e ao Cluedo. Nas minhas relações à distância, quando o meu amor me visitava na casa que partilho com o outro amor, eu dormia sempre com ela. Passava mais tempo com ela. Era uma gestão fácil porque a pessoa com quem vivo compreende que não tenho muitas possibilidades de passar tempo com alguém que está longe. Exceto em aniversários de namoro/aniversário delx – nesse caso, pede-me para dormir com elx, o que nos faz sentido. Agora com a mudança do meu amor que está longe para cá a gestão do tempo será mais equilibrada. Não somos só poliamorosxs. Existem empregos e responsabilidades. Existem coisas que queremos e gostamos de fazer sozinhxs. A ideia é organizar calendários - disponibilidades – para se conseguir aproveitar o tempo da melhor forma. Curiosamente uma das últimas coisas que disse sobre esta nova mudança na nossa vida foi: vens morar comigo mas queria dizer que gosto muito de estar sozinha e não quero abdicar disso. A verdade é que, como já disse, as pessoas são diferentes. As necessidades das pessoas são de igual forma diferentes. Corresponder às necessidades de cada umx vai depender do que é que a pessoa quer e não do que nós achamos que a pessoa quer.  

Não falando da minha experiência mas para completar a questão da logística de tempo, maior parte das famílias poli que conheço usam agendas/calendários partilhados. Google calendar (corações). Quando a constelação é maior acredito que seja a forma mais fácil de fazer possível o tempo "esticar". 


15 - Aqui a pensar um bocadinho nas pessoas assexuais: se alguém for ace como é que é gerida a coisa? É mais fácil porque sendo poli, podem ir buscar sexo a outrx parceirx (coisa que numa relação mono fechada está fora de questão)?  

Deparei-me recentemente com o facto de ser assexual – depois de muita leitura percebi que existia um nome que me fazia sentido. Já tive imensas inseguranças durante as minhas relações por causa disso. Existe uma pressão para que o sexo seja presente numa relação mas isso não me chega como justificação (nem me parece nada consensual). Disse várias vezes à pessoa com quem estava na altura que compreendia se elx quisesse ter relações com outras pessoas visto que eu não queria ter relações regularmente. Sempre ouvi que isso não lhe fazia sentido porque queria ter relações comigo e que se eu não queria ia respeitar sempre. Foi uma decisão delx. Não acredito que sendo poliamorosx torne mais ou menos difícil. Depende do que é okay nas relações - dentro do poliamor pode ser okay ter relações sexuais com pessoas pelas quais não se sente atração romântica, existem outras relações que estabelecem só ser okay existirem relações sexuais se existir uma atração romântica. Portanto não posso generalizar e falar por todas as pessoas assexuais (e pessoas arromanticas) - porque sei que as relações vão depender do que é decidido entre xs envolvidxs 
Posso também acrescentar que o desejo sexual que se sente por X não tem que ser o mesmo que se sente por Y. Portanto eu querer ter alguma coisa com pessoa X não é anulado por eu ter com pessoa Y. Eu posso querer ser kinky com alguém e muito vanilla com outra pessoa. O que tem que existir sempre – repito, sempre - é respeito. Independentemente de querer o quer que seja com determinada pessoa – independentemente de o querer com outras mil - não me dá o direito de ter o que quero. O consentimento não chega através do desejo que sinto mas sim do que duas pessoas adultas decidem fazer sem a influência da pressão e da manipulação.  



 16 - Quando uma pessoa numa relação se apaixona por outra e forma nova relação, como é que é gerida a situação com a(s) pessoa(s) com quem já se tinha relacionamento? Da parte de quem inicia nova relação, nada muda no sentimento pela(s) pessoa(s) com quem já existia relacionamento? Da parte da(s) pessoa(s) com quem já se tinha relacionamento, há ciúme?  

Quando alguém se apaixona por outra pessoa, nas minhas relações, falamos com as pessoas com quem já temos uma relação para contar que está a existir uma proximidade, que estão a surgir sentimentos. Também falo com a pessoa por quem estou a sentir esses sentimentos sobre as pessoas com quem estou. Tento (como já disse numa outra pergunta) que se conheçam e partilhem algum tempo juntxs. Quando dou início a uma relação as pessoas com quem já estava são sempre as primeiras a saber do momento em que se pediu em namoro. Partilhamos esses momentos por sentir que são importantes num todo. O meu sentimento não muda em nada pelas pessoas com quem estava. São relações distintas. O amor que sinto por pessoa X não influência o amor que sinto por pessoa Y. Nunca senti que um amor retirasse outro ou o fizesse enfraquecer.  

Relativamente aos ciúmes, os ciúmes existem. É um mito que não se sente ciúmes (não anulando as pessoas que não o sentem de facto, porque acontece). Os ciúmes existem e é importante para quem inicia uma relação arranjar algum tempo para demonstrar a todas as partes que se está disponível. É uma ginástica de tempo - não podemos iniciar uma relação nova e simplesmente ignorar a/as pessoas com quem já existia esse compromisso. Às vezes esses erros acontecem sem nos apercebermos e com algum tempo começamos a aprender a gerir as coisas de forma que todas as pessoas se sintam bem. Existem pessoas que precisam de mais ou menos atenção - existem outras pessoas que precisam de mais ou menos presença física. Existem pessoas que gostam muito de ir ao cinema – existem pessoas que gostam mais de ir passear para a praia. Não podemos pegar no que fazemos com pessoa X e fazer disso regra para todas as relações. Com cada pessoa existe uma conversa sobre o que faz mais ou menos falta. Ninguém é perfeito, vão existir momentos se calhar vamos fazer asneiras porque presumimos que é o mais correcto. A ideia é: não se deve presumir – perguntamos. Ouvimos. Pegamos nisso e tentamos arranjar a melhor forma para gerir as inseguranças que chegam, o tempo que parece escasso, a falta do cinema e a falta da praia.  


Acontece também acharmos que não vamos ter ciúmes, damos inicio a uma relação poliamorosa e andamos a rastejar. A culpa é minha; Porque é que me meti nisto? Agora como é que vou fingir que estou bem? - A culpa não é tua. Não tens que fingir que estás bem. A internet tem vários artigos maravilhosos que explicam que o ciúme existe. Pega num papel e escreve - ciúme - à volta dele escreves tudo o que ele te traz. Porque é que ele existe. Quando é que existe em mais força. Lê tudo. Lida com ele. Deixa o ciúme existir. Olha tanto para ele que ele comece a perder a força. Olha para o que o traz; o que o alimenta. A culpa não é tua. Não tens que fingir que não o sentes. Grita com ele. Discute com o papel; com o ciúme. Bate no papel com uma almofada. Canta-lhe a música que cantas pior. Mas deixa que ele exista. Depois respira fundo – fala com ele, fala contigo, fala com os teus amores. Sê honestx. Vão surgir várias formas de o trabalhar se o tornares real e não o tentares esconder. 


Post original: Multipliquei o Amor


quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Orgias poliamorosas

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Eu geralmente não pergunto a pessoas mono como é que é o sexo delas. Como fazem com x parceirx. Qual a disponibilidade de cada pessoa para relações sexuais. Se umx tiver um emprego com um turno diferente do outro, ou sei lá! Também não assumo que todas as relações têm/precisam de sexo - isso era tornar invisível quem não tem desejo sexual (a assexualidade existe gente!) ou não vive o sexo como a sociedade faz querer parecer. Geralmente não me interessa a frequência (geralmente? Nunca!) com que alguém tem relações.  

Quando digo que sou poliamorosa essa é uma questão que todas as pessoas querem colocar mas não sabem como. E ainda bem que não sabem - a menos que eu dê permissão para o fazerem. Não me parece correcto alguém com quem não tenho confiança querer saber a frequência com que estou alguém nesse sentido. Hoje estou disponível para escrever sobre isso - por livre arbítrio meu, também por saber que interessadxs em relações poliamorosas podem ter dúvidas sobre isso e não as sabem colocar. Gosto sempre de salientar que tudo o que escrevo é sobre a minha experiência pessoal e que é importante relembrar que todas as relações têm dinâmicas diferentes 

A maior diferença que encontro de quando tinha relações monogâmicas é a gestão de tempo e espaço. Essa ginástica acontece com a ajuda de todas as pessoas com quem estou - pedir tempo. Pedir espaço. Não é constrangedor - mas é um trabalho de comunicação demorado. As palavras às vezes faltam, temos medo de magoar outrxs. A verdade é que é preciso faze-lo -  partilhar o que sentimos ser necessário, o sexo não é tabu para mim - tento que não seja para quem me rodeia também. Mas não - não tenho uma agenda para fazer sexo (ainda?) até porque geralmente tenho uma agenda cheia de outras coisas que me ocupam: fazer o jantar, estender a roupa ou ler livros maravilhosos. Ás vezes também tenho a cabeça cheia de outras coisas que me ocupam: contas, o final da temporada de Orphan Black, medos e inseguranças. Desculpem se a vossa percepção de poliamor associado a uma orgia está a ser arruinada mas com mais que umx parceirx e as coisas básicas da vida de um ser humano, o tempo é pouco. (E uma orgia requer tempo, dedicação e planeamento!) Não somos prevertidxs. Podemos ser assexuais (ou todo um espectro de possibilidades que afastam o sexo como o centro das relações). Podemos não querer. Podemos dizer não. Mas podemos ser muito sexuais. Podemos querer. Podemos dizer sim. O que acontece no poliamor é o que acontece em todas as outras relações - é preciso consentimento, vontade, tempo e disponibilidade. Acrescentamos a comunicação a duplicar, triplicar (multiplicar?) e voilá: orgasmos. Pétalas de rosas. Unicórnios. Arco-íris. Podemos ser vanilla ou kinky. Podemos preferir gelado coberto com Nutella em frente a uma televisão, ou corpos nus cobertos com Nutella num colchão. Ou um serão de Scrabble com todxs xs parceirxs de todas as pessoas da constelação. Consentimento, vontade, tempo, disponibilidade e comunicação. Não falei em proteção? - proteção! Quando as pessoas me dizem que é precisa muita confiança e proteção em relações poliamorosas gosto de corrigir para todas as relações -. Mas podes dormir com várias pessoas, não é? Não, não é. Posso "dormir" com as pessoas com quem me faz sentido se as outras pessoas com quem estou estiverem confortáveis. Geralmente nas minhas relações só existe essa parte se existir algum interesse além de... mas novamente, é nas minhas relações que isso acontece. A forma como as vossas relações são geridas é decidido por vocês, pelas pessoas com quem têm uma relação e não apenas pela quantidade de pessoas que têm o desejo ardente de BDSM com vocês. (BDSM também dá trabalho e requer muito planeamento!)

Muito sexo, pouco sexo, sexo com umx ou sexo com muitxs é uma decisão nossa - vossa, e obviamente com quem têm um compromisso. A gestão disso acontece consoante a vontade individual ajustada ao consentimento geral.  
(repetindo) 

Não somos prevertidxs - (às vezes sou). Podemos ser assexuais (ou todo um espectro de possibilidades que afastam o sexo como o centro das relações). Podemos não querer. Podemos dizer não. Mas podemos ser muito sexuais. Podemos querer. Podemos dizer sim. O que acontece no poliamor é o que acontece em todas as outras relações - é preciso consentimento, vontade, tempo e disponibilidade, Acrescentamos a comunicação a duplicar, triplicar (multiplicar?) e voilá: orgasmos. Pétalas de rosas. Unicórnios. Arco-íris. Podemos ser vanilla ou kinky. Podemos preferir gelado coberto com Nutella em frente a uma televisão. Ou um serão de Scrabble com todxs xs parceirxs de todas as pessoas da constelação. Consentimento, vontade, tempo, disponibilidade e comunicação. Não falei em proteção? - proteção! 

sábado, 17 de outubro de 2015

Tertúlia "(re)pensar a sigla"

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A tertúlia "(re)pensar a sigla", organizada pelo grupo NOVA Equality, teve lugar a 16/10/2015. Inês Rôlo esteve em representação do PolyPortugal.

Podem ouvir a sua intervenção inicial aqui!


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Reportagem sobre Poliamor na Revista Tabu

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A peça "Nós temos 7 amores. História de uma família poliamorosa" saiu no dia 16/10/2015 na revista Tabu, que vem com o Semanário Sol. Leiam aqui em baixo e partilhem!

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Ser poly e marginal

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Imagina isto: estás a conversar. Uma conversa banal sobre uma coisa qualquer. Estás, sei lá, a falar sobre cinema, num café com malta que conheces mais ou menos e com quem até te dás bem, mas não são o teu círculo íntimo de pessoas. Conhecem-se há relativamente pouco tempo, ou até há algum mas nunca falaram realmente umxs sobre xs outrxs e conhecem-se superficialmente. Sabes que uma das raparigas do grupo tem um namorado, sabes que a outra é de não sei onde e que tem uma licenciatura em não sei o quê, e um dos rapazes joga futebol e gosta de sci-fi. Tens ali colegas, amigxs de amigxs que conheceste numa noite qualquer, foste ali tomar um café porque calhou. Ou então são colegas de faculdade, ou colegas de trabalho, algo assim.

Estão a falar sobre cinema. E tu viste o filme no outro dia com a tua namorada. E alguém diz “ah, tens namorada? Fixe.” e passam à frente, porque a malta até é evoluída, e continuam a conversar. Até estás com sorte, porque não fizeram comentários menos agradáveis que já ouviste antes. Decidiste arriscar falar um bocadinho de ti e correu bem.  Mas já estás a pensar estrategicamente, não sabes se é seguro falares muito mais de ti e estás, desde o início, a pensar se hás-de conversar à vontade ou não. Não que aches que as pessoas te vão atacar directamente, mas não sabes bem o que esperar.

Decides arriscar. Porque afinal estás ali com amigxs e faz sentido que fales de ti, certo? Gostas que partilhem coisas contigo e gostas de partilhar coisas sobre ti, porque é o que se faz quando se conhecem pessoas novas e estás a fazer amizades.

Então casualmente continuas a conversar, e contas que no outro dia foste ao cinema com a tua namorada e o namorado da tua namorada e mais algumas pessoas que fazem parte da tua vida e da tua família (que por acaso são companheiras do companheiro da tua companheira). Não te apetece propriamente dizer “fui ao cinema com amigxs”, porque isso não corresponde exactamente à verdade.

Isto tudo porque querias dizer que foste ao cinema, mas não querias estar a mentir ou ocultar coisas sobre ti e poder falar delas naturalmente. NATURALMENTE. Assim como a tua amiga entretanto disse que foi ao cinema com o namorado dela e a conversa passou à frente.

Mas, no teu caso, a conversa pára ali porque de repente as pessoas começam a perguntar-te coisas da tua vida privada, porque se esqueceram da conversa interessante que estavam a ter sobre cinema e a conversa passa a ser sobre ti. Aliás, não sobre ti: sobre a tua vida. A conversa na verdade gira à volta das pessoas que começam a fazer-te perguntas atrás de perguntas sobre a tua vida, não porque estejam interessadas nos teus sentimentos, mas porque querem satisfazer uma curiosidade mórbida qualquer que tenham sobre se lá em tua casa dorme toda a gente na mesma cama e se fazes orgias ao fim de semana. Não têm lá muita empatia. Começam a reduzir-te a ideias pré-concebidas e tu passas a ser vistx como um rótulo ambulante. Nada contra rótulos, atenção, mas tu sabes que és mais do que uma só coisa. Tens de fazer um esforço para descontruir na cabeça delas a imagem que criaram automaticamente de ti e que não tem nada a ver contigo só porque disseste uma coisa que, para ti, é simples de assimilar porque é a tua vida.

Não sabes exactamente o que fazer, porque a partir do momento em que falaste no assunto é como se tivesses uma espécie de dever de 1) provar que és uma pessoa decente APESAR DE TUDO; 2) responder a toda e qualquer pergunta que te façam sobre a tua forma “hippie” ou “hipster e contemporânea” (ou, pior, “promíscua e psicopata”) de viver.

E tu queres falar sobre isso. Queres, porque é a tua vida, e queres partilhá-la, e até te dá algum gozo falar de ti, falar de coisas não-normativas. É fixe dizeres que és diferente. Mas também não queres falar sobre isso. Porque te apercebes de que as perguntas que te fazem não são perguntas de pessoas que se preocupam com o teu bem estar, ou pessoas que gostam de ti pelo que és. Mas porque te transformas num objecto de estudo, de fetichização, de estranheza, de exotismo, o que for.

É giro. Até certo ponto. A partir de determinada altura, torna-se cansativo. Esgotante. Irritante… Ofensivo. Agressivo. Queres poder ter uma conversa sem teres de sair de um armário de todas as vezes. Sem teres de “admitir” alguma coisa. Sem haver uma pausa na conversa em que de repente tu dás uma aula sobre a tua forma de viver, de ser, de estar.

De todas as vezes, tens de fazer várias escolhas: 1) evitar assuntos sobre a tua vida ou 2) abordá-los, tendo a noção de que podes ter A) reacções activamente agressivas ou B) teres de explicar exaustivamente tudo o que se passa na tua vida e responder a perguntas que, por bem intencionadas que sejam, sejam invasivas e ofensivas. Ou C) não responder a absolutamente nada e passar à frente, e depois lidar com as reacções das pessoas que acham que lhes deves uma explicação.

Entretanto já nem te lembras do que estavam a falar. Ah, de cinema. Então tu foste ao cinema com a tua namorada, o namorado dela, as namoradas do namorado dela. A tua família. E falas do filme, mas parece que as pessoas nem te estão a ouvir porque, na cabeça delas, ainda estão a fazer uma série de perguntas.

Depois pensas que se calhar talvez não seja melhor mencionares outros aspectos menos normativos da tua vida, tipo questões de género, activismo, feminismo. Se calhar é melhor também não falares sobre coisas que tenham a ver com foder, porque provavelmente também vais ficar com o rótulo de galdéria (pelo qual tu até tens um certo carinho, mas é melhor não lhes responderes isso de qualquer das maneiras).

Tu só querias falar sobre a merda do filme.

Depois vais-te afastando lentamente das pessoas porque não encontras propriamente tema de conversa, uma vez que todos aqueles que são temas centrais da tua vida te passam pela cabeça e ficam presos no filtro de “é melhor não puxar este assunto”.

Voltas àquele círculo pequenino e bom e fofinho das pessoas que te são íntimas e são parecidas contigo e refilas com elas e queixas-te de que, pela quinquagésima vez, não te sentiste à vontade no café que tiveste. E elas abraçam-te e compreendem-te porque passaram exactamente pelo mesmo.

Isabel Martinez

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Quem define família?

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Durante o meu pequeno percurso poly existiram várias coisas que compreendi e muitas delas me magoaram. Para viver o amor sem mentir e esconder - vivo uma vida de amores a mentir e esconder. Esconder relações. Não estarmos - perante famílias ou em questões profissionais - todxs no mesmo patamar. Ter que optar pela verdade e as consequências implícitas; pela omissão de alguém e me apresentar como pessoa monogâmica - ou omitir todas as relações por me ser difícil decidir quem apresentar. Como apresentar. 

Em tom de piada é recorrente utilizarmos estas situações cá em casa como peripécias poly. Vamos rindo. Ignorando que escolhemos ser esta a nossa vida: um conjunto de peripécias que nos tornam invisíveis e nos magoam.   

Passei a tarde a procurar uma casa mas setenta por cento eram para famílias. Foda-se - quem define família? Esta é a minha família. A família que estou a construir a seu tempo. Que é muitas vezes desvalorizada. Invisível. Que tenho que omitir à minha outra família - a biológica. Que tenho que esconder se tiver medo na rua. Mas é a minha família. Quem define família por mim? Se amo estas pessoas. São um colo e um porto-de-abrigo. São a minha luta constante. Uma luta bonita. Uma casa para uma família é qualquer uma casa para nós. Pessoas que partilham o mesmo espaço. Que se amam. Que se respeitam. É esta a minha família - mas não podemos gritar. Ou podemos - posso. Sempre que posso, grito. Mas não posso gritar que quero uma casa para esta minha família. Vamos sendo magoados. Invisíveis. Somos uma piada - um conjunto de peripécias que escolhemos viver por escolhermos desconstruir o amor e esse é infinito, ainda que lamentavelmente ninguém o reconheça. O acolha. O respeite. No fim de contas esta é uma sociedade formatada, formatada para a falta de amor. Nos vamos sendo pessoas que se riem das peripécias. Que ultrapassam. Que se abraçam. Que vencem. Que são de certo uma família.